Um gesto grandioso

Dom Valdeci (C), o "bispo quilombola", em seu nobilíssimo gesto. Fotosca: Zema Ribeiro
Dom Valdeci (C), o “bispo quilombola”, em seu nobilíssimo gesto. Fotosca: Zema Ribeiro

 

Um dos momentos mais marcantes da 12ª. Romaria da Terra e das Águas do Maranhão, em Chapadinha/MA, dias 17 e 18 de outubro, se deu quando Dom Valdeci, bispo diocesano de Brejo, virou um coreiro, tocando tambor de crioula durante a apresentação do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom) – à esquerda na foto, Murilo Santos também capta o momento.

Contrariando o sábio padre Antonio Vieira, ainda atualíssimo em se tratando de Maranhão, aquele homem não fez aquilo por vaidade. Impera ali, em seu gesto de grande carga simbólica, o reconhecimento da Igreja Católica – e dos homens e mulheres que a fazem – como morada de Deus e dos homens e mulheres que são – ou deveriam ser – sua real razão de existir.

Dom Valdeci fez valer o lema do evento – “tire as sandálias! O lugar onde estás é chão sagrado” (Êx 3) – ao afirmar suas raízes quilombolas, numa noite/madrugada/manhã em que a autoridade episcopal e cada romeiro e romeira ali presentes foram também indígenas, ribeirinhos, quebradeiras de coco, trabalhadores e trabalhadoras rurais.

Seu gesto, nobilíssimo, dialoga diretamente com o ar progressista que a Igreja Católica começa a respirar sob o papado de Dom Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco.

O tema da Romaria, “território livre para o bem viver dos povos”, incorpora o grito dos mesmos e o rufar dos tambores, especialmente o tocado por um bispo negro, soma-se a este e a tantos gritos que há tempos não querem calar.

O coroataense José Valdeci Santos Mendes, 54, o “bispo quilombola”, ainda se aventurou depois, a acompanhar a cantora Lena Machado, em toadas clássicas do repertório do Maranhão, como Engenho de flores (Josias Sobrinho), Bela mocidade (Donato Alves) e Lua cheia (Godão e Bulcão), além de juntar-se ao coro de mais de 10 mil vozes que entoou Oração latina (Cesar Teixeira), hino autêntico do povo maranhense, sempre em busca de melhores dias.

Uma toada bastante conhecida no registro de Mestre Felipe sofreu alterações na letra, adaptada à realidade das comunidades quilombolas congregadas no Moquibom. O título, que é também seu refrão, traduziu o gestou de Dom Valdeci, que a seu modo nos dizia: “Maranhão sou eu!”. Amém!

Choro em dose dupla – ou quádrupla

[remix dum release já distribuído]

RicoChoro ComVida terá duas edições extras, na mesma noite, dentro da programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Maranhão. Apresentações de Chorando Callado, Regional Tira-Teima, Anna Cláudia e Luciana Simões são gratuitas e acontecem na Praça Maria Aragão

Apreciadores de boa música nunca estão satisfeitos com o dito popular “tudo o que é bom dura pouco”. Frequentadores assíduos de RicoChoro ComVida sempre reclamam: ou a festa mensal é curta; ou deveria ser semanal. Por outro lado, reconhecem a importância do projeto, nos moldes do saudoso Clube do Choro Recebe, então semanal, no Bar e Restaurante Chico Canhoto, com breves passagens pela Pousada Portas da Amazônia/ La Pizzeria, na Praia Grande, e Associação do Pessoal da Caixa (APCEF), no Calhau.

A este coro de mais ou menos descontentes, um motivo de alegria está agendado para a semana que se inicia: amanhã (20), às 20h, de graça, na Praça Maria Aragão, nada menos que dois shows – ou melhor, quatro – poderão ser presenciados, sob produção de Ricarte Almeida Santos, na programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Maranhão – que acontece entre os dias 19 a 25 de outubro –, evento promovido pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, pasta cujo titular é Bira do Pindaré (PSB).

A noite desta terça (20) terá nada menos que o retorno do Chorando Callado – um dos grupos surgidos por ocasião do Clube do Choro Recebe, celebrando 10 anos de estrada – e o Regional Tira-Teima, mais antigo grupamento de choro em atividade no Maranhão, prestes a lançar seu disco de estreia. Os grupos receberão, respectivamente, as cantoras Anna Cláudia – com disco novo pronto, a ser lançado em breve – e Luciana Simões (do duo Criolina), com repertório baseado em Dalva de Oliveira (1917-1972), Carmen Miranda (1909-1955) e Noel Rosa (1910-1937).

O Regional Chorando Callado – cujo nome homenageia Joaquim Antonio Silva Callado, considerado um dos pais do choro – é formado por Wendell Cosme (bandolim e cavaquinho), Wanderson Silva (percussão), João Eudes (violão sete cordas) e Lee Fan (flauta e saxofone). O Tira-Teima – batizado por um choro de Ubiratan Sousa, um de seus fundadores, ainda na década de 1970 – é atualmente integrado por Paulo Trabulsi (cavaquinho solo), Zeca do Cavaco (voz e cavaquinho centro), Luiz Jr. (violão sete cordas), Zé Carlos (voz e percussão), Serra de Almeida (flauta) e Henrique (percussão).

Wendell Cosme revela a alegria em participar do projeto: “Estamos felizes em participar do RicoChoro ComVida. A gente já estava conversando há algum tempo e, na verdade, nós estamos comemorando os 10 anos de Chorando Callado. Parece que o Ricarte adivinhou. Estamos com o projeto de um show e da gravação de um disco para festejar essa data. Será um grande prazer começar essa comemoração acompanhado a Anna Cláudia”, revelou.

Wanderson também revela empolgação em participar do projeto e admiração por Anna Cláudia: “Nós estamos todos felizes com o convite, [Anna Cláudia] é uma cantora que tem um perfil que se encaixa com o Chorando Callado, bem alegre, extrovertida e profissional, assim como nossa maneira de fazer música”, declarou.

O violonista João Eudes reforça a importância das amizades para a consolidação do grupo: “É uma sensação prazerosa, esta reunião é uma relação de amizades concretas e sinceras que só o tempo constrói. Acompanhar Anna Cláudia é uma emoção: além de uma grande amiga, sua voz e afinação são impecáveis”, elogiou.

A cantora Anna Cláudia durante canja em edição do projeto RicoChoro ComVida. Foto: Rivanio Almeida Santos
A cantora Anna Cláudia durante canja em edição do projeto RicoChoro ComVida. Foto: Rivanio Almeida Santos

 

A paraense, há muito radicada no Maranhão, por seu lado, devolve o entusiasmo e antecipa um pouco do que será sua apresentação: “Participar desse projeto é uma honra. O repertório é todo formado por músicas de compositores maranhenses”, contou, antecipando nomes como Djalma Chaves, Gerude, Nosly, Ronald Pinheiro e Zeca Baleiro entre os autores que gravou em Bons ventos, segundo disco de sua carreira, cujo lançamento oficial arquiteta para breve.

O violonista Luiz Jr. já vinha há algum tempo substituindo Francisco Solano [violão sete cordas] em apresentações do Regional Tira-Teima no Hotel Brisamar [em cujo terraço o grupo toca às sextas-feiras] e em outros projetos do grupo. “Pra mim é uma honra, um prazer, integrar um grupo que conheço desde a época em que eu frequentava a roda de choro no Monte Castelo, Bateau Mouche [apelido do bar que abrigava o encontro]. Eu era criança, estava começando, mal tocava violão, na verdade eu não tocava nada, e já acompanhava esse grupo desde aquela época, com a presença de Zé Hemetério e grandes chorões de São Luís e do estado do Maranhão”, lembrou.

“Isso [sua presença efetiva no grupo] vai reforçar mais minha afirmação em relação ao [violão] sete cordas, meu estudo do sete cordas, diariamente ensaiando com Paulo [Trabulsi, cavaquinista do grupo]. Esse grupo é referência em relação ao choro, não só no estado, mas no Brasil, pelo trabalho de pesquisa em relação aos autores maranhenses, está com novos projetos, disco que está vindo, preparando uma turnê para tocar em outros estados, esse grupo vai chamar muita atenção país afora e espero que cresça muito mais”, adiantou.

Sobre a participação na edição extra de RicoChoro ComVida, garantiu: “esse show vai ser interessante, com a Luciana Simões, grande intérprete da música brasileira, já reconhecida em São Paulo e outros eixos. Pra gente vai ser muito interessante, contemplando o ambiente muito agradável da Praça Maria Aragão, aquela beleza de visual da ponte, da lua, de Gonçalves Dias, que é outra fonte de inspiração. Quem for vai gostar muito. A alegria e a felicidade são maiores ainda em saber que o projeto RicoChoro ComVida, tão necessário, está se expandindo”.

A cantora Luciana Simões. Foto: Renan Perobelli
A cantora Luciana Simões. Foto: Renan Perobelli

 

Luciana Simões, que também cantará nomes como Lupicínio Rodrigues (1914-1974), Humberto Teixeira (1915-1979), Lopes Bogéa (1926-2004) e Cesária Évora (1941-2011), ressalta a importância do projeto e a honra em participar desta edição: “fiquei muito feliz com o convite. Sinto-me honrada em fazer parte deste projeto único, de extrema importância para a cidade, tanto para o público apreciar essa música preciosa que é o chorinho, quanto para o músico tocar esse repertório e incentivar outros projetos que já existem, como é o caso do próprio Tira-Teima”, afirmou.

E reafirmou: “para mim é uma honra ser acompanhada por estes músicos, por quem tenho o máximo respeito. Ao ser convidada fui logo reouvir umas músicas de que gosto muito, nas grandes vozes da era de ouro do rádio”. Luciana anunciou ainda a participação especial do marido, Alê Muniz, durante sua apresentação: “ele canta uma ou duas comigo”, antecipou.

Para o produtor Ricarte Almeida Santos “a importância da presença do projeto RicoChoro ComVida, com essas atrações e encontros de artistas de linguagens diversas, na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, se dá pela compreensão de que a prática da arte, da música, é uma importante dimensão da produção de saberes e técnicas distintas e, portanto,  de trocas de informações, de influências e de culturas. Portanto espaço da produção de novos conhecimentos e de reinvenção das identidades”, declarou.

Serviço

O quê: edição especial de RicoChoro ComVida
Quem: Regionais Chorando Callado e Tira-Teima, Anna Cláudia e Luciana Simões
Quando: dia 20 de outubro (terça-feira), às 20h, na programação cultural da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia no Maranhão
Onde: Praça Maria Aragão (Centro)
Quanto: grátis

Música e poesia de Wilson Zara e Salgado Maranhão visitam Socorro

A Vila Socorro, a 15 km da sede do município de Governador Eugênio Barros/MA, será palco de um raro encontro: neste sábado (10), às 20h, o cantor Wilson Zara e o poeta Salgado Maranhão apresentam-se em uma Noite Cultural, que será realizada na Praça Raimundo Rocha, a praça principal do lugar, em apresentações gratuitas.

A iniciativa é organizada por um grupo de professores. Para um deles, Evando Barros, que ensina alunos do fundamental em Parnarama, o principal objetivo da atividade é “promover o envolvimento cultural, abrir a mente das pessoas”, declarou.

“A cultura musical está muito banalizada, basta ligar o rádio e perceber. De poesia, então, nem se fala. Escolhemos o Zara para mostrar que a música de qualidade ainda persiste, tem espaço. A presença de Salgado Maranhão, poeta nascido na região, também é uma grande honra para nós”, continou Evando.

O poeta Salgado Maranhão em foto de seu fb
O poeta Salgado Maranhão em foto de seu fb

Salgado Maranhão dialogará com os presentes sobre “a poética do retorno” e lerá poemas de sua lavra, com destaque para textos de seu título mais recente, Ópera de nãos [7Letras, 2015]. Wilson Zara mostrará um repertório que vai além de rótulos como “cantor de barzinho” ou “cover de Raul Seixas”. Seu amplo cardápio musical vai de Arrigo Barnabé a Zé Ramalho, passando por Beatles, Belchior, Bob Dylan, Cesar Teixeira, Fagner, Geraldo Azevedo, Milton Nascimento e Zeca Baleiro, entre outros, além de composições autorais.

O cantor Wilson Zara em foto de seu fb
O cantor Wilson Zara em foto de seu fb

Zara (voz e violão) estará acompanhado de sua banda, formada por Mauro Izzy (contrabaixo), Moisés Profeta (guitarra e efeitos) e Marjone (bateria).

Biografias – Salgado Maranhão (José Salgado Santos) nasceu em Caxias/MA, em 1953. Só aprendeu a ler aos 15 anos. Formado em Comunicação pela PUC/SP, tem vários livros publicados e parcerias gravadas por diversos nomes da MPB. Vive no Rio de Janeiro desde 1973. Lá, em 1978, publicou seu primeiro livro, Ebulição da escrivatura: treze poetas impossíveis. Até hoje publicou outros 11, tendo vencido o Jabuti em 1999 com Mural de ventos. Ano passado foi um dos homenageados da Feira do Livro de São Luís.

Natural de Barra do Corda/MA, Wilson Zara (Wilson Oliveira da Silva) abandonou o curso de Letras e o ofício de bancário para dedicar-se integralmente à música. Apresenta-se regularmente na noite ludovicense, onde vive desde o início dos anos 1990. Anualmente apresenta o espetáculo Tributo a Raul Seixas, em homenagem ao roqueiro baiano. Atualmente percorre o Maranhão com o músico Nosly, nas oficinas de teoria musical aplicada à música popular Trilhas e Tons II.

Sambira

Retrato: Zema Ribeiro
Retrato: Zema Ribeiro

 

Raimundo Nonato Lopes da Silva tem 63 anos e nasceu em Guarimã, povoado de São Benedito do Rio Preto/MA, onde mora até hoje.

Ganhou o apelido de Sambira numa pelada jogada na juventude, num campo de futebol ainda existente e em uso na comunidade. Então goleiro, fez uma defesa e caiu abraçado à bola. “Parece uma mambira!”, gritaram alguns, de sua equipe e da adversária, comparando-o a uma espécie de tamanduá – ou gambá.

“Eu sou é a mãe bira, a mãe de vocês!”, retrucou o alcunhado, cuja reação e zanga inicial bastaram para que o apelido fosse mudado e pegasse para sempre.

Sambira é filho de dona Sebastiana, 83, a moradora mais antiga da comunidade centenária, cujos mais de 400 hectares são agora requeridos por uma suposta proprietária em ação de reintegração de posse. Basta uma visita e um passeio rápidos pela área para perceber quem são os verdadeiros donos da terra, os homens e mulheres-árvores, há tanto tempo ali enraizados.

Mael, um sobrinho de Sambira, está se formando em História e tem pronta uma monografia, que defenderá por estes dias, em que remonta a ocupação da área, desde o século XIX.

Um misto de Charles Bukowski, Pepe Mujica, Gabriel Garcia Marquez e Urtigão, o bronco barbudo da Disney, não necessariamente nessa ordem, nos lembrou sua feição, aos colegas de trabalho e a este cronista improvisado – viajei com outra tarefa, já cumprida, mas desde que o vi, ouvi e fotografei, a vontade de escrever sobre o personagem ficou me martelando o juízo.

Sambira vive da venda de peixes que cria em quatro tanques. Apesar da iminente ameaça de despejo, não perde o bom humor. O ótimo humor, eu diria. Riu e nos fez rir bastante ao longo da tarde em que passamos no local, tratados qual paxás, a peixe frito e juçara farta.

Ao ver um dos colegas passar por trás de uma jumenta e fazer um gesto, talvez por medo dum coice, mandou, para gargalhada geral: “esse aí é acostumado a pegar jumenta. A bichinha quando olha para ele já pergunta: “por que é que tu não veio onte, oooonte, oooooooonte!””, a corruptela do pretérito tornando-se onomatopeia do zurrar da fêmea do equus asinus.

Entre diversas outras – vez por outra me pego rindo sozinho –, contou ainda a história de um advogado que soltou dois presos em Chapadinha. Os apelidos dos liberados, que garantem a graça da história, são impublicáveis aqui, mas o causo foi recontado várias vezes ao longo da viagem, ou entre nós, ou pelo próprio Sambira, inclusive a secretários de Estado.

Sambira é daqueles que devolve a palavras como “gaiatice” e “molecagem” a nobreza que merecem, aquela porção menino que nós adultos deveríamos guardar para sempre.

Muito além da fundação

FLÁVIO REIS*

Foto: Edgar Rocha
Retrato: Edgar Rocha

 

A professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix é a patrona e grande homenageada do ano na Feira do Livro de São Luís. Geralmente o lugar tem sido ocupado por nomes conhecidos da literatura e, por este lado, não deixa de ser surpreendente a escolha. Mas, por outro, trata-se de uma historiadora cujos trabalhos possuem forte identificação com a cidade, sua história e seus costumes.

Graduada em Direito e História, Lourdinha aliou durante mais de 20 anos as atividades de funcionária da Previdência Social e professora da UFMA em regime parcial, onde se destacou principalmente no ensino de História Contemporânea, com grande ênfase na revolução industrial e na revolução francesa, durante muito tempo seu maior interesse de estudo. No início da década passada, já aposentada, integrou o quadro de docentes da UEMA, encarando um concurso para as áreas de História Antiga e Medieval, num momento em que o curso de história ainda lutava com grandes dificuldades para se fixar. Lá ficou quase por dez anos, só saindo na compulsória.

A sala de aula foi seu espaço preferido, compromisso preparado com zelosa antecedência, onde consolidou o perfil de uma professora exigente, dinâmica e alegre, às vezes mesmo empolgante, sem nunca ter sido considerada propriamente intelectual brilhante. Com uma personalidade forte e muito prática, a consciência disto não lhe causou nenhum problema e ainda lhe seria de grande valia, quando resolveu escrever sem muitas preocupações acadêmicas.

A fundação francesa de São Luís e seus mitos. Capa. Reprodução
A fundação francesa de São Luís e seus mitos. Capa. Reprodução

Apesar da publicação da dissertação de mestrado no início dos anos 1980, um estudo sobre a educação na baixada maranhense no período imperial, seu trabalho significativo de escrita é recente, com cinco livros publicados nos últimos 15 anos, um deles com três edições bem diferentes, que funcionou na verdade como detonador dessas possibilidades, o conhecido e polêmico A Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos.

Impresso no final de 2000, mas lançado apenas em julho de 2001, a primeira edição deste estudo era um livrinho quase inacreditável, com menos de 80 páginas, uma escrita leve e, em certas passagens, até ligeira, mas estruturado em três passos fundamentais que vale frisar.

Primeiro, uma observação arguta: a fundação francesa de São Luís não consta nos relatos dos cronistas portugueses e historiadores regionais até o final do século XIX, mantendo-se uma distinção entre o forte e a cidade, acentuando a ascendência portuguesa. Segundo, uma pergunta incômoda: o que teria acontecido, então, com a memória histórica da cidade, com os franceses passando de “invasores” a inquestionáveis “fundadores”? Terceiro, uma hipótese provocativa: a entronização da fundação francesa seria fruto da ação de intelectuais a partir do final do século XIX e passou a constituir, junto com a imagem da Atenas Brasileira, a identidade da cidade no século XX.

O livro foi recebido com certa estupefação e até incredulidade, sendo tratado por quase todo mundo como um mero engano entre fundação e urbanização ou entre fundação e colonização ou, até mesmo, desconhecimento de evidências históricas óbvias. A reação foi principalmente do que poderíamos chamar de establishment cultural, no arco que vai das academias e institutos tradicionais, passando pela mídia impressa, com intervenção de figuras diversas, conhecidas e desconhecidas, desaguando na aparente indiferença com que foi recebido em círculos universitários.

Em contrapartida, trazia um prefácio ousado, escrito por Flávio Soares, um de seus melhores ex-alunos. A indagação dirigida à historiografia colocava as relações entre as nossas elites e o legado português no processo de constituição de sua identidade. Em uma palavra, a identificação buscada no final do período colonial e em parte do Império, transforma-se em um sentimento ativo de rejeição e, através de uma operação de sublimação já verificada na exaltação da Atenas Brasileira, volta-se para a idealização de suas origens, constituindo o mito fundador.

Ele se permitiu ainda raciocinar para além do que sugeria o texto, mostrando como aquele ângulo propiciava toda uma gama de observações sobre algumas características nucleares não apenas da nossa historiografia, como, principalmente, de “camadas nervosas, aparentemente invisíveis da memória e, mais que isto, talvez da psiché da cidade”.

A polêmica estava relançada e exigiria da professora atenção crescente durante quase toda a década. Logo em 2002, lançou a segunda edição, ampliada com outro ensaio, “A Criação do Mito”, trazendo um levantamento mais circunstanciado do problema, sobretudo com a localização de Ribeiro do Amaral e seu livro A Fundação do Maranhão, lançado no rol das comemorações de 1912. Ele seria o primeiro autor a entronizar o 8 de setembro como data da fundação da cidade, remetendo à missa de tomada de posse da região descrita no livro do capuchinho Claude d’Abbeville. Um enfoque que ficaria cristalizado no livro de Mário Meireles, A França Equinocial, de 1962.

A terceira edição, que ela considera a definitiva, sairia apenas em 2008. Além de novas revisões e ajustes, traz quatro artigos selecionados entre cerca de 10 saídos na imprensa durante o período e um tratamento do belo painel tríptico A Fundação de São Luís, obra de Floriano Teixeira, encomendada pelo governo do estado e entregue em 1972, reproduzida no livro integralmente e em detalhes. Antes, porém, publicou dois outros trabalhos.

Em 2004, o livro sobre a Campanha da Produção, iniciativa dos grandes comerciantes integrantes da Associação Comercial na década de 1950, com vistas aos gargalos que emperravam a produção agrícola e seu escoamento para a capital. Um capítulo final do predomínio do complexo da Praia Grande na economia regional, visto através da análise dos relatórios da diretoria.

Em 2006, lançou outro trabalho enfocando a questão da fundação, um ensaio sobre a figura de Jerônimo de Albuquerque, tornado Maranhão após a vitória de Guaxenduba. Novamente vemos a combinação entre um veio forte de concepção da história como encadeamento de fatos em relação causal, herança da influência de Mário Meireles em sua formação, e outro, da história como determinada forma de construção coletiva da memória e, portanto, em transformação vinculada a determinantes de época.

Assim, depois de demarcar as especificidades da guerra colonial, híbrido de técnicas de guerra europeia e guerra indígena, terreno onde o mestiço Albuquerque estava à vontade, e acompanhar os fatos narrados por Diogo de Campos Moreno, traz novas observações interessantes de teor mais nitidamente historiográfico.

São as considerações dos três últimos capítulos, versando sobre: os condicionantes do próprio relato do militar português; a forma como a batalha de Guaxenduba foi enfocada no decorrer dos séculos; por fim, a vinculação entre Jerônimo de Albuquerque e a fundação da cidade de São Luís na historiografia regional, reafirmando a existência de um arco que vai dos cronistas portugueses a historiadores maranhenses do século XIX e mesmo do início do século XX.

Durante todos esses anos não descuidou do debate, sempre se ocupando nos artigos de responder com novos estudos às críticas que lhe dirigiam. Aos poucos, uma agressividade fora do tom, somada à incompreensão e à repetição dos argumentos, foi determinando seu afastamento da polêmica, que, no entanto, continuaria viva.

Um exemplo recente e bem eloquente dos equívocos que sempre acompanharam este debate pode ser visto no livro de Ana Luiza Almeida Ferro, intitulado 1612: Os Papagaios Amarelos na Ilha do Maranhão e a Fundação de São Luís, publicado no final do ano passado, mais de 600 páginas, anunciado com estardalhaço e repleto de autoglorificações, ao estilo da Atenas Brasileira. Estamos exatamente diante de um resgate do tipo de história feito por Mário Meireles e outros próceres da AML.

Após uma longa revisão das disputas entre as coroas em torno das terras do Novo Mundo e das primeiras tentativas de colonização do território, chegamos ao capítulo 7, intitulado emblematicamente “A Fundação da França Equinocial e da Cidade de São Luís”. Utilizando as descrições conhecidas do padre capuchinho, vai configurando a tentativa de implantação da França Equinocial, apoiada também no importante livro de Patrícia Seed sobre as cerimônias de posse levadas a efeito pelos europeus no continente americano.

A autora segue as descrições e análises de seus significados, mas, a certa altura, entra o que não estava lá: “O dia 8 de setembro de 1612 marca a condução de uma cerimônia gaulesa de tomada de posse da Ilha do Maranhão, contudo serve igualmente de marco de fundação da cidade de São Luís” (p.380). Ora, serve para quem e por quê? Este passo de identificação foi dado por Ribeiro do Amaral e o grupo de intelectuais oriundo dos Novos Atenienses. Não é outra coisa o que a autora vai encontrar no levantamento a que procede. Vejamos.

Se excluirmos a utilização equivocada do Pe. José de Moraes, que descreve a cidadela do forte como “cidade pequena”, observação já feita por Rafael Moreira, maranhense radicado há anos em Portugal e especialista reconhecido no estudo de fortes, o que a autora lista de novo são historiadores franceses do século XIX e do início do século XX, posteriores a Ferdinand Denis, nome principal e localizado nos trabalhos de Lourdinha, que, inclusive, frisou suas afirmações contraditórias sobre o tema, aqui silenciadas.

São os historiadores Léon Guérin, para quem “a França lançou os fundamentos de dois dos mais importantes estabelecimentos dos europeus no Brasil… aquele de Saint-Louis de Maranhão e aquele da baía do Rio de Janeiro” e Charles de La Ronciére, que se referiu a “uma cidade toda de madeira, tal foi Saint-Louis, a capital da França Equinocial” (p.273). Entre os autores regionais, o primeiro a aparecer é justamente Ribeiro do Amaral, ao qual se segue uma lista que no decorrer do século XX, como é sabido, se tornou amplamente majoritária.

Do outro lado, ela tem os autores que falam da fundação portuguesa da cidade, um arco que começa em Berredo (não lista Bettendorff), passa por Gaioso (não lista Prazeres e sua Poranduba Maranhense), João Lisboa, Cesar Marques, Barbosa de Godois, estes dois últimos em obras de referência geral, o famoso Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão e um compêndio para alunos secundaristas, a História do Maranhão. Inclui ainda outros autores mais recentes indicados por Lourdinha, José Moreira e Correia Lima, que foram membros do IHGM.

O que temos claramente, portanto, são duas linhagens interpretativas, uma que remonta aos cronistas coloniais, sendo predominante até o final do século XIX, e outra que surge aí, na esteira da revalorização da presença francesa na colonização das Américas, e se formaliza em 1912. Mesmo incluindo equivocadamente o Pe. José de Moraes, no séc. XVIII, ainda assim é visível que a associação entre os dois tópicos do seu capítulo só ocorre depois, quando a cerimônia de 8 de setembro é incorporada à narrativa como marco de fundação da cidade, tornando-se fato naturalizado, a forma como é, de resto, tratado em sua análise.

Por que a autora não se apercebe do que está indicado nos próprios dados recolhidos?  A resposta pode estar no tipo de concepção, de fundo verdadeiramente mítico, que determina desde o início a forma da investigação e pode ser observado num trecho como este: “Mesmo que admitamos a inexistência de qualquer menção literal de Claude d’Abbeville e Yves d’Évreux à ideia de fundação de uma cidade, tal não significa que eles não tenham descrito, e com detalhes preciosos, a fundação de uma, no caso São Luís” (p. 602). Sim, aos olhos de quem lê e determina que a partir dali a cidade já estava fundada…

É o que leva igualmente um conhecedor dos livros de história do Maranhão e intelectual importante da AML, Jomar Moraes, a escrever sobre a fundação francesa de São Luís utilizando recorrentemente citações de Berredo, quando este afirma justo o contrário. Isto porque ele costuma citar trechos do capítulo ou livro II, quando o autor trata da tentativa de implantação da França Equinocial, seguindo o relato de Claude d’Abbeville sobre as cerimônias e as providências tomadas, e não do capítulo seguinte, justamente quando se reporta à fundação da cidade como fruto de uma decisão da corte em Madri. Em suma, a introjeção da identificação entre a missa de tomada de posse das terras e a fundação da cidade já está fixada e bloqueia qualquer indagação como absurda.

É por isto que a designação de mito, utilizada por Lourdinha de maneira puramente intuitiva, me pareceu sempre tão feliz. Segundo Roland Barthes, no Mitologias, os mitos modernos, como são estes criados na virada do século, constituem uma fala roubada e restituída, mas, “simplesmente, a fala que se restitui não é certamente a mesma que foi roubada. É esse breve roubo, esse momento fortuito de falsificação, que constitui o aspecto transido da fala mítica”. E mais: “O mito é simultaneamente imperfectível e indiscutível, o tempo e o saber nada lhe podem acrescentar ou subtrair”.

No caso, a fala relida e mitificada é a narrativa de Claude d’Abbeville, utilizada para constatar o que ela efetivamente não afirma. Nem verdade, nem mentira, o mito opera nas brumas, mas precisa fixar a cena. Ainda segundo Barthes, “é uma fala definida pela sua intenção muito mais do que pela sua literalidade; e que, no entanto, a intenção está de algum modo petrificada, purificada, eternizada”.

O tipo de comportamento reativo quando o livro apareceu foi efetivamente como se defendessem um mito. No afã de tornar natural ou evidente a fundação francesa, sequer admitia-se que esta noção tivesse uma historicidade. Tornou-se um fato naturalizado através do significado correlato atribuído à cerimônia de 8 de setembro. Neste aspecto, o trabalho de Ana Luiza Ferro apenas segue a crença, frise-se o termo, tornada comum: “Pouco importa se os portugueses agiram em conformidade com uma determinação expressa da Corte no sentido da fundação de uma cidade; eles não podiam fundar o que já fora fundado” (p. 602).

A autora tenta ainda inverter os termos da equação proposta por Lourdinha e fala, no capítulo 14, em um “mito da fundação portuguesa”, ao qual se contrapôs a verdade histórica da fundação francesa, a partir da revalorização das influências gaulesas no litoral brasileiro no processo da colonização e o conhecimento de textos que foram interditados, como o livro do padre Yves d’Évreux. Em linhas gerais, são ideias já defendidas em artigos pelo jornalista Antonio Carlos Lima, além de buscar algumas observações de Andréa Daher sobre as tentativas do português vencedor de impor a memória e “ocultar marcas”.

A questão é que os documentos e textos revelados não alteraram a descrição básica já existente sobre o arraial dos franceses, o forte e adjacências, constante seja no relato de Claude d’Abbeville, seja na correspondência oficial enviada ao reino ou firmada entre os capitães. A nova interpretação se baseia na conhecida História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas e surge não como contestação crítica, e sim constatação de algo que já estava lá desde sempre. A noção da fundação francesa se incrustou na historiografia maranhense como um mito. Foi isto que efetivamente o trabalho de Lourdinha mostrou.

Por outro lado, as observações sobre o forte como origem da cidade, tópico recorrente, são absolutamente pueris: “Incontáveis cidades mundiais, em distintas épocas de conquistas de território e guerras entre nações, nasceram de fortificações, a exemplo dos castelos. São Luís não foge a este padrão tão comum ao longo da história” (Idem, p. 264). Por aí não se vai longe.

Novamente as indicações feitas por Lourdinha em artigo intitulado “As Cidades no Brasil Colonial” (Caderno Alternativo, 18.05.2008), parecem mais frutíferas, mostrando, com base em estudo do urbanista Paulo Santos, que longe de serem simplesmente “espontâneas”, existiram cidades coloniais com planta prévia, fundadas por determinação expressa do Reino, entre as quais destaca Salvador, o Rio de Janeiro e São Luís.

As diretrizes para a fundação da primeira constavam do Regimento de Tomé de Souza e o mesmo se deu em São Luís, conforme o Regimento deixado por Alexandre de Moura a Jerônimo de Albuquerque. O plano de autoria do Engenheiro-Mor Francisco Frias de Mesquita seria o exemplo mais expressivo da adoção de traços de regularidade, talvez o primeiro realizado no Brasil, “mas sem a monótona repetição de quadrículos que se vê nas cidades de colonização hispânica”. Em seu núcleo regular rigorosamente projetado e preservado está a singularidade da cidade, muito mais que em sua mítica fundação francesa.

Enquanto seus críticos continuaram relendo as descrições de Claude d’Abbeville e tecendo loas à França Equinocial, Lourdinha apareceu com outra grande surpresa em 2012, ano em que seriam comemorados os “400 anos” da fundação. Longe de continuar batendo na mesma tecla, publicou um alentado livro sobre a cidade, a expansão da sua malha urbana, a transformação dos costumes, enfocando traços do cotidiano, as festas religiosas e laicas, as manifestações artísticas.

Aqui se distanciou ainda mais da escrita com traços formais e, sem qualquer quadro teórico, nos termos acadêmicos comuns, costurou uma mistura de pesquisa e ensaio memorialístico livre, vivo, cheio de cores, sabores e odores. O título, São Luís do Maranhão, Corpo e Alma, aparentemente pretensioso, traduz o que efetivamente vamos encontrar, uma narrativa forte e descentrada, desenhando vasto painel histórico da cidade, com fundo sentimental e ligeiramente nostálgico, mas sem a costumeira exaltação afetada.

É um encontro quase literal com São Luís em suas ruas e becos, igrejas e praças, dividido em quatro partes, referentes aos quatro séculos: a cidade traçada; o início da expansão; a era do casario; crescimento e degradação. Não é uma história administrativa, tão ao gosto de Mário Meireles, por exemplo, nem um guia sentimental ou turístico, mas é um painel histórico que traz muito da sua longa vivência na cidade e do trânsito entre famílias antigas, expresso no conhecimento de episódios e figuras variadas da sociedade.

Com uma edição ricamente ilustrada, mesclando fotografias antigas com outras recentes, muitas da lavra do fotógrafo Edgar Rocha, associadas a registros de pinturas, dispostas numa dimensão não muito usual em obras de história, foi, ironicamente, talvez a melhor saudação que a cidade recebeu naquele ano de comemorações. É livro escrito com sofreguidão, salto sem rede de proteção, que se lê de um fôlego. Quanto mais as memórias, suas e de outros, se entrelaçam com a pesquisa e são atravessadas pelas imagens, mais o texto ganha em intensidade. Trabalho significativo de reunião de informações de campos variados, mas também fruto da arte de quem tem o dom de prender a atenção em meio à narrativa mais simples.

Se hoje, passados 15 anos, é possível dizer que o pequeno livro sobre a fundação vai tornando-se clássico, pois reviu os termos do debate, concorde-se ou não com suas posições, este volume sobre a cidade parece simplesmente ter nascido clássico, e da maneira mais silenciosa possível, já disputado e guardado com o zelo do livro raro, apesar de lançado há apenas três anos.

História da Medicina em São Luís. Médicos, enfermidades e instituições. Capa. Reprodução
História da Medicina em São Luís. Médicos, enfermidades e instituições. Capa. Reprodução

 

Sua mais nova realização veio à luz recentemente, o livro História da Medicina em São Luís: médicos, enfermidades e instituições, em outra edição caprichada, lançado no Conselho Regional de Medicina, com relançamento previsto para o dia de abertura da Feira (2 de outubro). Um tema árido e para ela até então desconhecido foi tratado com leveza e novamente as artes da sua narrativa prendem o leitor.

Desta vez, a cidade aparece nas malhas das nossas enfermidades, suas formas e locais de tratamento e, principalmente, na constituição da comunidade médica, em levantamento rico e humanizado, que traz imagens vívidas de figuras emblemáticas, num escopo que vai do tradicional médico de família, percorrendo residências, atendendo nos consultórios ou, mais comumente, nas farmácias, à formação das primeiras especialidades, desenvolvendo-se com o predomínio dos hospitais e clínicas.

Sem dúvida, estes trabalhos escritos em fase avançada da vida por uma professora aposentada que influenciou gerações através da sala de aula, devem ser o motivo da homenagem, mas para todos que a conhecem, seus numerosos amigos, ex-alunos, antigos colegas de trabalho e admiradores, trata-se de algo maior e mais importante, a saudação a uma figura humana rara e sua vinculação à cidade onde sempre viveu.

*Flávio Reis é professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA. Publicou Cenas marginais (2005, ed. do autor), Grupos políticos e estrutura oligárquica no Maranhão (2007, ed. do autor) e Guerrilhas (2012, Pitomba/ Vias de Fato).

Agenda #9FeliS

Foto: Acervo Talita Guimarães
Foto: Acervo Talita Guimarães

 

Enquanto não sai oficialmente a programação completa da 9ª. Feira do Livro de São Luís, que volta à Praia Grande entre os próximos dias 2 a 11 de outubro, este blogue anuncia a participação de seu titular no evento. Medeio duas mesas:

5 (segunda), às 20h, “Uma historiadora ludovicense: a figura e a obra de Lourdinha Lacroix“, palestra do professoramigo Flávio Soares, no Auditório Lourdinha Lacroix (Casa do Maranhão) Mário Meirelles (Teatro João do Vale). Na #9FeliS, Maria de Lourdes Lauande Lacroix, professora, historiadora e patronesse desta edição da FeliS, lança História da Medicina em São Luís: Médicos, enfermidades e instituições, que tive o prazer e a honra de revisar; e

10 (sábado), às 17h, “Editoras alternativas: pedras no caminho do mercado“, debate-papo com Bruno Azevêdo (Pitomba!), Eduardo Lacerda (Patuá) e Bruno Brum, no Auditório Mário Meireles Espaço Café Literário Lourdinha Lacroix (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho).

Ilustra este post foto roubada da Talita Guimarães (ao centro, não lembro quem fez), após a mesa que, baita honra, dividi com Jotabê Medeiros na FeliS passada.

*

Veja a programação completa da #9FeliS.

Imagem é tudo. Tudo é imagem

Uma das "imagens descartáveis" que compõem a exposição
Uma das “imagens descartáveis” que compõem a exposição. Foto: Layo Bulhão

 

Já há algum tempo este blogue usa a categoria “fotosca” para se referir a retratos que faço – jamais usaria um trocadilho desses para me referir a imagens alheias –, em geral com o celular.

Às vezes as “fotoscas” são o único recurso de que posso me valer para ilustrar um texto meu sobre um show, por exemplo. Do ponto de vista estético, a grande maioria delas deveria ter sido apagada. Algumas nem deveriam ter sido clicadas.

É mais ou menos esta discussão, sobre o que merece a publicação ou o lixo como destino, o que provoca a exposição Imagens descartáveis (ou: Um diálogo com o erro), da fotógrafa, pesquisadora, videoasta e professora Carolina Libério e do artista e estudante de artes Layo Bulhão, em cartaz na Galeria de Artes do Sesc Deodoro (Praça Deodoro), das 9h às 17h, até 30 de outubro, com entrada franca.

A exposição conta com cerca de 800 imagens, a metade de cada autor. É um mergulho em “um universo de imagens que permanece sempre não-visto: aquele das imagens descartadas. Imagens imprestáveis, que sobram e inundam pastas, cartões de memória, cds, pen-drives e hds”, conforme o texto distribuído pela Assessoria de Comunicação do Sesc/MA.

O debate proposto é bastante pertinente, num mundo em que a imagem ganha cada vez mais força, contrariando a propaganda do refrigerante, dominado por selfies – o autorretrato que conta até com um “pau” próprio para isso – e plateias em que parte do público já não assiste a espetáculos com os próprios olhos, mas pelas lentes por onde registram a experiência.

Chorografia do Maranhão: José Luís Santos

[O Imparcial, 8 de fevereiro de 2015]

Clarinetista, saxofonista, professor de música e língua portuguesa e escritor, José Luís Santos é o 47º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVANIO ALMEIDA SANTOS

José Luís Carvalho dos Santos nasceu em Teresina, capital do vizinho Piauí, em 16 de abril de 1948. É saxofonista, clarinetista, professor de música e de língua portuguesa e escritor, autor de, entre outros, Cotidiano II [vencedor do Prêmio Literário Gonçalves Dias, da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão, em 2008], volume de contos e crônicas, e do romance Oceano. Está prestes a lançar Português: tirando dúvidas de quem tem, espécie de gramática prática.

Zé Luís é filho de Luís José dos Santos, “regente da banda de música da Polícia Militar do Piauí e professor de língua portuguesa da rede estadual”, que “chegou a ser diretor de uns dois ou três colégios por lá, é nome de rua, nome de praça”, e Adélia Carvalho Santos, que “cuidava dos afazeres domésticos, papai não admitia que mulher dele trabalhasse para ninguém, aquela mentalidade da época”.

Lembrando seu pai, falecido em 2010, aos 85 anos, ele comenta: “quando ele se reformou da Polícia Militar foi direto para a Escola Técnica fazer uma banda de música que até hoje existe por lá, ficou lá como regente, professor de língua portuguesa”.

O 47º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão é o mais velho de 13 irmãos, numa família em que todos desenvolveram aptidões musicais. Sua irmã, Beth Moreno, é considerada “a Marrom do Piauí”, em alusão à cantora maranhense Alcione, a “Marrom”. O mesmo gosto foi herdado pelos seis filhos de Zé Luís, entre os quais a cantora Virna Lisi, o pianista Carlinhos Carvalho e o violonista Luiz Jr. [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 4 de agosto de 2013].

José Luís venceu os seguintes festivais: Festival de Música Popular do Estado do Piauí, promovido pela TV Clube, em 1975, com a música Reconstrução; V Encontro Nacional do Compositor de Samba, Riotur, 1975, com Melhor pra quem sorrir no final; Festival do Sesi/MA, 2011, com Samba e chorinho na Madre Deus; Festival de Música dos Correios, 2011, obtendo o primeiro lugar nas eliminatórias de São Luís, Belém e Belo Horizonte com a música No peito e na raça.

Durante a entrevista, realizada no Bar do Léo em uma tarde de sábado, Zé Luís estava acompanhado de Maria das Dores Lima de Sousa, mais conhecida como Dora, funcionária dos Correios, com quem vive há 15 anos. O técnico agrícola, professor e médico Jonas Eloy da Luz, organizador de festas de forró pé de serra, acompanhou parte da entrevista, marcada por encontros: também apareceu por lá o mergulhador Daniel, neto do lendário Bigode, saudoso proprietário do bar a que emprestou o apelido, que ainda resiste, sob administração de João José, na Praça das Flores, no Renascença.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Quando você veio para o Maranhão? Cheguei aqui em 17 de dezembro de 1981, definitivamente para morar.

Você já tinha vindo antes? Tinha parentes? O que o trouxe em definitivo? Já, passava três, quatro, cinco dias de férias na minha juventude, mas estava bem afastado. Tinha alguns parentes. Eu era professor da então Escola Técnica Federal do Piauí e me transferiram para cá. Em uma viagem que eu fiz, um final de semana, gostei muito da cidade, “acho que venho morar aqui”, conversei com o diretor da Escola, passei um dia a mais, um dia útil, e ele disse: “se você quiser vir, já pode se considerar transferido”. E eu vim no intuito de ficar por uns três anos e estou até hoje [risos].

Na Escola você era professor de música? Não. Na Escola eu era professor de língua portuguesa. A música eu sempre pratiquei fora da Escola Técnica Federal. Lá em Teresina eu dava aula tanto na Escola Técnica Federal quanto nos colégios do Estado, mas sempre como professor de língua portuguesa.

Como era o ambiente musical de sua infância, em sua casa? Foi um ambiente muito musical. Meu pai além de tudo ainda tinha uma escola particular, ele mantinha em casa. Muitas pessoas estudavam lá, tanto música, quanto preparatório para exames de admissão, ele tinha uma escola registrada na Secretaria de Educação, a Escola Dom Pedro I, inclusive foi lá que eu dei minhas primeiras aulas.

Na Escola Técnica Federal do Maranhão você chegou a se aposentar como professor? Não, na Escola Técnica Federal, não. Ela mudou de nome, como todas, virou Cefet, Centro Federal de Educação Tecnológica, e depois Ifma, Instituto Federal de Educação Tecnológica. Eu me aposentei no último ano de Cefet, praticamente, em julho de 1998.

Em algum momento de sua vida você chegou a viver de música? Ou a música sempre foi um hobby, uma coisa paralela à questão da língua portuguesa? Sempre foi um hobby. Nunca vivi de música, assim, tocando na noite. Toquei na noite, criei um conjuntozinho com meus filhos, mas nós não vivemos daquilo, eu tinha meu salário, tanto federal como estadual, e depois quando eu vim para cá, São Luís me adotou, e eu era professor de quase todos os grandes cursinhos daqui, por exemplo o José Maria do Amaral, Meng, Anglo, colégios particulares como o Dom Bosco, uns se acabaram, o Dom Bosco ainda está aí. Eu era professor, ainda sou da rede estadual, através de concurso público. Não deu para viver de música, mas com minha escola eu devo reconhecer que ganhei um dinheirinho até bom, como professor de música da minha escola particular.

Você continua na ativa como professor de língua portuguesa? Sou professor de língua portuguesa da rede pública estadual. Ensino no bairro do Anjo da Guarda, no Vicente Maia.

Quem foram teus principais mestres? Quem te influenciou a ir para a música? De tanto passar, vendo meu pai dando aula de música, eu fui aprendendo naturalmente a ler, escrever e tal. Comecei a tocar clarinete bem cedo, e depois meu pai me tirou o clarinete, que não era mais para eu tocar, pois eu não estava indo bem no colégio.

Era o instrumento dele? Ele tocava que instrumento? Não. Ele era trompetista. Tocava trombone também muito bem, bombardino, mas o forte dele era o trompete.

Você aprendeu o clarinete autodidaticamente? Autodidaticamente, mas sempre acompanhado de uma partitura. eu aprendi a ler antes da prática do instrumento.

Pelo que você conta, seu pai tinha resistência em você seguir a carreira musical, mesmo ele sendo músico? Tinha uma certa resistência. Tanto que eu fui da Polícia Militar do Piauí, mas eu entrei lá através da Escola de Oficiais. Passei três anos e desisti, pois vi que não era minha vocação. Aí fui para o magistério.

Nessa tua passagem pela polícia, tinha alguma questão com música? Não, nenhuma questão. Era Academia Militar do Ceará. Eu era do Piauí, mas era custeado para estudar na Academia do Ceará, eu sairia de lá aspirante, mas nem cheguei a terminar o curso, desisti.

Você aprendeu clarinete autodidaticamente, seu grande mestre, ainda que involuntariamente foi seu pai. Quem era tua referência no clarinete? A figura que você via e achava que era uma influência positiva para você? Eu comecei cedo, mas meu pai me interrompeu os passos. Eu tinha uma admiração por um clarinetista chamado Abel Ferreira. Foi a pessoa que me fez voltar ao clarinete. No dia da morte dele, eu estava ouvindo rádio quando se deu a notícia de que ele havia falecido, o grande músico, compositor e maestro Abel Ferreira. A partir daquele momento eu disse para mim mesmo: vou me tornar um clarinetista. Ele foi minha referência. Eu fiquei tão comovido que prometi a mim mesmo me tornar um clarinetista. Peguei um clarinete da Escola Técnica Federal do Piauí e fui treinar diariamente. Terminava o expediente e eu ia treinar.

Que outros nomes foram referência para você? Para todos os clarinetistas: Paulo Moura e Severino Araújo.

Se ouviam muitos discos em sua casa? Papai era um romântico, ouvia muitos discos, não faltavam Waldick Soriano, as grandes orquestras, Ângela Maria fez parte de nosso acervo, Nubia Lafayette, Maysa, Dolores Duran, Cauby Peixoto, esse era o pessoal que circulava lá por casa, através de seus discos, suas gravações, suas músicas.

E rádio? Também se ouvia muito? Muito rádio! Aliás, na nossa rua a primeira casa a ter uma radiola [risos] foi a nossa, aquela do bracinho, com aquela agulha, a gente substituía quando gastava, foi a primeira casa a ter, antes da geladeira, por sinal [risos].

Quer dizer, a música era mais importante. Pois é. Meu pai como regente, ele acabou criando muitas bandas de colégios da rede pública estadual. Era um professor de música, muita gente que passou por ele e agradece isso, gente das forças armadas, aeronáutica, polícia, gente daqui mesmo, uma turma do Piauí que veio para cá. O pessoal de lá do Piauí costuma dividir a música em antes e depois de Luís Santos.

Ele é um personagem importante na história da música piauiense. Sim, na história da música piauiense. É nome de rua, nome de praça. Ainda está recebendo várias homenagens por lá. Faleceu em 2010, aos 85 anos. Compositor, muitas músicas gravadas.

Então você não teve escolha: herdou geneticamente tanto a coisa da música como da língua portuguesa. É. Foi uma condenação [risos]. Eu nasci condenado a ser músico. Pena que eu não consegui ser um músico formado. Já tentei três vezes. Sou da primeira turma de música da Universidade Federal do Piauí, da primeira turma da Universidade Federal do Maranhão, nunca terminei o curso, estou lá, passei naquele vestibular, embora sendo formado, fiz vestibular. Nem tranquei. Por que em seguida veio minha nomeação como professor do Estado, e chocavam os horários.

Você gosta de dar aulas? É o que eu fiz a vida inteira, vou fazer a vida inteira, sinto falta quando paro. Eu costumo dizer para meus alunos que meu maior prazer não era morrer em casa ou no hospital, mas dentro da sala de aula [risos]. Se um infarto me pegasse, que me pegasse dentro da sala de aula.

Além de músico e professor, você também é escritor. Sim. Eu sempre gostei de literatura. Quem colocou os primeiros livros, que posso chamar de literários nas minhas mãos, foi minha mãe, que era uma boa leitora. Ela colocou revistas, livros e tudo, aqueles personagens, As viagens de Gulliver [do escritor irlandês Johathan Swift], A volta ao mundo em 80 dias [do escritor francês Julio Verne], aquilo ficou, “um dia eu vou escrever um livro, um dia eu vou escrever um livro”. Hoje eu tenho vários livros publicados e tem um no prelo, para sair nos próximos dias.

Quantos livros? Uns seis ou sete. Esse agora é na área didática. Eu tanto faço na área didática, quanto na área artístico-literária. O título é Português: tirando dúvidas de quem tem. São mais de 300 dúvidas e, questões aleatórias, os colaboradores do livro são as pessoas que conversam comigo nas mesas de bar, ou elas acertam uma linguagem difícil, que pouca gente acerta, ou erram a linguagem que não deveriam errar. Tudo isso está no livro, claro que sem citar o nome de personagem nenhum.

Recentemente você ganhou um concurso literário. Sim, com Cotidiano II. Eu ganhei aqui e no Piauí, primeiro lá, depois aqui. É um volume de crônicas e contos. Tenho um romance publicado, Oceano, ambientando no Piauí. Tenho um inédito ambientado aqui, ainda não está terminado, chamado A hora fatal.

Se você fosse escolher um dos ofícios para dizer que se realiza mais em um ou outro, é possível escolher um? Dar aulas, a música ou a literatura? É meio difícil. O que está em terceiro plano mesmo é o ofício de escritor, requer uma dedicação maior, exclusiva, e eu ainda não posso me aposentar por que não preciso mais de dividendos, não: eu trabalho por que eu preciso trabalhar. Eu faço por prazer, mas também por obrigação.

Você acha que estes ofícios, em alguma medida, se ajudam, se atrapalham ou não têm nenhuma relação? Eles sempre se ajudam. Por que escrever não é uma coisa muito fácil, a pessoa tem que acreditar no que está escrevendo, até ter um estilo, um estilo próprio.

Em alguma medida você consegue separar o Zé Luís escritor, do Zé Luís professor do Zé Luís músico? Ou eles estão sempre misturados? Eu sou muito acusado de autobiográfico, de me meter nas obras que eu faço. Muita gente vê, por exemplo, o Marcos Alencar [personagem de Oceano], as pessoas veem o Zé Luís por trás dessa história. Eu procurei fugir de mim mesmo, são realmente figuras literárias de ficção, mas muita gente acha que eu me meto em minhas músicas e em minha literatura. Eu já paguei caro, já fui acusado de certas coisas que nem fiz, mas como eu escrevi, o pessoal “não, isso aí é ele mesmo” [risos].

Na sua escola de música seu filho Luiz Jr. acabou aprendendo como você aprendeu: de tanto ver e ouvir o pai ensinando. Que outros nomes de destaque passaram pelas suas mãos? Eu comecei a ensinar música aqui, foi onde eu comecei a levar a música a sério. Eu tocava violão, era um seresteiro, boêmio. Eu cheguei a ter alunos como Roberto Ricci [violonista], uma figura conhecidíssima aqui, o Marquinho Duailibe [cantor]. Muita gente passou pela Escola de Música Vinicius de Moraes, era em frente à Lusitana [supermercado] da [rua das] Cajazeiras, onde hoje é a Ponto Branco [loja de roupas]. Aquela casa parece que nasceu com uma vocação musical, hoje é da Selma Delago [cantora, compositora e empresária, proprietária da Ponto Branco].

Você falou em clarinete, violão e sabemos que você toca também saxofone. Você toca os quatro naipes de saxofone? E que outros instrumentos você toca? Eu toco sax alto, eu toco os outros, mas não vivo tocando, o tenor, tenor eu nem tenho em casa, tenho o soprano, gravei algumas músicas com o sax soprano.

Falando em gravar, em que discos podemos ler teu nome na ficha técnica? Tem um disco chamado Talentos da Educação, gravado em Fortaleza, eu estou lá. Tem também o V Encontro Nacional do Compositor de Samba, fui um dos vencedores. Inclusive ele tem aqui [informa que o Bar do Léo, onde acontece a entrevista, tem o disco em seu vasto acervo]. E vários outros discos.

E composições, você tem quantas? Mais de 200 músicas.

Quando você faz, faz letra e música? Por que imagino que, como entende de música, toca, é professor, e ao mesmo tempo é professor, dá aula de português, isso ajuda? Você faz letra e música? Tenho poucas parcerias, o resto tudo eu fiz letra e música. Meu percentual de música sem letra é muito pouco. A maioria tem letra. Tenho uma música conhecida no Nordeste inteiro, chamada Grito do professor, onde homenageio a classe e ela é o hino do Sindicato dos Professores do Ceará. Ela roda todo sábado em Fortaleza, num programa dos professores. No Piauí também. Não sei por que não roda aqui.

Além de instrumentista e compositor, você desenvolve outras habilidades na música? Os arranjos das músicas que eu faço são também meus. A não ser quando alguém quiser gravar, pode cuidar disso. Eu faço arranjo, fiz um curso básico de piano, dá para extrair partituras para outros instrumentos.

Você se considera mais saxofonista ou clarinetista? Eu sou mais clarinetista. Durante muito tempo o saxofone foi visto como consequência do clarinete. O pai do sax é o clarinete. Na Europa, um grande músico cujo nome não lembro agora, recomendou que quem quisesse aprender saxofone que começasse pelo clarinete. Coisa que já dizíamos aqui há tempos. Quem toca clarinete, quando pega o sax, é questão de semana para aprender a tocar. O clarinete é um instrumento dificílimo.

Qual a sua percepção sobre Luiz Jr., seu filho, um virtuose do violão, uma figura reconhecida? Como você percebe o papel dele na cena chorística, musical do estado? Quando Júnior tinha mais ou menos 11 para 12 anos de idade ele, na verdade, era um cantor mirim. Aquela música do Jessé [o cantor José Florentino dos Santos], [cantarola trecho de Solidão de amigos, de Eunice Barbosa e Mário Maranhão] “Lenha na fogueira”, ele disse que ia cantar na escola. “Eu queria que o senhor fosse me acompanhar”. Eu tinha três provas para corrigir, eu disse assim: “eu vou pegar o violão, vou te ensinar uns acordes e você mesmo se acompanha”. Ensinei três acordes, fui dar aula, quando eu voltei, ele estava realmente se acompanhando, eu acrescentei mais um acorde, pronto, foi a única aula que eu dei para ele. Ali eu percebi a aptidão dele para o violão, percebi que ele seria um grande violonista. Eu disse para ele que ele não podia deixar a escola, fiz como meu pai fez. Se ele não demonstrasse desenvolvimento dos dois lados eu teria que tomar o violão dele. Só que ele só queria saber de música, deu um trabalhão na escola, nunca terminava o ensino médio, professor já olhava com vontade de reprovar, ele tinha preguiça de fazer os trabalhos, mas o violão crescendo. Um dia eu cheguei para ele e perguntei: “mas o que é mesmo que você quer ser?”. E ele: “papai, eu só quero ser músico”. E eu disse: “olha, uma coisa é você ser músico, outra coisa é você viver de música. Antes você tem que pelo menos terminar esse ensino médio”. Mas foi o que me disse que queria mesmo ser músico, assumiu isso e eu disse para ele todas as dificuldades. Júnior é o meu orgulho! Eu me sinto satisfeito em ele representar tão bem o Maranhão onde ele vai. Por acaso eu ainda estava no Piauí quando ele nasceu, ele nasceu lá mas é maranhense. Você é sua cultura: Júnior é maranhense.

Você se considera um chorão? Sim. Aliás, eu sou chorão inclusive literalmente [risos]. Pra eu chorar é daqui pra li. Eu sou meio bruto também, hoje não, mas eu tenho o coração muito mole, qualquer coisa, acabou.

Partitura e sentimento

O Trítono Trio executará peças de Carlos Gomes e Julio Reis. Foto: divulgação

 

Mesmo que odeie A voz do Brasil, qualquer brasileiro certamente já ouviu sua vinheta de abertura, da ópera O Guarani, de Carlos Gomes [1836-1896], o mais destacado nome brasileiro do gênero. Por outro lado, o pianista Julio Reis [1863-1933] segue praticamente desconhecido.

Os dois compositores estão no programa do concerto que o Trítono Trio apresenta hoje (18), às 19h, de graça, no Teatro Alcione Nazareth (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho), na programação do projeto Sesc Partituras.

Carlos Gomes e Julio Reis já faziam parte das referências de Israel Dantas (violão), Robertinho Chinês (bandolim) e Rui Mário (sanfona). “Já conhecíamos esses compositores. Na verdade, tínhamos que escolher um repertório que combinasse com o trio e que tivesse uma formação parecida. Foi muito difícil encontrar uma música com a nossa formação, mas conseguimos encontrar uma forma para que o trio pudesse se encaixar, tocar de acordo com cada partitura que escolhemos. Vai haver uma dinâmica bem diferente, tipo violão e sanfona, bandolim solo e violão solo”, comentou o sanfoneiro ao blogue.

Em 2013 15 peças até então inéditas de Julio Reis foram registradas pelo pianista João Bittencourt no disco João Bittencourt apresenta Julio Reis, disponível para download gratuito no site que celebrou o sesquicentenário do compositor, com encarte fartamente “ilustrado” com a história de cada peça. Idyllio – Valsa, por exemplo, é dedicada ao escritor Coelho Neto [1864-1934], com quem era costumeiro frequentador de cafés como a Confeitaria Colombo. O maranhense “muito auxiliou Julio Reis em suas primeiras publicações de artigos em revistas do Rio de Janeiro”, como informa Roberto Bürgel, no encarte do disco, em texto sobre a citada faixa.

A atividade de crítico de Julio Reis talvez ajude a explicar, ao menos em parte, o esquecimento a que foi relegado. Era mordaz, e “em uma de suas crônicas, ao comentar a famosa sala de espera do Cinema Odeon [onde Nazareth tocava e à qual dedicou uma de suas mais conhecidas composições], Julio Reis elogiou a pequena orquestra do maestro Eduardo Andreozzi (1982-1979) e disse que sonhava com o dia em que os tangos e maxixes seriam banidos dos salões”, comenta Roberto Bürgel em texto sobre Cafageste [sic], que abre o disco. E continua: “no entanto, assim como Ernesto Nazareth [1863-1934] escrupulosamente evitava o termo “maxixe” em suas obras, mas cedia às suas tentações rítmicas, também Julio Reis acabou se rendendo ao tango brasileiro e compôs à la Nazareth”.

Rui Mário revela que o grupo ficou sabendo do Sesc Partituras através de amigos. “Fizemos uma pesquisa no site do Sesc, apresentamos uma proposta e nos colocamos à disposição. Depois de um tempo recebemos a notícia de que nossa proposta tinha passado e que iríamos participar. Ficamos muito felizes”, afirmou.

Sobre o repertório do concerto, com duração aproximada de uma hora, ele elogia a versatilidade dos compositores. “As músicas são bem interessantes, com um grau de complexidade altíssimo, uma linguagem com um amplo leque de possibilidades. As melodias nos trazem um pouco daquilo que os compositores estavam sentindo”, garante.

*

Confiram João Bittencourt em Passo miúdo [1913], Idyllio – Valsa [1895], Meu sonho [1900] e Cafageste [1918], todas de Julio Reis:

Segunda edição de Trilhas & Tons começa hoje (14)

[release]

Com carga horária de 20 horas, oficinas acontecerão em 12 cidades maranhenses. Informações sobre inscrições serão disponibilizadas via facebook

Os músicos Wilson Zara e Nosly em Pedreiras, durante primeira edição de Trilhas e Tons. Foto: divulgação
Os músicos Wilson Zara e Nosly em Pedreiras, durante primeira edição de Trilhas e Tons. Foto: divulgação

 

A partir de hoje (14), Dom Pedro, distante 319 km da capital São Luís, é a primeira a receber os músicos Nosly e Wilson Zara, com a segunda edição da oficina “Trilhas & Tons – teoria musical aplicada à música popular”. O projeto tem patrocínio da Companhia Energética do Maranhão (Cemar), através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. A primeira edição, realizada em 2013, contemplou 10 municípios.

Para Wilson Zara, coordenador do projeto, a ideia é “proporcionar uma espécie de nivelamento musical a quem já começou, de algum modo, a prática da música popular, em aulas práticas e teóricas”. Cada oficina tem carga horária de 20 horas-aula, divididas em cinco dias (sempre de segunda a sexta-feira). Os participantes receberão certificado.

“Na primeira edição, em 2013, superamos a expectativa de público: a previsão era de 300 inscritos, foram 321. Ainda assim a demanda era grande, muita gente perguntando quando levaríamos o projeto para suas cidades”, comentou Zara, sobre a ampliação do alcance das oficinas nesta nova edição. Mantida a média, a expectativa é pela capacitação e certificação de 360 pessoas nas 12 cidades por onde o projeto passará, em datas a serem ainda definidas: Açailândia, Balsas, Carolina, Codó, Coelho Neto, Humberto de Campos, Pinheiro, Santa Inês, São João dos Patos, Vargem Grande e Viana, além de Dom Pedro, por onde se inicia o itinerário.

Nosly e Zara contemplarão ainda cinco das 12 cidades por onde o projeto passar com um show musical. O critério para a escolha das cidades que receberão suas apresentações musicais será a menor oferta de atividades culturais. Entre os objetivos do projeto estão o enriquecimento artístico-cultural do público contemplado, o fomento e o despertar de novos interessados no envolvimento com a arte da música e, entre outros, a inclusão social por meio do uso do lúdico, particularmente a música.

“Esta será uma forma de ampliar nosso contato com as cidades. Um show aberto e gratuito, em local público, para além das 30 pessoas que se inscreverem na oficina daquele município, mostrando um pouco, na prática, o que será passado na teoria em cinco tardes de convívio artístico”, entusiasma-se Nosly.

Interessados em se inscrever nas oficinas deverão ficar atentos às informações disponibilizadas na fan page do projeto no facebook (Trilhas e Tons).

Divulgação

RicoChoro ComVida se consolida no calendário cultural de São Luís

Próxima edição do projeto acontecerá 3 de outubro, no Barulhinho Bom

O passeio de Célia Maria acompanhada pelo Trítono Trio, então um quinteto. Foto: Rivanio Almeida Santos
O passeio de Célia Maria acompanhada pelo Trítono Trio, então um quinteto. Foto: Rivanio Almeida Santos

 

O DJ Pedro Sobrinho registrou a emoção com o convite. Jornalista de formação, escreveu em seu blogue, dois dias após a segunda edição de RicoChoro ComVida (sábado, 5 de setembro): “um momento de realização pessoal e profissional”, declarou, agradecendo ao produtor Ricarte Almeida Santos a oportunidade de participar do projeto, num texto que acaba por se transformar em um manifesto contra os preconceitos que puristas têm por DJs.

Célia Maria e os integrantes do Trítono Trio também registraram deferências ao produtor, no palco do Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande), que abriga a temporada – mais cinco apresentações estão previstas até dezembro de 2015, a próxima tendo como atrações o grupo Urubu Malandro, a cantora Alexandra Nicolas (interpretando repertório consagrado por Carmen Miranda) e o DJ Joaquim Zion, mas isto é assunto para outro texto, específico sobre a noite de 3 de outubro próximo.

Rui Mário (sanfona) destacou a importância do projeto para a valorização da música e dos músicos do Maranhão, não só do choro. O Trítono Trio, completado por Robertinho Chinês (bandolim) e Israel Dantas (violão), na ocasião substituído por Luiz Jr. (violão sete cordas), recebeu os reforços de Ronald Nascimento (bateria) e Mauro Sérgio (contrabaixo). O resultado foi um repertório refinado em execuções idem. Nada de conformismo ou mesmice. Tico-tico no fubá (Zequinha de Abreu), por exemplo, ganhou ares de tango, sem perder a essência da música ligeira que exige habilidade e técnica apuradas de quem encara o desafio de tocá-la.

Célia Maria agradou o público ao mesclar em seu repertório, clássicos do cancioneiro nacional, músicas de seu disco de estreia e do próximo disco, ainda sem data de lançamento. Entre outras, A banca do distinto (Billy Blanco), um libelo contra o racismo, Ingredientes do samba (Antonio Vieira), Milhões de uns (Joãozinho Ribeiro), ambas de seu disco de estreia, Saiba, rapaz (Joãozinho Ribeiro), música que cantou no disco de estreia do compositor, Adeus, Billie (Cesar Teixeira), inédita que está em seu disco novo, que cita a diva jazz Holiday, e Balança pema (Jorge Benjor).

As canjas, inspiradas, contaram com as presenças de Paulo Trabulsi (cavaquinho), Luiz Cláudio (percussão) e Alberto Trabulsi (voz e violão). A exemplo da primeira edição, certamente as canjas dão ideia das edições futuras – nenhuma é igual a outra. Esta contou inclusive com a canja surpresa do mineiro Paulinho Pedra Azul, que havia feito show no Teatro Arthur Azevedo na quinta-feira anterior, celebrando os 30 anos de namoro com a capital aniversariante. Entre choros seus e de Godofredo Guedes, pai de Beto Guedes, além do clássico Jardim da fantasia, o artista não poupou elogios ao projeto e à militância chorona de seu idealizador, produtor e apresentador, além dos músicos que o acompanharam, de improviso, dizendo-se feliz em estar ali. A plateia foi ao delírio.

Com patrocínio da Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré, TVN e Galeteria Ilha Super, apoio do Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas e produção de RicoMar Produções Artísticas, RicoChoro ComVida já está consolidado no calendário cultural de São Luís: o projeto manteve um bom público, mesmo com a programação gratuita alusiva ao aniversário da capital que já acontecia na cidade.

Festival Avanca-São Luís acontece amanhã e depois no Teatro da Cidade

Produção local é de Francisco Colombo, que selecionou filmes do Festival de Avanca, Portugal, para exibição na capital maranhense. Mostra chegará também à Imperatriz, nos próximos dias 9 e 10 de setembro

Francisco Colombo (E) dirige Beto Ehongue durante a filmagem de seu novo curta-metragem. Foto: Evandro Filho
Francisco Colombo (E) dirige Beto Ehongue durante a filmagem de seu novo curta-metragem. Foto: Evandro Filho

 

A paixão por cinema é combustível vital para o cineasta e professor universitário Francisco Colombo. De férias em São Luís, após uma temporada de um ano em Aveiro, Portugal – para onde retorna no próximo dia 6 –, onde está cursando o Mestrado em Comunicação, ele aproveitou a vinda à cidade natal para visitar parentes e amigos, mas nem tudo foi descanso.

Em menos de um mês em São Luís, Colombo aproveitou para rodar seu novo curta-metragem, e realizará amanhã (2) e quinta-feira (3), no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy, Rua do Egito, Centro), a mostra de cinema Avanca-São Luís, com sessões gratuitas às 17h e 19h, em ambas as datas.

A seleção de filmes também poderá ser vista em Imperatriz – dias 9 e 10 de setembro, nos mesmos horários –, onde terá produção local do professor Marcos Fábio Belo Matos, do campus da UFMA naquela cidade. A mostra Avanca-Imperatriz, também com entrada gratuita, acontecerá no auditório da UFMA (Centro).

O novo filme de Colombo aborda, mais uma vez, a questão da violência, a exemplo de Reverso, curta-metragem que amealhou vários prêmios em diversos festivais. Ainda sem título, foi rodado domingo passado, com roteiro e direção de Colombo, fotografia e câmera de Paulo Malheiros, som direto de Marcos Belfort e atuações de Beto Ehongue, Gil Maranhão e Daniel San – todos estreantes.

A curadoria da mostra que o cineasta traz à São Luís (e Imperatriz) é do professor e cineasta Antonio Valente, diretor do Festival de Avanca. Em julho passado, Colombo foi jurado de algumas categorias no certame português e realizou por lá uma mostra de filmes maranhenses, exibidos em Ovar e Avanca, apresentando um pequeno panorama da produção local.

Entre os critérios para a seleção dos filmes que serão exibidos em São Luís Colombo destaca a qualidade e a dispensa de legendas. “Alguns destes filmes dificilmente entrarão em cartaz no Brasil, mesmo em salas fora do circuito comercial, mais voltadas ao chamado cinema de arte. Assim este festival se torna uma chance única de vê-los. Na Europa quase todo mundo é bilíngue, então escolhemos filmes ou em português – embora a língua falada aqui difira bastante da de lá – ou animações que dispensam texto. Há filmes muito bonitos e de procedência diversa, de países a que não estamos acostumados a ouvir falar enquanto polos produtores de cinema, como Jordânia, Chipre, Taiwan, Cazaquistão e até mesmo Portugal”, afirmou.

Um detalhe: Colombo não está recebendo dinheiro pela produção da mostra. “Não estou recebendo pagamento de ninguém. Apenas imaginei que seria uma boa trazer esses filmes pro Maranhão. Embora muita gente não acredite, ainda penso que podemos devolver um pouco à sociedade daquilo que ganhamos”, afirma, referindo-se ao fato de ter estudado em escolas e universidades públicas e à liberação, pelo Ministério Público Estadual, de onde é funcionário, para o Mestrado em Portugal.

Conheça a programação e as sinopses (mantidas expressões usadas em Portugal, conforme recebidas da produção):

2 de setembro (quarta-feira), 17h

Acabo de ter um sonho [Acabo de tener un sueño, ficção, 7’25’’, Espanha, direção: Javi Navarro]
Sinopse: Irene tem oito anos a acabou de acordar de um sonho horrível.

Deus providenciará [Ficção, 14’58’’, Portugal, direção: Luís Porto]
Maria vive sozinha no interior do país numa aldeia recôndita. É uma mulher de fortes convicções morais e religiosas. Sozinha e isolada não tem como justificar uma gravidez súbita e indesejada. À saída do hospital, onde lhe foi confirmada a gravidez, Maria não sabe o que fazer. “Como conciliar a exigência da religião com a sua vontade?” Mas um acidente pode ser a solução – basta que permaneça quieta! Ninguém a poderia culpar por um acidente, pois não? Maria está sozinha. Na igreja, Maria encontra o seu consolo e combate a solidão, mas o seu refúgio é agora o seu calvário. O que falará mais alto: o medo da ostracização e do julgamento popular, o amor a Deus ou… o temor a Deus?

Tons de cinzento [Оттенки серого, animação, 6’, Rússia, diretor: Alexandra Averyanova]
Início do século XX. São Petersburgo. Um rapaz e uma rapariga conhecem-se na estação de comboios de Tsarskoselsky, mas são separados momentos depois. À medida que vão crescendo, os dois caminham nas mesmas ruas de Petersburgo. No entanto, só 20 anos depois, a mística ligação que emergiu entre eles durante as suas infâncias, trouxe estes dois jovens de volta ao sítio em que se encontraram pela primeira vez.

Rapaz de olhos azuis [Cheshm Aabi, ficção, 18’06’’, Irã, diretor: Amir Masoud Soheili]
Um rapaz, com uma cor incomum de cegueira, causa vergonha aos seus pais ao matar, acidentalmente, algum gado da aldeia. Como consequência, seus pais procuram tratamento médico para o rapaz, mas quando os médicos não conseguem ajudar, eles levam-no a um xamã local para o tratar.

Foi o fio [Animação, 5’, Portugal, diretor: Patrícia Figueiredo]
Uma mulher novelo, uma velha mulher que passa os dias a olhar pela janela e uma vendedora de roupa caída dos estendais estão unidas por um fio. As três conduzem as acções de outras personagens e o inevitável destino de uma mulher com o marido às costas.

Ele e ela [He and She, experimental, 6’, Cazaquistão, diretor: Gaziza Malayeva]
Eles encontraram-se. Ele e ela. Ele olhou para ela, ela olhou para ele. Um, dois, três… Depois de três segundos, o seu coração irá pertencer a este estranho, e há muito decidi por mim mesmo dar o meu coração à primeira pessoa que chegasse, muitos se passaram desde então, como ela nunca, muito se passou desde então, como ela não era amada…

Caçador de borboletas [Bu die ren, animação, 18’, Taiwan, diretor: Min-Yu Chen]
É uma tradição de família, dos caçadores de borboletas, acabar as suas próprias imagens deste insecto. No entanto, à medida que o tempo passa, o meio-ambiente altera-se bastante e as florestas começam a desaparecer rapidamente, provocando consequentemente a extinção deste ser vivo. Como podem estes caçadores de borboletas realizarem os seus próprios trabalhos para cumprir a tradição?

2 de setembro (quarta-feira), 19h

Miragem [Ficção, 10’, Portugal, diretor: Joaquim Pavão]
Miragem, imagem ou imagens com insinuados desvios em relação às recordações que se viveu. Somos bisnetos, netos, filhos e mais tarde pais. Do que se guarda deixo aqui, frases soltas do que também se é.

O imortalizador [The immortalizer, ficção, 22’30’’, Chipre, diretor: Marios Piperides]
Em 1870 Otomano governou o Chipre, uma época de intensa disparidade religiosa e de classes. Um homem que chora o destino fatal da sua jovem filha, viaja durante a noite em busca da pessoa que ele acredita que será capaz de mantê-la viva.

Depois da guerra… antes da guerra… [После войны… до войны…, ficção, 45’, República Checa, diretores: Igor Korablev, Kristina Cevich e Galina Krsnoborova]
28 de dezembro de 2012, no Dia dos Santos Inocentes de Belém, Putin, o Presidente da Rússia, assinou a lei №272-FZ que efectivamente proibia famílias americanas e/ou estrangeiras a adoptar órfãos russos. A lei de “Herodes, o assassino de bebés”, como é denominada na Rússia, conduziu a um crescente valor de suicídios entre as crianças órfãs. A lei condenou um número incontável de órfãos a viverem em orfanatos, pelo país. A lei matou um bebé com deficiência que estava prestes a ser adoptado por cidadãos americanos. Mas esta história não é sobre política. Esta história é sobre alguns órfãos russos no Dia de Ano Novo no campo. Algumas mulheres bondosas encontram crianças que têm sido abandonadas pelos pais. Uma destas mulheres escreve cartas às crianças, fazendo de conta que vêm dos seus pais. É tudo o que ela consegue fazer para as ajudar.

3 de setembro (quinta-feira), 17h

Noturna [Ficção, 5’, Portugal, diretor: Pedro Farate]
No fim de contas, todos procuramos algo que receamos e que está no fundo do nosso ser, cabendo-nos a nós enfrentar os próprios medos.

O homem que não sabia muito [L’homme que en connaisait un rayon, ficção, 20’, França, diretora: Alice Vial]
O senhor Beranger trabalha na Paradesign, uma grande loja de móveis, onde os funcionários vivem dia e noite nos cenários. Beranger vive na sua casa de cartão e destaca a promoção do seu apoio para os pés. A sua vida parece perfeitamente estabelecida, até ele ser promovido para o misterioso 13º andar.

Ar [Aire, experimental, 4’, México, diretora: Romina Quiroz]
Giuliano e Paola dormem profundamente no quarto. De repente, uma suave brisa entra pela janela, desenhando delicadamente numa das paredes do quarto; a brisa torna-se gradualmente uma explosão violenta que perturba o sono de Giuliano, que persegue a sensação do vento até que ele ficar preso dentro.

Artista de rua [The street artist, animação, 7’, Jordânia, diretor: Mahmoud Hindawi]
A história de um velho artista que, apesar do seu incrível talento, está desiludido e precisa de inspiração.

Stavanger [Ficção, 38’, Alemanha, diretor: Arto Sebastian]
A história da agricultora Marta, que após a morte súbita de seu marido, é sugada numa mistura de tristezas, solidão e supressão. Incapaz de reconhecer sua perda, ela está em negação com a realidade e agarra o que resta de seu marido: seu amor.

3 de setembro (quinta-feira), 19h

Pecado Fatal [Ficção, 90’, Portugal, diretor: Luís Diogo]
Lila, uma rapariga de 20 anos, regressa a Paços de Ferreira, para tentar descobrir quem são os seus pais e porque é que estes a abandonaram no contentor do lixo no dia em que nasceu. Aluga um quarto a Nuno, um jovem divorciado. Em pouco tempo apaixonam-se. Mas ela está longe de imaginar que, na noite em que se conheceram, Nuno cometeu um Pecado Fatal que pode comprometer para sempre a sua bela história de amor.

Segunda edição de RicoChoro ComVida gera grandes expectativas

[release]

Célia Maria, considerada a “voz de ouro” do Maranhão, será acompanhada pelo Trítono Trio. Noite terá ainda discotecagem de Pedro Sobrinho

Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Rui Mário (sanfona) e Israel Dantas (violão), o Trítono Trio. Foto: divulgação
Robertinho Chinês (cavaquinho e bandolim), Rui Mário (sanfona) e Israel Dantas (violão), o Trítono Trio. Foto: divulgação

 

É grande a expectativa para a segunda edição de RicoChoro ComVida. Com edições mensais até o fim do ano no Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande) e produção de Ricarte Almeida Santos, o projeto pretende repetir o sucesso da edição inaugural, quando o restaurante ficou completamente lotado.

Desta vez os convidados são o Trítono Trio, a cantora Célia Maria e o DJ Pedro Sobrinho. O primeiro é formado pelos virtuoses Israel Dantas (violão), Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho) e Rui Mário (sanfona). A eles somam-se o talento de Mauro Sérgio (contrabaixo) e Ronald Nascimento (bateria). Sim, o trio vira um quinteto nesta ocasião.

“Na verdade, eles são nossos convidados. Junto deles podemos explorar mais sonoridades para nossa música, pelo fato de compartilharem de ideias iguais às nossas”, explica Robertinho Chinês. “Somos três solistas, precisaríamos de outros instrumentos que dessem uma cor diferente para nosso trabalho. Assim decidimos que teríamos a opção de eventualmente esse trio se tornar um quinteto, dando até uma dinâmica nas nossas apresentações. Então os convidamos, dois grandes e maravilhosos músicos”, completa Rui Mário.

O repertório promete: composições próprias e releituras de clássicos do choro e da música brasileira. Dominguinhos, Hermeto Pascoal, Ivan Lins, João do Vale, Zequinha de Abreu, Egberto Gismonti, Tom Jobim e Sivuca estão no cardápio do grupo.

O "dejota" Pedro Sobrinho. Foto: divulgação
O “dejota” Pedro Sobrinho. Foto: Fafá Lago

Discotecagem – Antes, o DJ Pedro Sobrinho aquece o público. Antenado, “plugado”, como se chama o programa de rádio que apresenta, ele é um dos mais requisitados “dejotas” – como ele mesmo brinca de aportuguesar a sigla de disc jockey – da ilha. Na ocasião, em sua seleção sempre calcada em pesquisa, samba rock dos anos 1960 e 70, remixes de bossa nova, samba e choro, sem fugir da essência do RicoChoro ComVida.

“Pela grandeza, é um evento de que tenho o maior prazer de participar. Agradeço o convite do seu idealizador Ricarte Almeida Santos. Espero que a plateia ouça e se divirta com esse repertório, criado especialmente para aquecer esse projeto mensal que valoriza o músico maranhense e o choro, esse patrimônio genuinamente brasileiro”, declarou Pedro Sobrinho.

Voz de ouro – Formada na escola dos programas de auditório de rádios do Maranhão, Célia Maria ganhou o nome artístico justamente ao se apresentar em um pela primeira vez: com medo de ser reconhecida, Cecília Bruce dos Reis usou o nome artístico que a acompanha até hoje. Chegou a cantar nas rádios Nacional e Mayrink Veiga, nos programas de César de Alencar e Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

A diva Célia Maria. Foto: Ton Bezerra
A diva Célia Maria. Foto: Ton Bezerra

No mítico Zicartola conheceu e cantou ao lado de figuras como Zé Kéti, João do Vale, Paulinho da Viola e Jackson do Pandeiro, entre outros. Conhecida como “a voz de ouro” do Maranhão, Célia Maria tem um disco gravado, o homônimo Célia Maria (2001). Naquele ano, deu ao compositor Joãozinho Ribeiro o prêmio Universidade FM de melhor composição, pelo choro Milhões de uns, com arranjo de Ubiratan Sousa.

Atualmente prepara seu segundo disco, inteiramente dedicado a sambistas da Madre Deus. O trabalho tem produção e direção musical do violonista Luiz Jr. Participou das coletâneas Memória – Música do Maranhão (1997) e Antoniologia Vieira (2001), este último lembrado entre os 12 discos mais importantes da música do Maranhão, em enquete do jornal Vias de Fato junto a produtores, radialistas, jornalistas, djs, escritores e pesquisadores. Em Milhões de uns – vol. 1, estreia fonográfica de Joãozinho Ribeiro, interpreta o choro Saiba, rapaz.

Os músicos do Trítono Trio derretem-se em elogios à diva. “Já tive a honra de acompanhá-la algumas vezes e gravar no seu cd que está em fase de elaboração. Dona Célia é uma grande dama da música, é sempre uma satisfação e um aprendizado acompanhá-la”, revelou Robertinho Chinês. “Ficamos muito felizes em saber que iríamos acompanhar essa grande cantora, grande intérprete, de uma sensibilidade rítmica e melódica incrível. A responsabilidade é imensa, mas também, vai ser um encontro maravilhoso, onde vamos fazer de tudo para que o show seja um grande espetáculo”, prometeu Rui Mário.

RicoChoro ComVida tem patrocínio da Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré e TVN, apoio do Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas e produção de RicoMar Produções Artísticas.

Serviço

O quê: RicoChoro ComVida
Quem: Trítono Trio, Célia Maria e DJ Pedro Sobrinho
Quando: 5 de setembro (sábado), às 18h
Quanto: R$ 20,00 (metade para estudantes com carteira e demais casos previstos em lei). R$ 120,00 (mesa para quatro lugares. Venda antecipada pelo telefone (98) 988265617)
Onde: Barulhinho Bom (Rua da Palma, 217, Praia Grande)
Patrocínio: Fundação Municipal de Cultura (Func), Gabinete do Deputado Bira do Pindaré e TVN
Apoio: Restaurante Barulhinho Bom, Calado e Corrêa Advogados Associados, Sonora Studio, Clube do Choro do Maranhão, Gráfica Dunas, Sociedade Artística e Cultural Beto Bittencourt e Musika S.A. Produções Artísticas
Produção: RicoMar Produções Artísticas
Maiores informações: (98) 988265617, 981920111 e/ou 991668162

Tarde de violência na Sete de Setembro

 

Quando estacionei o carro, já havia uma aglomeração na esquina. A caminho de uma loja de eletrônicos, encontrei um homem sangrando. Corpulento, cerca de 1,80m. Era o agressor, saberia mais tarde. O agredido eu veria depois, na calçada de uma loja: um coreano franzino. Não havia sido o único a apanhar. O motivo? O cliente que o agrediu queria nota fiscal na compra de uma caneta, me contou um camelô.

O clima era de tensão, como se os que estão ali todos os dias aguardassem a volta do homem, com reforços. “Todo dia a polícia passa aqui nesse horário. Hoje não aparece ninguém”, lamentou um camelô. Um rapaz de bermuda branca e sem camisa, passava para lá e para cá, um pedaço de pau transformado em porrete na mão. Outro, trajando um abadá, tentava dissuadi-lo de suas intenções.

Comentários xenofóbicos já eram ouvidos aqui e ali. “A gente pra entrar na terra desse povo é uma frescura; agora eles chegam aqui e ainda querem botar banca”, disse uma senhora.

De repente a correria e brasileiros e coreanos trocavam todo tipo de agressões: socos, chutes, pontapés. Um policial à paisana deu três tiros pra cima, tentando conter a turba enfurecida. “Esse policial veio só gastar bala”, um flanelinha fez pouco caso.

Filmei poucos segundos da ocorrência, interrompido pela memória entupida do celular, além do medo de bala perdida, de porrete, da ira de algum dos envolvidos na confusão.

Lamentamos os linchados e linchadores nossos de cada dia, mas querer resolver toda questão no braço é inaceitável. Está errado o comerciante estrangeiro que não fornece nota fiscal, ainda que pela venda de uma caneta? Sim, está. Mas há mecanismos legais para resolver a questão. Voltar à lei de Talião, da qual nunca saímos, é que não pode.

Obituário: Pai Euclides

Foto: Márcio Vasconcelos
Foto: Márcio Vasconcelos

 

“Ninguém imagina que alguém que dança como ele dançava pode um dia morrer de infarto”, lamentou minha esposa, a meu lado no carro, após ler a notícia num grupo de whatsapp. Depois do susto e antes do comentário, murmurou, triste: “Pai Euclides morreu”.

Euclides Menezes Ferreira ou Euclides Talabyan era o líder religioso da Casa Fanti-Ashanti, localizada no Cruzeiro do Anil, bairro da periferia da capital maranhense. Tinha 78 anos e estava internado no Hospital Carlos Macieira desde a última sexta-feira (14), após sofrer um infarto agudo do miocárdio. Faleceu ontem (17) à tarde.

Fundada em 1958, a Casa Fanti-Ashanti, ligada à nação jeje-nagô, está sediada no Cruzeiro do Anil desde 1964. Além de ser um dos mais importantes terreiros de culto afro do Brasil, é mais que um templo das religiões de matriz africanas: constitui-se em verdadeiro patrimônio cultural brasileiro, um celeiro de manifestações da cultura popular do Maranhão.

As vidas de Pai Euclides e da Casa Fanti-Ashanti confundiam-se, tendo partes registradas em obras como o livro-documentário Pedra da memória, da musicista e pesquisadora Renata Amaral, e a exposição Zeladores de voduns, do fotógrafo Márcio Vasconcellos. Ainda na década de 1990 o antropólogo Hermano Vianna visitou a casa, mostrando sua riqueza cultural para todo o país, através do projeto Música do Brasil, exibido pelo canal MTV.

Incorporando o caboclo Corre-Beirada, Pai Euclides era o principal autor das toadas do Bumba Meu Boi de Encantado Garotos do Cruzeiro, manifestação sediada na Fanti-Ashanti. Por lá também é possível ver e ouvir, nas diversas festas realizadas na casa ao longo do ano, o Tambor de Mina, Tambor de Crioula, Candomblé, Pajelança, Samba Angola, Mocambo, Canjerê, Festa do Divino, Baião de Princesas e o Tambor de Taboca. As duas últimas tiveram cds gravados pelo projeto Turista Aprendiz, desenvolvido pelo grupo musical A Barca. O Bumba Meu Boi Garotos do Cruzeiro teve disco lançado em 2009, fruto do Prêmio Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura, da Funarte, produzido e dirigido por Renata Amaral.

“Adeus, dona da casa/ São João já deu as ordens/ temos que nos despedir/ dê-me um aperto de mão/ também quero agradecer/ com gosto por nos servir”, versa a toada Despedida (Euclides Menezes Ferreira), no citado disco.

Em dezembro passado, por iniciativa do então vereador Nelsinho Brito (PT), Pai Euclides foi agraciado com a medalha Simão Estácio da Silveira, maior honraria concedida pela Câmara Municipal de São Luís.

A partida de Pai Euclides é uma perda irreparável para a religiosidade e a cultura maranhenses. Certamente continua vivo entre nós, no legado e na memória.