Chorografia do Maranhão: Wendell Cosme

[O Imparcial, 24 de novembro de 2013]

O cavaquinhista e bandolinista Wendell Cosme é o 20º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

São Cosme e São Damião têm duas datas no calendário religioso. Uma para a Igreja Católica, outra para a gurizada, que faz as festas pelas ruas, à cata dos bombons de promessa. Nascido em 27 de setembro de 1988, Wendell Cosme Vieira Pires levou o nome do primeiro no batismo. Evangélico, enverga no braço direito uma enorme tatuagem onde se lê “Jesus Cristo”.

Filho de Sonia Regina Correia Vieira e Everaldo da Paixão Pires Filho, mecânico falecido, o cavaquinhista e bandolinista ingressou recentemente no curso de Música da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Iniciou os estudos musicais aos 14 anos, quando aprendeu a tocar cavaquinho, após descobrir sua paixão por blocos tradicionais e a cultura popular do Maranhão, época em que ingressou na Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (EMEM).

Casado e esperando o primeiro filho, o músico integra os grupos Argumento e Quarteto Cazumbá e já passou por vários outros, incluindo o Chorando Callado, que o revelou nas noites do saudoso Clube do Choro Recebe, no Bar e Restaurante Chico Canhoto.

Wendell Cosme recebeu a chororreportagem no estúdio de Júlio, no segundo piso de uma residência na Camboa. Na ocasião, tirou uma foto e postou no Instagram, relatando a felicidade em ser um dos entrevistados da série Chorografia do Maranhão. Também no celular mostrou em primeira mão a gravação do Argumento para Flanelinha de Avião, de Cesar Teixeira, com participação do sambista carioca Moyséis Marques. O entrevistado de hoje assina o arranjo.

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

Com que idade você começou a tocar? Acho que com 14 anos.

Isso fora já? Não. Eu comecei tarde mesmo. Poderia ter começado mais cedo.

O ambiente na tua casa favorecia o aprendizado da música? O que te estimulou? Todo domingo na casa da minha vó tinha confraternização, aquelas coisas de família e de vez em quando tinha um samba. Eu olhava, mas ainda não tinha muito interesse. Mais na frente teve um bloco, chamado Pierrô, lá no Cohatrac, quando eu estava morando já no Cohatrac Araçagy, por ali, mas também ainda não tocava, acompanhei. Já vim começar a tocar, eu comecei tocando retinta. Foi de onde eu comecei.

Nesse samba do quintal de tua vó tinha algum parente que tocava? Meu tio. Tio Erinaldo. Ele é irmão de meu pai. Ali eu já acompanhava, ele já saia pra tocar. Mas eu ainda era muito criança.

Como é que você foi parar na Escola de Música? Começou tocando antes de ir para a Escola, como é que foi? Nesse tempo eu fui morar na Cohab, já depois de ter conhecido o bloco tradicional, já tinha me chamado a atenção. O bloco Os Vampiros ensaiava na frente da minha casa. Eu comecei a gostar, todo mundo já participava, eu pedi pra meu pai uma retinta. Ele mandou fazer uma pra mim e eu comecei a tocar. Lá n’Os Vampiros tinha Chico Newman, um cavaquinhista que virava bicho tocando ali, tocava muito, muito mesmo. Eu ficava olhando e aquilo me chamou muito a atenção, “rapaz, esse cara toca muito, isso é bonito”. Aí um amigo meu, Eduardo, eu falei pra ele, “rapaz, eu quero começar a tocar cavaquinho, eu quero aprender”. Ele sempre ia lá, não tocava, ia levar o cavaquinho pra Chico Newman. Ele tinha um cavaquinho, me emprestou. Uma situação engraçada. Eu peguei o cavaquinho, fiquei fazendo zoada, mas não tocava. A primeira vez em que eu fui pegar aula de cavaquinho, o dono do cavaquinho apareceu, eu fiquei sem cavaquinho. Aí deu aquela travada. Fiquei sem instrumento, não tinha como continuar. Pouca grana, praticamente zero, minha mãe não trabalhava, meu pai era mecânico, aquela renda era mais pra ajudar em casa mesmo. Aí eu dei um tempo e tinha ganhado um celular de minha tia, comprou na loja, eu, “celular pra quê?”, naquela época ainda estava começando, eu vendi pra meu pai. Aí eu fui ao Centro com uma prima minha, que andava sempre comigo, a Natália, aí eu digo, “rapaz, eu vou comprar um som pra mim” – gostávamos muito de música, ficar escutando em casa –, “ou um cavaquinho?”. Comprei o cavaquinho e foi o início de tudo.

Você lembra que ano era isso? 2001, por aí. 2000.

O lance de cavaquinho veio do bloco. Podemos dizer que tua entrada na música tem um pé na cultura popular? Isso se mantém hoje? Isso. Se mantém! Eu sou louco por bloco tradicional.

Você já tocou em diversas outras manifestações. Toquei muito tempo no Boi Pirilampo, viajei muito com o Pirilampo, até pra fora do Brasil. Toquei essa temporada com o Nina [o Bumba Meu Boi de Nina Rodrigues]. Toquei com o [bumba meu boi] Brilho da Terra, um boi da Madre Deus que agora eu não lembro o nome. Já estava começando a gravar algumas coisas de bumba boi.

Qual a importância da ponte entre a cultura popular do Maranhão e a música instrumental que se produz aqui? Pra mim é superimportante. A cultura popular, a gente tem o bumba boi, o bloco tradicional, principalmente, que eu gosto demais, a tribo de índio, o divino [espírito santo]. Falando sobre isso eu já digo que fomos participar de um festival em Recife, Tremplin Recife Jazz, a gente chegou lá pra tocar, eu vou te falar a importância. A gente sempre achou superimportante montar um trabalho com os ritmos do Maranhão, é o sotaque daqui, uma coisa diferente, ninguém faz, chegamos para tocar lá, tinha um pessoal da França, uma orquestra de jazz da França, começamos a tocar tribo de índio, tam tam tam tam [imita com a boca o andamento percussivo], uns temas meus, rapaz, esses caras ficaram “o quê que é isso?”. Antes teve um grupo de choro da Paraíba, que tocava choro puxando pro forró, já é normal, o cara já está acostumado a ouvir choro com andamento de baião. Quando a gente tocou a tribo de índio, um jurado se levantou da banca e foi lá pra frente do palco para ver o que estava acontecendo, “que ritmo é esse?”. A gente tem que valorizar, tentar encaixar o máximo na música instrumental, no choro principalmente, a gente tem que explorar um pouco mais, acho que tem sido pouco explorado esse lado.

Nesse festival, no Recife, quando você fala a gente, era o Quarteto Cazumbá? Como é que está o quarteto hoje? Era o quarteto. Deu uma parada, todo mundo correndo pra um lado e pra outro. Mas temos uns convites, de Recife mesmo, do grupo Saracotia, um projeto de rodar o Nordeste, e a gente vai abrir pra eles, quando eles passarem por aqui, já no começo do ano que vem. Eles fazem muita coisa lá.

Quem foram teus mestres no cavaco? É importante eu falar do Eduardo, o Dudu. Foi ele quem me emprestou o cavaco, que nem era dele, na hora o dono apareceu. Ele foi um cara que me ajudou muito no início. Eu não digo que ele foi meu professor, ele falava “o dó é assim, o mi é assim”. O Chico Newman foi uma grande inspiração pra mim, não chegou a ser meu professor, não me deu aulas, mas me inspirava vê-lo tocar. Quando eu estava começando a engatinhar no choro, eu vi Juca [do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de abril de 2014] tocando na televisão, no Canal 20, no programa de César Roberto [radialista]. Tanto é que quando eu fui fazer a prova [de seleção] da Escola de Música, eu falei, parecia o ídolo mesmo, assim na frente, “rapaz, eu te vi tocando”.

Você foi aluno dele na Escola? Fui aluno do Juca. Ele foi meu principal professor na Escola de Música. É uma pessoa que eu sempre tirava dúvida de choro com ele, e fui correndo atrás.

Você falou que considera ter entrado um pouco tarde no ramo. Mas em compensação, parece que você pegou tudo muito rápido, se lembrarmos dos tempos do início, do Chorando Callado no Clube do Choro Recebe, pra hoje… Eu agradeço, claro que a Deus em primeiro lugar, 80% ao choro. Foi o que me fez dar esse salto, em relação até a outros músicos. Quando eu comecei a tocar choro, eu lembro que a gente ia ensaiar, com João [Eudes, violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de fevereiro de 2014], Tiago [Souza, clarinetista], o início do Chorando Callado, eu tocava uns três, quatro choros, aí Wanderson [percussionista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de outubro de 2013] chegou logo dando pressão: “não, tem que pegar choro”, e isso foi uma coisa que empurrou. Não tinha negócio de partitura, eu ainda não sabia ler. Eu tava engatinhando nisso, botava o cd em casa, ficava escutando, e começava a tirar as coisas.

Quando a gente se conheceu no Clube do Choro Recebe você tocava um cavaquinho cheio de fitinhas coloridas. Você se lembra das primeiras vezes em que tocou lá, com os nossos grandes mestres? Lembro sim. Aquilo foi um grande incentivo.

Depois do cavaquinho você se tornou também um grande bandolinista. Como é que o bandolim surge, em que momento passa a fazer parte dessa história? O bandolim surgiu depois de eu ter conhecido o Hamilton de Holanda, olhando ele tocando algumas coisas na televisão veio essa vontade de aprender. E pelo fato de não ter bandolinistas aqui. Tem o Raimundo Luiz [bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 15 de setembro de 2013], poucos, poucos. Aí aparece um amigo meu, Dinho, querendo vender um bandolim velho e eu comprei da mão dele. Comprei e fui aprendendo só. Já sabia afinação, com a teoria musical que eu já tinha, eu peguei afinação e comecei a pegar os choros, a tirar alguma coisa de ouvido. De bandolim eu nunca tive aula com ninguém. Olhava algumas coisas na internet, olhava os grandes, Hamilton de Holanda, Jacob [do Bandolim].

Pra você, quem é a maior referência? Hamilton. Pra mim é o maior bandolinista de todos os tempos e não vai surgir um igual a ele tão cedo.

Maior do que Jacob? Eu sei que é uma pergunta escrota. É [risos], é escrota mesmo. Mas o Hamilton ele vê a música de outra forma, ele sabia que podia explorar muito mais o bandolim, abriu um leque.

Vocês já estiveram juntos? Eu assisti um workshop dele em Teresina, fui ao Rio assistir um show dele, fui ao camarim, conversei com ele, tenho um dvd autografado, “manda ver no 10 cordas aí”.

Você falou há pouco de pouca grana no começo e hoje é um cara que vive de música. Hoje eu posso dizer que vivo de música, tenho orgulho de dizer isso. No início foi barra, ia tocar pra ganhar cinco reais, pagava a passagem de ônibus, ficava com R$ 2,50, era o lanche ou pra jogar videogame. Vinha andando da rodoviária pra Cohab, ia tocar numa festa que não dava ninguém, a gente ia andando. Ralei, ralei, ralei mesmo.

Como era a reação dos familiares? No sentido de te mandar procurar fazer outra coisa. Minha mãe sempre me apoiou, meu pai também. Às vezes tinha uma tia que falava “mas não é melhor tu estudar?”. Aí eu botei uma coisa na cabeça, quando começou a dar certo, quando começou a caminhar, “rapaz, é isso que eu quero”. Aí eu comecei a focar, a correr atrás.

Mas você não chegou a ter outra formação. Não.

Você está na faculdade? Estou na UFMA. Faço música agora, graças a Deus! No início foi assim, mas graças a Deus eu tive o apoio da família.

É possível viver com dignidade, viver bem, com conforto, de música? Aqui em São Luís é difícil. Eu posso dizer que o grupo em que eu toco, o Argumento, me dá uma estrutura muito boa. É o maior grupo de samba daqui, uma referência. Todo mundo do grupo está vivendo dignamente.

Vocês só tocam no Maranhão? A gente vai muito em Teresina. A gente é muito tranquilo com relação a sair daqui, a gente vive o momento.

Como é a receptividade do público em Teresina? É legal. No início a gente foi várias vezes, a gente fez muitos shows legais lá.

Na tua cabeça tem algum conflito entre choro, samba e pagode? Ou você toca tudo com o mesmo gosto? Como é que você lida com isso? O choro a gente tem que estar sempre tocando, é muita nota, principalmente pra quem é solista. O samba, como eu faço só base, sou centrista, raramente faço solo. Se desse para conciliar os dois… Quando a gente vai tocar em festas, aniversários, a gente bota o choro, o pessoal é muito cabeça aberta. Esse lance de tocar em bloco, em boi, a gente se acostuma com várias vertentes.

Além do Argumento e do Chorando Callado, quais os outros grupos de que você já participou? Toquei muito tempo no Sob Medida, um grupo de samba, antes do Argumento. Antes do Sob Medida toquei no Palmares, grupo lá de Seu Riba, do Fundo de Quintal, já toquei com o Amigos do Samba, de Zé Costa, toquei no Fascinação, meu primeiro grupo de samba e pagode. Eu toquei com muita gente, fixo são esses, mas toquei com a Turma do Boneco, Samba Show.

E discos de que você participou? Muita coisa também. Deixa eu tentar lembrar algumas coisas importantes [pensativo]. Já gravei com Isaac Barros, Lena Machado, Madrilenus, estou produzindo o disco deles, Argumento, fiz arranjos, gravei o disco do Betto Pereira, com Camilo Mariano de batera, o Bóris fazendo arranjo, ele é uma grande referência no Rio, de samba e pagode, o Israel Dantas de violão. Participei de um projeto, acho que era do Sesc, também com Israel.

O que significou o Chorando Callado para você? Foi um divisor de águas. Foi onde tudo começou mesmo. Eu posso até arriscar a dizer, por todo mundo do grupo, a gente foi um grupo importante para a volta do choro aqui em São Luís. A gente começou a tocar e começou a surgir. Já tinha Pixinguinha e Tira-Teima, depois surgiram Um a Zero e outros, tocávamos direto. Foi na época em que o choro aqui deu uma levantada, tocávamos em aniversário, em bares.

Você considera que o grupo acabou? Eu acho que não, por que nós somos irmãos. João é padrinho de meu filho. Wanderson a gente está sempre se falando, é meu amigão. Tiago, a gente se fala pela internet, quando ele vem aqui a gente sai junto. Eu acho que o Chorando Callado não acabou.

Rola algum conflito entre a coisa religiosa e a música popular, ambiente de festas, bebida? Rola um pouco. Como eu nunca bebi, nunca fumei, isso foi uma coisa que sempre foi tranquilo, minha família, na igreja as pessoas respeitam minha profissão, sabem que eu vivo de música, ainda é meio complicado viver de música na igreja.

Você toca na igreja também? Ainda não. É um projeto. Eu acho muito sério. Eu não acho legal estar tocando na noite e estar tocando na igreja. Eu vejo dessa forma. Não tenho nada contra quem faz isso, mas acho meio complicado.

Cavaquinho e bandolim, os dois têm a mesma importância no teu fazer musical? Você tem preferência por algum? Não, não tenho preferência. Cavaquinho me acompanha mais, pelo fato de estar tocando samba todo o tempo, mas o bandolim também é importante, me abriu muitas portas.

Dessa geração mais nova, você e Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013] são destaques, tanto no bandolim, quanto no cavaquinho. Vocês, com a pouca idade que têm, não deixam a dever aos grandes mestres, Raimundo Luiz, Juca, Paulo Trabulsi [cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013] e companhia. Como é tua relação com Robertinho? Eu e Robertinho somos grandes amigos, estamos o tempo todo nos falamos. Ele tem uma grande admiração por mim e eu por ele. A gente se dá super bem, estamos sempre conversando, trocando material, a gente sempre se ajuda. Hoje ele está com meu cavaquinho, mandou fazer outro, pegou o meu emprestado. Ele me empresta coisas.

Você gosta de produzir? Gosto. Arranjar e produzir eu gosto, eu me sinto bem. Quando eu faço um arranjo, que tu pega e vai escutar, eu acho legal. Quero me qualificar para fazer mais isso.

Pra você o que é o choro? Qual a importância dessa música para a música brasileira? É superimportante. É o carro chefe da música brasileira, até por ter vindo antes do samba. O choro ajuda os músicos a pensarem um pouco mais, a querer fazer coisas mais difíceis, elaborar mais. O choro é um dos grandes gêneros da música brasileira.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil hoje, os novos nomes? Tem muita gente fazendo coisas. Tem o Messias Brito, da Bahia, grande cavaquinhista, tem o Márcio Marinho em Brasília. Tem muita gente fazendo som, os meninos do Saracotia em Recife fazendo um som bem legal. Tem muita gente se movimentando. Eu acho que aqui é que a gente está mais parado, mas acho que a música tem acontecido. O Hamilton de Holanda disse outro dia numa entrevista, que achava que o instrumental no Brasil está super bem.

Você se considera um chorão? Eu gosto de valorizar a essência do choro. Eu acho que não me considero um chorão por que eu não sou super tradicional, eu gosto do moderno. Se eu fosse falar que me considero um chorão… eu acho que não. Eu me considero um músico que toca choro.

Quais os grandes nomes do choro na tua opinião? O que tu ouve e te chama a atenção? Eu gosto muito de Hamilton de Holanda, como eu já falei, pra mim é um gênio. Gosto muito do Danilo Brito [bandolinista], Luiz Barcelos [cavaquinhista], lá do Rio de Janeiro. Gosto muito de [os cavaquinhistas] Messias Britto, Márcio Marinho.

E o choro no Maranhão, como você tem observado desde quando começou a participar das rodas até hoje? O choro aqui, naquela época em que a gente começou, estava bem forte, a gente empurrou, empurrou e começou a acontecer. Com grandes músicos, que a gente tem aqui em São Luís. Hoje em dia eu não sei o que aconteceu que o choro aqui caiu, em termos de visibilidade. Eu sempre gostei, acho superimportante acontecer mais, acho que incentivou muitos músicos como eu, Tiago, João, a crescer e a se tornar referência, não só no choro.

Não sei se você concorda, mas hoje parece haver mais gente tocando choro, mas o choro tem menor visibilidade. Como você acha que podemos resolver a equação, no sentido de uma retomada do movimento choro no Maranhão de uma forma mais organizada? Tem muita gente tocando choro, na UFMA. É isso mesmo. A gente não tem onde assistir. Eu acho que isso depende muito da gente mesmo. Hoje em dia os bares querem cada vez mais essa música que está acontecendo na noite aí. Mas se a gente, nós, chorões, nos organizássemos, ver um local para começar a se encontrar de novo, acho que a gente conseguiria fazer voltar a acontecer isso. Depende muito da organização dos próprios músicos. Eu lembro que a gente tocava na Cohab, em um bar, eu nem sabia que saía isso em jornal. A gente parou de tocar lá e o anúncio continuou no jornal com meu telefone e de vez em quando me ligavam: “onde é que vai ter chorinho?”

Chorografia do Maranhão: Gordo Elinaldo

[O Imparcial, 27 de outubro de 2013]

Nascido, criado e formado no choro entre os bairros da Madre Deus e Monte Castelo, Gordo Elinaldo é o 18º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão

Foto: Rivanio Almeida Santos
Foto: Rivanio Almeida Santos

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

A entrevista com Gordo Elinaldo já havia sido marcada ao menos duas vezes. Em uma foi reagendada por incompatibilidade entre as agendas do músico e dos chororrepórteres; na segunda, teve que ser suspensa por conta do clima de pânico instaurado na cidade – o que incluiu uma “greve” relâmpago do sistema de transporte público, após uma sangrenta rebelião na Penitenciária de Pedrinhas.

Trabalhador da música, Elinaldo de Oliveira Silva mora na rua 1º. de Maio, no Monte Castelo, subindo a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, mesmo endereço em que mantém seu estúdio, onde recebeu a chororreportagem. “Isto aqui não vai tomar muito tempo”, advertiu o músico a um técnico que chegou por lá durante a conversa. Longe de traduzir qualquer desdém, a fala do músico dá ideia de sua imersão workaholic quando o assunto é música.

Nascido em 28 de agosto de 1966 em São José de Ribamar, Gordo Elinaldo é multi-instrumentista – além do violão sete cordas pelo qual é mais conhecido, toca violão, cavaquinho, banjo e percussão, entre outros –, arranjador, compositor, diretor e produtor.

Filho de Eliezer Adauto Costa Pereira da Silva, ex-vereador de São Luís por várias legislaturas, e de Maria das Dores de Oliveira Silva, Gordo Elinaldo presenteou os chororrepórteres com uma audição em primeira mão de seu disco de estreia, que pretende lançar ainda em 2013, com a ideia de levá-lo a escolas públicas, difundindo a música instrumental produzida no Maranhão. Ele assina as 10 faixas, incluindo Tributo a Zé Hemetério, faixa já gravada em Na palma da mão, disco do grupo Serrinha & Cia, com a participação especial do Regional Tira-Teima. O homenageado foi seu primeiro professor e é um dos nomes lembrados na entrevista que ele concedeu à Chorografia do Maranhão.

Foto: Rivanio Almeida Santos

Você tem essas lembranças de mais ou menos com que idade [referindo-se ao avô, Joaquim Pessoa de Oliveira, músico de quem Gordo Elinaldo começou a falar antes do início da entrevista e a quem dedica Doce lembrança, valsa gravada em seu disco de estreia, a ser lançado ainda em 2013 Update exclusivo do blogue: o disco não saiu]? Coisa de sete, oito anos de idade. 10 anos. Era o único músico que eu via pegar em instrumento ainda criança. Eu sabia que ali tinha uma alma, uma vida, um sentimento, ele já velhinho, quase sem forças. Eu compreendi o que ele queria fazer com aquele violão, aquela rabeca.

Foi a partir de ver teu avô que você sentiu vontade de se dedicar à música? Foi. Eu tenho um irmão que aprendeu primeiro do que eu, César, e ele é solista. Ele ouvia o disco, tirava, mas não tinha quem ensinasse. Até que uma vez passou o mestre Zé Hemetério aqui na porta. Aí eu disse: “César, esse é o Zé Hemetério, fala com ele, vê se ele ensina a gente alguma coisa”. E ele: “Zé Hemetério toca violino, será que ele conhece esse negócio de chorinho?”. E ele já vinha festejando, era final de semana, já vinha tomando umas brahmas [risos]. Chegamos lá, Zé Hemetério conhecia tudo, sabia tudo, e começou a passar os choros de Waldir Azevedo, de Jacob [do Bandolim], os choros que ele tocava pra César, quando ele disse: “e tu, meu filho? Vai ficar só olhando teu irmão aprender?” Eu disse: “não, minha parte eu já sei, é só a dele que tá faltando”, eu metido [risos]. Conversa fiada! Faltava coisa pra danar. E ele disse: “então me mostra aí”. César tocava, aprendendo, eu ia atrás do jeito que eu tinha ouvido no disco, do meu jeito, e ele disse: “olha, tá quase bom. Não tá bom, mas vai ficar”. Aí a gente começou a frequentar as aulas de Zé Hemetério, às tardes, quando ele podia. Ele botava discos, a gente sentava ali na sala. Depois eu passei a levar a sério o estudo, passei por métodos de música, segui em frente estudando música, sete cordas. Logo depois eu passei a ir pra festas com ele, aniversários, casamentos, ele era muito solicitado na época, as famílias, no Calhau, o grande bairro da época.

Foi teu primeiro professor? Foi o primeiro. Depois eu saí, pra fazer conservatório em Brasília, Recife, andei estudando muito ainda, mas o começo foi lá com ele, toda a base, a história do choro. Depois eu tive que seguir outros caminhos, a gente faz da música nosso meio de sobrevivência.

Além de teu avô e teu irmão, quem mais na tua família… Não, não tinha mais ninguém. Eu tinha um pai que cantava muito bem. Não deixa de ser música. Era um seresteiro, gostava daquelas histórias ao luar.

Então se ouvia muita música na tua casa. Muita. Eu acordava ouvindo música. Eu achava o maior barato. Aquelas músicas bonitas, Nelson Gonçalves. Hoje eu fico puto quando acordo com forró, fico indignado.

A tua moradia era aqui? Era. Depois, primeiro casamento mais em frente, na mesma rua, segundo casamento Madre Deus, terceiro de volta ao quadrado [Gordo Elinaldo mora na mesma casa que pertenceu a seu pai].

Teve incentivo da família para seguir esse caminho musical? Muito pouco. Eu tinha que fazer uma faculdade de artes, por que eu gostava de desenhar, tinha muito talento. Aquele quadro não fui eu quem pintou, foi meu irmão César, mas a gente era bem parecido na arte [levanta e vai buscar um quadro com temas musicais em cores vibrantes, lembrando um pouco o estilo de Romero Brito]. Esse aqui foi um dos quadros que ele pintou, me deu de presente. Não deu para seguir. Aí foi quando abri o olho, a música entrou muito forte, foi derrubando tudo. E a música requer muito estudo, um tempo exclusivo para você aprender, saber o que é.

Como você se definiu pelo [violão] sete cordas? Foi rápido. Assim que eu comecei a estudar com [] Hemetério, quando eu pegava o violão [de seis cordas] eu já sentia falta de alguma coisa. O cara fazia no disco, eu tentava e não conseguia, “ah, não, tá faltando alguma coisa”. Aí pintou o primeiro sete cordas na Mesbla [extinta loja de departamentos], um Di Giorgio, ô, maravilha! Quando eu peguei aquele violão, que o disco fazia, eu fazia, ô, satisfação! Aí o cara que acompanhava Waldir Azevedo, bêi, ele caía na sétima, eu junto com ele, bêi [imita o som da bordoada com a boca], de ouvido. A gente passou a se reunir, tinha uma reunião muito boa de músicos ali na Raimundo Correia [rua no Monte Castelo], 30 músicos, 40 músicos, todos os domingos, só chorões.

Ainda há pouco você falou em uma faculdade de artes. É, eu ia. Mas não deu. A música veio muito forte, era quase uma cegueira.

Você sempre viveu de música? Nunca teve outra profissão? Não. Olha, meu pai era vereador, eu passei muito tempo, vereador tinha 10 assessorias, eu tinha uma dessas. Vivia também de música, gostava da música, depois ela virou profissão. Eu levei a sério, papai, mamãe começaram a esculhambar, meu irmão, sério, engenheiro, “não tem futuro, vai largar teus estudos”, e eu “quem não tem futuro é tu como engenheiro” [risos]. “Rapaz, será? Pensa bem”.

Hoje você vive de música? Hoje eu vivo de música, não tem dúvida. Vivo muito bem, satisfeito. Hoje eu sou um profissional realizado. Talvez não financeiramente, mas profissionalmente. Já rodei o mundo todo com minha música, já rodei os quatro cantos do mundo, tocando banjo, cavaquinho, violão. Só com o Barrica eu já fiz 18 viagens internacionais, China, Japão, Coreia, a Europa inteira. O que me dá prazer é isso aqui, isso aqui é meu orgasmo [bota novamente faixas de seu disco para tocar]. A minha obra tocada do jeito que eu quero. Arranjos que eu faço pra gravar, pra Barrica, pra Bicho Terra, eu faço pro gosto deles. Aqui não, eu faço pra mim. Como eu pensei, como eu gostaria de ouvir.

Esse é teu primeiro disco solo? Autoral, é. Acho inclusive que é o primeiro do Maranhão. Autoral de um só compositor, né?

Como ele vai se chamar? A princípio, o projeto era chamar A arte de Gordo Elinaldo. Pela diversidade dos instrumentos que eu domino, principalmente do choro. Se eu me colocar pra tocar um pandeiro de choro, eu toco, surdo eu toco, cavaquinho, sete cordas, violão seis cordas. No começo, a primeira ideia, era eu fazer um disco sozinho, eu tocando tudo, Gordo e Gordo. Mas depois eu consegui um apoio da lei de incentivo [Lei Estadual de Incentivo à Cultura], que o disco pegou uma dimensão, cresceu, vieram novas ideias. Digo, pô, por que eu não boto a nata do choro pra tocar comigo, minhas músicas?

Quem está contigo nele? Quem vai estar, por que ainda falta muita gente pra gravar. Quatro cavaquinhos: Paulo Trabulsi [cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 22 de dezembro de 2013], Juca [do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 13 de abril de 2014], Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013] e Biné [Gomes, vulgo do Cavaco]. Aí vem, de sopro, de palheta, o sax, Zequinha [Gomes, vulgo Zequinha do Sax, irmão de Biné], os flautistas, vem Serra [de Almeida, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] e o Zezé [Alves, flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013]. Bandolim: Adelino [Valente], Wendell [Cosme, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 24 de novembro de 2013] e o outro, César Jansen. É um time pesado, um time bom.

Uma grande representatividade. Antes do Tira-Teima você integrou algum outro grupo? Eu tinha um grupo com meu irmão, mas não era um grupo de choro. Era um grupo de forró, foi quando eu conheci Paulo Trabulsi em Nina Rodrigues. Nós tocávamos forró. Forrozinho, baiãozinho, pé de serra. Era um violão, um cavaquinho e um pandeiro. Antes de começar a festa, pro pessoal dançar, a gente fazia o chorinho.

Como chamava esse grupo? GMax. A gente tocava aqui e viajava muito, Itapecuru, Nina Rodrigues, Vargem Grande. Era um regional, não era uma banda. Éramos eu, meu irmão, César, outro irmão no atabaque, Belmonte, Marciano da Madre Deus, que tocava bongô e pandeiro, e Renê, que fazia um ganzazinho.

Isso era que ano? Coisa de 1982, 81.

E o Tira-Teima, quando aparece? O Tira-Teima, na primeira versão, de Ubiratan [Sousa, violonista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], eu já ouvia falar. Depois, o Tira-Teima me aparece pela primeira vez depois daquelas rodas na Raimundo Correia. Quando eu cheguei lá, tanto Paulo, como Juca, como Biné, os três tinham seu repertório de choro. O repertório de Hemetério era tão grande, que com ele eu acabei me preparando para os três simultaneamente. O repertório dos três estava debaixo de meus dedos. Não demorou muito eu recebi um convite. Serra tocava no Quatro Rodas [extinto hotel], com [o violonista] Luiz Sampaio e Juca. Paulo me parece que não tocava profissionalmente na noite. Zeca [do Cavaco, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 21 de julho de 2013] já veio de outra turma, da Vila Passos, mais do samba, Solano [Francisco Solano, violão sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], já é do Mascote [o violonista e pandeirista Antonio Sales Sodré], é outra linha. Foi legal. Paulo é o nome que ainda resta daquele time fantástico, [o compositor] Antonio Vieira, Ubiratan Sousa, [o compositor] Cesar Teixeira, Adelino Valente, uma turma pesada.

Fora Tira-Teima, Barrica, Bicho Terra e GMax, algum outro grupo de que você fez parte? Eu fiz, eu fiz um grupo de samba aqui, chamado Zeca Diabo e seus Diabinhos. Era eu, Zeca do Cavaco. Era pagode pra todo lado, mas a gente não queria tocar pagode, a gente queria tocar samba, embora eu ache que samba é pagode e pagode é samba, tudo é dois por quatro. Mas tem gente que “não, isso é samba de raiz”. Nós fizemos um grupo pra tocar esse tipo de samba, que chamavam samba de raiz. Aí não sei quem deu a ideia, “bota Zeca Diabo e seus Diabinhos”, olha os diabinhos: [os percussionistas] Josemar, Caju, Sabujá, só fera. Não deu certo. Como não deu certo, eu fiquei com a banda. Tava no auge o negócio do pagode aqui, [o cantor] Serrinha saiu do [grupo] Magia, e eu não queria ficar com aquele projeto parado. Aí eu chamei Serrinha pra compor comigo o [grupo] Serrinha & Cia.

Qual era a formação do Serrinha & Cia.? Era eu, Serrinha, Josemar, Caju e Sabujá. Quando nós gravamos aquele disco [Na palma da mão], que [o cantor] Jorge Aragão veio participar, ele vinha muito no Maranhão, ele levou a gente pro hotel, eu dei uma força, de carro, leva Jorge aqui, leva acolá, eu era cunhado de [o produtor cultural Antonio Carlos] Tote, foi através dele que chegamos a Jorge Aragão. Ele não tinha essa fama toda, veio a ideia de pedir uma música pra ele, estávamos fazendo o primeiro disco. Ele disse: “rapaz, eu tenho uma, eu fiz pra Beth Carvalho” [cantarola trechos de Uns e Alguns, faixa cujo refrão “na palma da mão” dá nome ao disco]. O movimento do samba em São Luís, eu lembro, A Máquina de Descascar’Alho eram cinco mil pessoas, todo mundo na palma da mão, a música é essa. Ele gravou, Serrinha gravou depois, montamos, fizemos um grande disco, vendeu demais, mas aí a gente não teve cabeça. Nós não tivemos cabeça, capacidade, estrutura, pra lidar com aquele sucesso imediato. Não levamos pra frente. E nem eu conseguia conciliar o Barrica, eu já tinha um sentimento muito forte pelo grupo, com o pagode. O que me fascinava era que era um trabalho autoral. A gente cantava na praia, os pagodes dos outros, depois chegava no Ceprama pra fazer o show com o Bicho Terra, fazendo sua própria música, a multidão delirando com a gente. Éramos os reis, mas descia do palco, ninguém nem te conhecia. Não conseguíamos apoio pra disco, pra nada.

Você tem catalogadas todas as suas músicas? Sabe quantas músicas você já compôs? 40. 41. Gravadas tem umas 15. 10 nesse disco. A maioria choros. Arranjos eu tenho espalhado por aí um monte: Bicho Terra, Barrica, Turma do Quinto, Isaac [Barros], Serrinha & Cia. Feras, bloco tradicional, Vagabundos do Jegue eu fiz todos os discos, praticamente todos os arranjos.

Você pretende com este disco que ele tenha uma vida, no sentido de show de lançamento, temporada, ou é só um registro? Não, é só um registro, inclusive nem tem caráter comercial. O disco vai ser distribuído em escolas, vamos falar sobre o disco em escolas públicas. Vamos ver o que a gente pode fazer para melhorar a vida social desse povo sofrido, que a gente tá vendo o resultado aí na criminalidade.

Ainda faltam coisas pra gravar e a ideia é lançá-lo ainda em 2013, ou seja, ainda está em processo. Mas dado o fato de ter mais de 40 músicas, você já consegue pensar num segundo volume? A ideia é lançar no final de outubro. Com certeza! Isso aí é o que eu mais gosto, é dessas 10. São o xodó. Mas com certeza virão outras, vou fazer outro disco. O próximo eu vou fazer só, o que era o projeto original, eu tocando tudo, do pandeiro ao cavaquinho centro. Isso vai ser muito bom pra cidade, vai estimular os chorões, Serra, por exemplo, vai voltar a tocar. E saber que é um trabalho autoral, e é nosso! Passamos a vida inteira tocando Jacob, não que a gente queira se comparar, mas nós temos uma identidade própria superimportante.

Com essa sua agenda intensa de viagem, Barrica, arranjo, disco, estúdio, parece não estar sobrando tempo para uma vivência que você já teve no passado, das rodas. Dá saudade? Como você lida com isso? Faz falta. Mas eu voltei. Estou me encontrando com Paulo, Serra, Zeca, Solano, [o violonista sete cordas] João Eudes [violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 16 de fevereiro de 2014], todos os domingos. Inclusive a gente está se preparando para gravar o disco do Tira-Teima. Vai ser produzido e gravado aqui, sob minha direção, vai ser um disco fantástico, a hora é essa. Chega uma hora, o momento agora é “peraí, cara, agora eu também quero dar uma respirada”. Já corri muita praia, já lutei muito, se chega num ponto, daqui eu não vou passar. Não vou ganhar mais dinheiro do que isso, não vou ficar mais pobre do que isso. Agora eu vou curtir, vou parar, vou viver. Vou tocar aquilo que eu gosto, aquilo que eu quero. Lógico, a gente faz da música nosso meio de sobrevivência, mas eu também sinto prazer, não é pra me transformar num robô. É botar isso aqui [coloca novamente trechos do disco para tocar], vocês podem achar que o som está muito feio [os chororrepórteres discordam], mas pra mim isso aqui tá lindo, é minha alma que tá aí. Isso é que é importante.

Você tem noção de quantas participações você já fez em discos? Não tenho. São muitos. Assim como já acompanhei muita gente em shows. Eu lamento não poder contar nesse disco com um grande amigo que eu tive em Brasília: [o flautista] Carlos Poyares. Aquele homem quando soprava naquela flauta matava a raiva de qualquer um. Era uma coisa maravilhosa.

Pra você, o que é o choro? Qual a importância dessa música para o Brasil? Antigamente era assim, na minha ótica, na minha leitura, no meu pensamento: o que é o choro? É um instrumentista que domina certo instrumento, que ele transforma todo sentimento dele através daquelas notas dadas uma após a outra, o conceito técnico de melodia. Pra mim é isso, ele consegue passar aquela beleza. Nós temos isso, o Jacob, as músicas não têm uma letra, mas a gente consegue sentir o que está se passando na alma do cara, ler o coração, o pensamento, o que ele está sentindo, o que ele passa pra gente e o que a gente passa a sentir ao ouvi-lo. Não adianta ser um chorão, “ah, eu quero ser o Jacob”, tocar com uma velocidade, tem que ter o sentimento. Eu conheço gente que plim plim plim plim plim [imita um dedilhado veloz com a boca]: aquilo não se sente nada. Mas eu tenho que chegar e dizer “como tu é bom, estudou, evoluiu bastante, tá muito veloz”. Mas eu não tenho coragem de chegar e dizer: “mas eu não senti nada”.

Você se considera um chorão? Eu não. Eu me considero um clínico geral. Eu também sou um amante do bumba boi, do carnaval, eu adoro carnaval, nossos ritmos. E adoro choro. Choro é uma coisa que me arrepia todo.

Quem te chama a atenção na nova geração do choro no Brasil? Eu gosto muito do rapaz do bandolim, o Hamilton de Holanda. Ele tem a velocidade, tem a execução, tem a beleza e tem o sentimento. É impressionante! Fantástico, gosto demais dele. Tem um bandolinista em Brasília, presidente do Clube do Choro, o Reco [do Bandolim], também gosto, mas como Hamilton…

E do violão? Tem um violonista em São Paulo que eu gosto muito dele, na linha do choro, do samba, Edmilson Capelupi. Eu gosto demais, admiro muito.

Como você avalia o choro hoje no Maranhão? Acho que cresceu bastante, acho que o movimento está bem. A gente vai aos lugares, vê a turma tocando. Tem Wendell ali, Robertinho, Juca, Paulo, melhorou bastante. João Eudes, falando dos solistas. Maicko, meu sobrinho, sete cordas, está no samba, mas também curte o choro. Solano, o tempo todo estudando, se dedicando.

Você acha que o choro aqui deve ser tocado com a influência da cultura popular daqui, como o é em Pernambuco? Eu acho que pode. Por exemplo, eu tou botando aí uns agogôs com umas células de bloco tradicional. Eu acho legal. Deixa seguir. Tou botando uma cabaça [imita o som dos instrumentos percussivos com a boca]. Quanto mais maranhense, melhor pra gente.

Chorografia do Maranhão: Ronaldo Rodrigues

[O Imparcial, 1º. de setembro de 2013]

O blogue voltará ao assunto em tempo hábil, mas avisa, de já: Ronaldo Rodrigues tocará na próxima terça-feira (28), às 19h, no Teatro da Cidade (antigo Cine Roxy), ocasião em que se apresenta naquele palco o grupo Jorge Amorim e Tribo. Os ingressos custam R$ 20,00.

Do rock e blues ao choro: 14º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão cursa bacharelado em bandolim na UFRJ e planeja para breve uma apresentação de seu grupo, Novos Chorões, em São Luís

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Era um sábado ensolarado e o Regional Tira-Teima passava o som para uma apresentação na Barraca Paradise (Av. Litorânea). Naquela ocasião o músico Ronaldo Rodrigues daria uma canja com eles, antes de receber alguns amigos na casa dos pais, onde se hospedava, para uma deliciosa favada.

Bandolinista e chorão, Ronaldo já foi – ainda é, melhor dizendo – guitarrista e bluesman. Teve passagens por grupos em São Luís – Palavra de Ordem, Bota o Teu Blues Band e Som do Mangue, hoje Nego Ka’apor – além de uma temporada em Londres, onde chegou a tocar no palco paralelo de um festival que tinha ninguém menos que James Brown no palco principal.

Ronaldo Pinheiro Rodrigues Filho nasceu em 28 de março de 1977, filho dos administradores de empresas Raimundo Pinheiro Rodrigues e Maria Ceci de Miranda, que a princípio desencorajaram-no do ofício. Mas Ronaldo teimou. E considera seu tio Solano [Francisco Solano, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013] – integrante do Regional Tira-Teima, ele acompanhou parte da entrevista – o maior responsável pelo que é hoje.

Cursando o bacharelado em bandolim na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ronaldo tem vindo semestralmente à Ilha, matar as saudades de familiares e amigos. Planeja para entre dezembro e janeiro trazer para cá uma apresentação de seu grupo, Novos Chorões, chancelado pelo homem-dicionário musical Ricardo Cravo Albin. Voltar à Ilha em definitivo não está em seus planos. Ao menos não por enquanto.

Além de músico, você tem outra profissão? Não. Hoje em dia sou só músico. Estou estudando na UFRJ, fazendo o bacharelado em bandolim, com o professor Paulo Sá. É o primeiro curso de bacharel na América Latina, não tem outro. Não tem ninguém ainda que tenha se formado, tem três alunos na minha frente, mais antigos. São duas vagas por ano. A tendência é aumentar. Por ser a única da América, o pessoal de fora, até dos Estados Unidos, está procurando vir para cá.

Eu sabia de cursos de bandolim na Itália. O [bandolinista] Jorge Cardoso foi estudar lá. Então, o Paulo Sá, o doutorado dele é de lá.

Quando você partiu para o Rio? Em 2007. Eu trabalhava com navegação e larguei tudo para ir pra lá, pra arriscar, como tou arriscando até agora.

Você atuou em outras áreas antes de se dedicar integralmente à música. Eu morei quatro anos na Inglaterra, onde aprendi a falar bem o inglês. Devido ao inglês, quando voltei pra cá, eu consegui um emprego com navegação, que exige inglês. Aí fui pegando jeito e passei cinco anos fazendo isso.

Como era o universo familiar na infância? A música era forte? Não. Música lá em casa é bem difícil. Meus pais não têm esse costume de escutar música, não é uma prática deles.

Como é que começou teu interesse por música? Através dos amigos, que gostavam de música, pelas amizades da adolescência. Eu tenho um amigo chamado Cassiano Viana, jornalista, está lá no Rio, a gente se fala com frequência.

Quais foram as primeiras descobertas musicais? Parece que antes de cair no choro você passou pelo rock. Pelo blues. Então, esse Cassiano Viana tinha uma banda chamada Palavra de Ordem aqui, bem antiga, era pop rock. Eu comecei tinha 11, 12 anos, ele me ensinou a tocar baixo. Aliás, eu tava pegando baixo, e pedi à minha mãe um contrabaixo e ela veio com uma guitarra, que ela não sabia a diferença de baixo e guitarra [risos]. Como eu não sabia tocar nada também, peguei a guitarra. Aí começou o rock assim, fiz parte de uns grupos de blues.

Você lembra o nome desses grupos? Tem a Bota o Teu Blues Band, foi uma delas, e a Palavra de Ordem, antes de ir pra Londres. Na família, além de Solano, tem Jean Carlos, que escuta muito rock progressivo. Ele ia muito no [programa de rádio] Vertentes, que era na Mirante, com [o radialista] Gilberto Mineiro. Com ele eu escutei muito progressivo, ele sempre me apoiava pra tocar, o filho dele tava morando uma época na Inglaterra e ele ofereceu, se eu quisesse ir pra lá passar um tempo. Eu não tava conseguindo passar em vestibular nenhum aqui. Aí eu fui pra lá, com a guitarra debaixo do braço.

Lá você também estudou? Lá eu toquei em várias jams de blues, jam sessions, aí teve um grupo de rock chamado Plastic Grapes, Uvas de Plástico. Com eles eu até toquei num festival, que é comparado com o Woodstock, o Woodstock que rendeu. Quando a gente tava num palco paralelo que dava uma parada a gente escutava James Brown, que ainda era vivo, no palco principal. Acho que em 1999 ou 2000.

Você aprendeu a tocar com mais ou menos que idade? Que já sentia certa segurança… Acho que com 15, 16 anos.

Lá em Londres você passou quatro anos só tocando? Não. Lavei e limpei muito prato [risos]. Mas tentando sempre na música. Aí com quatro anos resolvi voltar. Até então eu escutava muito rock e muito blues. Fui me interessar por música brasileira lá. A concorrência, é que nem um gringo chegar aqui e querer tocar choro e samba. Um dia eu toquei Garota de Ipanema [Vinicius de Moraes e Tom Jobim] sem querer, brincando, e todo mundo ficou assim, ahn?

E como é que começou essa história do choro? Quando eu voltei de Londres eu falei “vou tocar choro, quero tocar choro”. Liguei até pra Solano pra pedir umas aulas de violão. Eu não fazia noção do que era. Ele disse: “traz teu instrumento aqui, vamos fazer uma roda”, e eu cheguei com um violão de aço. Aí ele disse: “não, encosta teu instrumento aí”, e eles ficaram tocando, eu fiquei vendo, acho que tava o Tira-Teima todo. No final, eu falei que tocava guitarra, e Celson [Mendes, violonista] tirou uma guitarra do carro dele e um amplificadorzinho. Aí eu falei “eu não toco choro. Eu toco blues, jazz”, ele tirou um tema de jazz, e aí eu fiquei à vontade.

Voltando pra Londres: tua descoberta da música brasileira, digamos assim, ela começou com aquele brincar com Garota de Ipanema ou houve algum disco? Como foi? Eu paguei uma aula para um professor do Rio Grande do Sul, não recordo o nome dele agora, eu o vi tocando uma vez num barzinho, música brasileira, peguei um cartão e ele dava aula e eu comecei a ter aulas com ele, aulas muito boas. Ele perguntou: “você quer fazer o quê?” “Eu quero tocar música brasileira”. Tinha muita MPB, bossa, Vinicius de Moraes, Chega de Saudade [Tom Jobim e Vinicius de Moraes], Tom Jobim.

No teu universo familiar não teve muita vivência musical. Teus pais nunca te atrapalharam? Nunca pediram que você se desinteressasse pela música? Um pouquinho. Aqui em São Luís tem pouco acesso à cultura, à arte, é uma coisa meio assim, underground, eu acho até normal eles se preocuparem em ter um filho que vai se especializar em uma coisa que vai dar o quê, né? Demorou um pouquinho para eles apoiarem. Hoje em dia eles apoiam muito. Tanto é que eu estou lá, graças ao apoio deles.

E o bandolim? A partir de quê a escolha por este instrumento? Solano viu que eu tinha facilidade com melodia e o bandolim é um instrumento melódico e ele sugeriu que eu comprasse um. Solano é da família, eu chamo de tio, primo do meu pai. Eu lembro muito bem de um barzinho que tinha lá perto do Barramar e Solano falou pra papai: “Ronaldo tá nesse negócio de música, então vai pra Escola de Música [do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], bota na Escola”. Mas conselho que é bom… Se fosse desde aquela época…

Então Solano tem uma grande responsabilidade pelo que és hoje. Se perguntarmos então quem foi a pessoa que mais te influenciou? Claro! Foi Solano, sem dúvida. E o Tira-Teima [Solano diz que o levou para o regional].

Ele foi estagiário do Tira-Teima? [risos] Foi. Inclusive fui eu quem apresentou o [flautista] João Neto pra vocês [fala diretamente para Solano, que concorda]. Eu já conhecia João Neto de outros carnavais. Ele tava no Rio, na Escola Portátil, ele apareceu aqui, a gente se encontrou, e eu disse: “rapaz, tem um pessoal aqui que é bom pra porra!”.

João Neto também é um cara que vem do blues e do rock para o choro. Vocês já tinham tocado juntos antes? Juntos não. Eu tocava no Som do Mangue [banda liderada por Beto Ehongue, hoje Nego Ka’apor], ele na [banda] Mandorová, a gente dividiu uma noite uma vez. Era a mesma turma.

Como foi a tua inserção no choro no Rio de Janeiro? Você hoje ocupa um espaço, é reconhecido por nomes como Ricardo Cravo Albin. Como é que foi esse processo? Foi aquilo, assim, eu cheguei com meu instrumento debaixo do braço.

Quem te deu aula aqui de bandolim? Ninguém. Foi sozinho. Tem uma figura muito importante, que foi o Moraes, toca violão, é um bom compositor, foi até certo estágio na Escola de Música. Com ele eu estudei teoria musical. Eu pensei que quando acabasse o livro de teoria musical todas as perguntas estariam respondidas, mas só fez aparecer mais perguntas. Música instrumental, não só o choro, mas o jazz, o Moraes me ajudou muito. Eu cheguei no Rio com uma bagagenzinha, tanto teórica quanto prática. Fui à Escola Villa-Lobos, um curso técnico, onde encontrei o Paulo Sá, ele estava montando ainda o curso da UFRJ, e ele deu esse toque logo no começo e propôs que eu fizesse o vestibular quando acontecesse. Na Escola Villa-Lobos foi que eu conheci os meninos, que a gente formou o grupo lá. No dia da prova [de seleção].

O que tem nesse disco? [um demo com que Ronaldo presenteou a chororreportagemEsse disco é um cartão de visitas. Tem músicas, tem nossos contatos, ele só roda no PC, tem um releasezinho. Tem três composições. Choros, que a gente sentou pra conversar, criar um conceito. Dois nomes surgiram: [os grupos] Água de Moringa e Tira Poeira. Era mais ou menos alguma coisa entre as duas coisas o que a gente estava querendo criar. Era mais esse conceito de fazer uma música instrumental, além de choro, bem elaborada, com um toque mais moderno, sofisticado. A gente está tentando pegar essa cara.

Qual a idade dos Novos Chorões? Vai fazer seis anos. Eu falo seis anos, mas os dois primeiros anos foi mais a gente aprendendo mesmo, todo mundo se juntando com o objetivo de tocar bem e sabendo a deficiência de cada um, mas cada um batalhando, evoluindo, estudando.

Vocês saíram já chancelados pelo Ricardo Cravo Albin. O que isso significa? A gente fazia um choro na feira de antiguidades da Praça XV, a gente arriscou fazer passando o chapéu, sem nenhum patrocínio. Em um desses o Ricardo estava lá presente e convidou a gente a abrir os saraus que ele fazia no Instituto Cravo Albin, na Urca, lá onde ele administra, toma conta. Aí tivemos a chance de tocar com [o bandolinista] Joel Nascimento, o Sarau com Joel, a gente fez umas quatro, cinco vezes com ele.

Quando você faz a transição do blues para o choro, houve um abandono do blues ou hoje você usa elementos do blues para tocar choro? Eu carrego muitos elementos da guitarra para o bandolim, mas eu parei de fazer isso por que estava atrapalhando. São duas linguagens diferentes. Eu vejo mais hoje em dia na faculdade as técnicas do instrumento. Eu pensei que o bandolim fosse me ajudar na guitarra, mas não ajuda muito não. São técnicas realmente diferentes.

Você continua tocando guitarra? Continuo.

Em grupos de rock? Não. Lá no Rio eu estou acompanhando um baterista chamado Jorge Amorim, que é um baterista de música autoral, tem muito da world music, morou mais de 19 anos fora, nos Estados Unidos, na Europa, e nos encontramos lá no Rio e propôs a gente levantar o trabalho dele aqui. Eu tinha outros músicos com quem estava tocando guitarra, jazz. A gente levantou esse repertório e tem tocado por aí.

Você foi para o Rio, se inseriu na movimentação chorística carioca, conquistou um espaço considerável para o grupo. Dá pra viver de música lá? Dá pra sobreviver. Falta muito. Acho que a gente dá um passo de cada vez, priorizando a qualidade do trabalho, pra gerar trabalho, bons trabalhos. Trabalhando em projetos também. A gente tem projetos separados, a maneira como vamos preparando, a gente vai estudando, já conseguimos algumas coisas com Sesc, Prefeitura, faz muito barzinho. Ainda é meio apertado, mas é questão de tempo. Todos do grupo vivem de música. Eu vim aprender a ser músico há pouco tempo: tem que se dedicar muito.

As coisas têm mudado de uns tempos pra cá, mas no Maranhão o artista ainda é o faz tudo: pensa projeto, carrega caixa, ensaia, toca, canta. Existe alguma diferença do Rio? Como é a realidade de vocês, hoje? Tem isso no Rio também. O produtor só vai se interessar em produzir algo, quando aquele algo tá pronto ou meio pronto. A gente continua se produzindo ainda, mas vai chegar um ponto que vai despertar interesse do produtor que faça isso pra gente. Antes da internet o mercado era outro, o artista não estava tão na pista como está hoje. Mas ainda é isso, a gente fazendo projeto, ensaiando, carregando as coisas.

Você toca em outros grupos? Acontece de fazer substituições, principalmente entre alunos da escola, quando alguém não pode, me indica e vice versa. Mas basicamente eu tenho tocado só com os Novos Chorões e com o Jorge Amorim.

Você se considera um chorão? O que significa ser chorão, para você? Eu me considero um chorão. Ser chorão é você saber aplicar a linguagem que o choro oferece. Cada estilo de música tem sua linguagem, os seus detalhes específicos. Ser chorão, acho que é isso, é saber que gênero é aquele, de que maneira aquilo é tocado, é composto. Ser chorão é mais aquele músico que se especializou naquele gênero, no caso o choro, e que muitos [músicos] não são abertos a outros [gêneros]. O choro está na música instrumental e a música instrumental é bem abrangente, tanto é que o choro abrange outros ritmos, não só o choro: você tem a polca, tem o maxixe, o frevo, a valsa, a ciranda lá em Pernambuco, o bumba meu boi aqui.

Tem o Beatles in choro [caixa de discos em que diversos instrumentistas tocam músicas dos Beatles em ritmo de choro, sob a batuta do cavaquinhista Henrique CazesPor que os Beatles, as composições deles são bem tonais como é o choro. O blues, por exemplo, já não é. Eu tive muita dificuldade para partir para a música popular brasileira por que meu ouvido sempre foi modal, por que o blues é modal. Os Beatles é isso, as composições dão certinho com o choro por que tem todo esse tipo de composição, tônica. O choro vai mais ainda, tem as modulações, são três partes. Os Beatles normalmente são duas partes, tem choro de duas partes, mas encaixa legal. Antigamente eu tentava fazer uma comparação do choro com o jazz, mas tem mais diferenças do que semelhanças. A semelhança é justamente na mistura da música erudita com a música negra.

O improviso. O improviso nem tanto, por que o choro ele é mais preso pra improviso do que o jazz, o jazz é muito mais aberto. É uma característica do jazz. Até harmonicamente ele te dá liberdade para o improviso.

A semelhança talvez seja mais cultural. O jazz ainda é uma manifestação de confirmação das raízes negras. Aqui não tem isso. O choro foi elitizado.

Mas você não acha que dá pra dizer que o jazz é o choro dos Estados Unidos e o choro é o jazz do Brasil? Acho isso muito perigoso. Outra semelhança que tem é justamente a acessibilidade do negro, através das bandas militares. Lá também, quando surgiram, muitas bandas marciais deram chances a pessoas sem condições de uma educação musical e onde foram expostas ideias.

Qual a importância do choro para a música brasileira? O choro representa o que a música brasileira tem de melhor pra mostrar. É o que o Brasil tem de melhor para mostrar com relação à música. É o mais elaborado, é o bem feito, mostra o poderio de composição dos brasileiros, sua identidade.

Você parece muito à vontade na seara do blues e do choro. Você se sente mais à vontade na tristeza do blues ou na alegria do choro? Boa pergunta! Não sei. Acho que as duas coisas. É o yin e o yang. Eu nunca tinha pensado nisso.

Como você observa o movimento do choro, a cena, hoje no Brasil? Durante muito tempo o choro foi associado à “música de velho”. De uns tempos para cá parece ter havido uma mexida nessa ordem. Com certeza! A gente vê no Rio a Escola Portátil. É de super importância o que o pessoal está fazendo: pegar uma garotada, muita gente nova se interessando, vendo a importância que o choro tem e eu acho muito legal a oportunidade de ter o pessoal tarimbado dando os toques específicos daquele gênero de música. Quem quiser tira bom proveito daquilo e tem muitos jovens que estão fazendo isso. O cenário da música lá no Rio, tem muita gente nova, muita gente boa.

Como é a relação dos mais novos com os mais velhos? É generosa, de competição, de desconfiança? Acho muito bem vinda. Eu costumo fazer parte de uma roda de choro todos os sábados na [loja de instrumentos musicais] Bandolim de Ouro. Tem muita gente com idade, que eu considero chorões. Sempre que a gente chega eles gostam. Falam “ah, vocês que vão continuar” e tal. Voltando a falar da cena, acho que o Rio caiu um pouquinho. Teve um boom, mas acho que está aparecendo mais coisas em São Paulo. Recife sempre foi um polo diferente e independente, tem a sua escola. Até [o bandolinista] Luperce Miranda, falando de bandolim, lógico, Jacob [do Bandolim] foi a escola que mais foi passada, mas Luperce é uma escola completamente diferente, é outra técnica. Depois de formar estou querendo fazer um doutorado sobre isso, a influência italiana no Brasil. A maneira que ele toca é um bandolim napolitano, a maneira que Luperce toca tem mais trinado, estou estudando ele.

Qual o significado de Jacob para o bandolinista moderno? Jacob além de fazer muitas composições clássicas de choro, fez muitas composições moderníssimas, apesar do discurso conservador que ele tinha. Tem que passar por Jacob, não tem jeito!

Quais as tuas maiores referências para blues e para choro. Olha, blues, eu escutei muito Clapton. Sou fascinado por Eric Clapton [guitarrista e cantor]. Tive tudo dele. Estou passeando mais pela praia do jazz hoje em dia. O blues eu larguei um pouquinho. O blues te limita um pouco, esse ouvido tonal, eu fiquei muito preso ao blues. Tenho escutado muito jazz, escutado as guitarras de Charlie Christian, o primeiro jazzista que tirou a guitarra do acompanhamento e botou no solo, [os guitarristas] West Montgomery, aí vem Joe Pass, George Benson, eu tenho ouvido mais isso. Mas o blues é essencial pra tocar jazz. No choro tem Pixinguinha. Acho que é o grande mestre, até mesmo em relação a essa mudança do choro bem tradicional, que veio de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré. Aí Pixinguinha vem e dá uma quebrada, depois daquela viagem à Europa com Os Oito Batutas. É a referência mais completa.

Que chorões, hoje, te chamam mais a atenção? Eu tenho admirado muito o maestro Laércio de Freitas [pianista]. Ele seria um. No bandolim tem o Ronaldo do Bandolim [do Trio Madeira Brasil], que é muito bom, pra mim é o melhor, com relação ao instrumento, hoje em dia. Tem o Danilo Brito, que tem uma técnica, uma mão direita impressionante, com muita naturalidade. Vi um show dele no Rio, fiquei impressionado. Admiro muito os professores também. O Paulo Sá toca choro, mas o disco dele é bem eclético. [O cavaquinhista] Henrique Cazes, peguei aula de prática de conjunto, [o violonista] Marco Pereira, harmonia profissional, tem uma cabeça muito moderna, excelente improvisador.

A renovação de que você fala que acontece no Brasil, você também tem percebido no Maranhão? Sim, sim. Quando eu saí daqui, tinha o Tira-Teima fazendo, era só o Tira-Teima. Apresentei João Neto pra Solano, ele passou a ir com frequência e era só isso. Agora, depois de uns anos, quando eu voltei, já tinha uns três bandolins. Eu fiquei impressionado a última vez que eu estive aqui, toquei com o Tira-Teima no Barulhinho Bom e o João Neto trouxe o Robertinho [Chinês, cavaquinhista e bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], impressionante. Ele tem uma facilidade, uma técnica apuradíssima. Fiquei feliz de ver.

Festejos na Praça inicia temporada musical de Alexandra Nicolas em 2014

[release]

Show gratuito na Praça Gonçalves Dias celebrará conquistas de 2013 e marcará início de turnê por palcos ludovicenses e em outras capitais brasileiras

POR ZEMA RIBEIRO

Vencedora do Prêmio Universidade FM 2013 na categoria Revelação, a cantora Alexandra Nicolas volta a se encontrar com seu público fiel no próximo dia 18 de janeiro (sábado), às 18h, no coreto da Praça Gonçalves Dias, também conhecida como Largo dos Amores, no centro da capital maranhense.

A artista apresentará o show Festejos na Praça, em que celebrará os bons momentos de 2013 – ano em que lançou seu disco de estreia, Festejos, inteiramente dedicado ao repertório de Paulo César Pinheiro – e dará início à temporada 2014, em que já estão previstos shows no Rio de Janeiro e em outras capitais brasileiras.

Festejos foi todo gravado no Rio de Janeiro, com o repertório de Paulinho e direção, arranjos e execução de grandes mestres do choro. No entanto, preferimos começar por aqui, por isso o lançamento do trabalho foi realizado em São Luís. Este ano nos dedicaremos a tornar o disco mais conhecido noutras praças, literalmente”, anuncia a cantora.

Os shows de lançamento a que ela se refere aconteceram no Teatro Arthur Azevedo, em duas apresentações, 7 e 8 de março do ano passado. Para o show do dia 18, Alexandra Nicolas mesclará ao repertório do disco, músicas que gosta de cantar. “Festejos na Praça vai ser vibrante, pra cima. O repertório está bem animado, passeia por samba, xote, forró, coco”, promete. A escolha das músicas é também um experimento: ela já está selecionando material para o próximo disco, que deve lançar em 2015. Mas sobre o assunto a cantora não dá nenhuma pista. “No fundo, eu estou sempre selecionando repertório”, afirma.

Festejos, o disco, não será tocado na íntegra e a noite terá ainda Sereia de Água Doce, de Vanessa da Mata, Xirê, de Roque Ferreira, Aguadeira e Saubára, parcerias de Roque com Paulo César Pinheiro, além de Pipira, de João do Vale (parceria com José Batista), Coco sem Azeite, de Pinduca, e Homem de Saia (Marcelo Reis e Enéas de Castro), sucesso do Trio Nordestino.

Para acompanhá-la em Festejos na Praça, Alexandra Nicolas cercou-se de um competentíssimo time de músicos: Rui Mário (sanfona e direção musical), Marcus Lussaray (violão e viola), Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho), Carlos Raqueth (contrabaixo), Fleming Bastos (bateria), Arlindo Carvalho (percussão), Marcos Alves (percussão), Josafá Alves (coro) e Teresa Rachel (coro). “São todos grandes músicos, me dão segurança, me deixam à vontade”, elogia.

A cantora e a banda têm vontade de, depois da estreia no coreto da Gonçalves Dias, apresentar Festejos na Praça em outros logradouros de São Luís. “Tudo vai acontecer no momento certo. Este primeiro show aberto é fruto da vontade de fazer, de comemorar, da parceria da equipe de produção e dos músicos. A depender dos frutos que colhermos, vamos ocupar outras praças”, aposta a cantora.

Sem falsa modéstia, Robertinho Chinês acredita que este show será “o melhor entardecer musical que o Maranhão já viu e ouviu”. A abertura fica por conta do Cantinho do Choro, grupo que é o tradicional ocupante do coreto. Para este sábado (18), o grupo tem a seguinte formação: Osmar do Trombone, Nonato Oliveira (pandeiro), Márcio Guimarães (cavaquinho), Carlos Reis (violão), Osmar Junior (saxofone) e Zezá Alves (flauta).

Ficha técnicaFestejos na Praça tem direção geral de Martin Messier, direção musical de Rui Mário, produção executiva de Raydenisson Sá, projeto gráfico de Raquel Noronha, fotografia de Veruska de Oliveira e Edu Aguiar, assessoria de imprensa de Zema Ribeiro, figurino de Julienne Santos e sonorização, palco e iluminação da Master Áudio e Luz.

Serviço

O quê: show Festejos na Praça.
Quem: Alexandra Nicolas e banda. Abertura: Cantinho do Choro.
Onde: coreto da Praça Gonçalves Dias.
Quando: 18 de janeiro (sábado), às 18h.
Quanto: gratuito e aberto ao público.

Chorografia do Maranhão: Zeca do Cavaco

[O Imparcial, 21 de julho de 2013]

“A vida é a arte do encontro”, já ensinava o centenário Vinicius de Moraes. 11ª. entrevista de Chorografia do Maranhão marcou o encontro casual de Cesar Teixeira com um dos seus maiores intérpretes, Zeca do Cavaco, entrevistado pelos chororrepórteres no quiosque-bar de Dona Lulu, em pleno burburinho da Feira da Praia Grande

 

TEXTO: CESAR TEIXEIRA, RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

“A resistência Tira-Teima se apresenta toda sexta-feira no Brisamar Hotel, na Ponta d’Areia. Começa às 19h30min e vai até 22h30min”, anuncia Zeca do Cavaco, indagado, a quem interessar possa, quando e onde vê-lo e ouvi-lo.

A 11ª. entrevista da Chorografia do Maranhão foi marcada por uma feliz coincidência: na Barraca do Corinthiano, na Feira da Praia Grande, combinaram os chororrepórteres de se encontrar. Ali encontraram, bebendo uma “temperada”, o jornalista e compositor Cesar Teixeira, que acabou somado ao time.

“Se fosse combinado não daria certo”, afirmou Zeca do Cavaco, cumprimentando o ídolo confesso, de quem é, depois do próprio, o maior intérprete, na opinião modesta da chororreportagem.

A ideia era procurar, naquela quinta-feira abafadiça, um ponto silencioso na Casa das Tulhas, ou ir entrevistar o cavaquinho centro do Regional Tira-Teima noutro ponto da Praia Grande.

Nem tão silenciosa assim, acabaram conversando no quiosque-bar de dona Lulu, feirante simpática que regou a ocasião com cervejas geladas, como era merecido.

José Cândido dos Santos Silva, o Zeca do Cavaco, nasceu em São Luís em 11 de março de 1960. Mais precisamente no Monte Castelo, bairro em que começou a formar-se o chorão que não se considera. É filho dos já falecidos Jaime de Oliveira e Silva, militar, e Carmina Maria dos Santos Silva, doméstica.

Ao longo da entrevista, Zeca do Cavaco ainda tocou Sapo já foi na Lua (Cesar Teixeira), Adeus, batucada (Sinval Silva) e Das cinzas à paixão (Cesar Teixeira). Ao final, Zeca e Cesar, com este ao cavaquinho, cantaram juntos Folhas secas (Nelson Cavaquinho).

Além de músico, você tem outra profissão? Sou engenheiro eletricista de formação, é com o que sustento a família, é minha profissão. A música é minha paixão.

Quando começou essa paixão? Eu fui aluno da antiga Escola Técnica, depois Cefet, hoje Ifma. Lá, em 1976, eu tinha um irmão, já falecido, ele ouvia muito choro, Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola. Aquilo ali já acendeu em mim o gosto por aquele tipo de música, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim… Foi ali que eu tive contato com o disco Vibrações, do Jacob, aquela maravilha de disco, e por aí vai. Ele tinha alguns amigos que já mexiam com música e a gente sempre estava perto. Mas, na verdade, comecei ouvindo. Depois é que comecei a conhecer as pessoas. Na [rua] Raimundo Correia, eu tinha um amigo, Zé Carlos, hoje pandeirista do Tira-Teima, ele fazia parte de um grupo em que ele tocava com [o violonista] Mascote. Eles tinham uma roda de samba na Vila Passos e o Mascote descia da Vila pro Monte Castelo, ali pra Raimundo Correia e iam tocar. E ali eu ia vê-los tocando e me admirava daquilo. Só ouvia e me arriscava uma coisa ou outra ao violão.

E quando foi que você começou a pegar em instrumento e a cantar? Ali já com 17 anos, em 77, eu comecei a pegar o violão e fazer ali os primeiros acordes, aquela coisa de principiante… A casa do sol nascente [The house of the rising sun, cuja versão em português teve intérpretes como os Agnaldos Rayol e Timóteo].

Você teve algum professor? Nenhum.

Sempre autodidata? Sempre autodidata. Mais tarde, com o conhecimento do choro, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, ouvindo muito, é que eu me apaixonei pelo cavaquinho. Aí eu comecei a dar as primeiras palhetadas, e não parei mais. Daí pra frente fui só conhecendo as pessoas e olhando. A primeira oportunidade que me deram de participar de um grupo, não de choro, de samba, em que se tocava Geraldo Pereira, Ataulfo Alves, Noel Rosa, foi Mascote. Finado Mascote. Quem conhece a Vila Passos conhece Mascote, tocava violão de seis cordas, vocalizava, era uma figura! E ali tinha um cavaquinhista conhecido nosso, o Raul, que por um motivo ou outro se afastou do grupo. Aí Mascote me chamou. Eu ali ainda com três acordes, quatro acordes, fui pra casa dele, e ele começou a me passar coisas, acompanhamentos. Ali foi o começo.

Em teu universo familiar, além do teu irmão, teus pais te incentivaram à música? Nenhum incentivo. Só comigo mesmo.

Mas também nenhum desincentivo… Não, não. Nenhum. Eu aprendi olhando, arriscando, ouvindo. Às vezes a gente começa a pegar as informações e, de repente, cria uma própria personalidade instrumental, vamos dizer assim. Ninguém toca igual a ninguém.

A que se deveu a escolha pelo cavaquinho? A escolha pelo cavaquinho se deveu, e se deve, não é?, ao meu contato com o chorinho, o conhecimento que eu tive. Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, esses discos, e outros discos de cantores que se acompanhavam de regionais, como Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola e outros.

Você já tinha conhecimento do Regional Tira-Teima? Não. Eu tive conhecimento do Tira-Teima através de um disco do Chico Maranhão chamado Lances de Agora. Aquele disco pra mim também foi um grande professor. Eu escutava muito e olhava naquele encarte Adelino Valente, Ubiratan Sousa [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi, Chico Maranhão, Vanilson, um flautista que foi embora daqui. Então ali eu lia Tira-Teima, mas só muito tempo depois é que eu fui ter contato com Paulo Trabulsi, a primeira pessoa do Tira-Teima com que eu travei amizade, conhecimento, por conta da música.

O Tira-Teima parece uma referência para o choro no Maranhão. Você concorda? O Tira-Teima é uma referência e mais importante: é uma bandeira. É uma baita de uma bandeira. Os grupos se formam, se reformam, várias formações, e o Tira-Teima está lá. Nós, enquanto Tira-Teima, eu vou falar por mim e pelos outros, a gente tem essa responsabilidade e sabe que tem. Daí o grupo não se desfaz, se renova, e está aí.

Nós já entrevistamos Ubiratan, que é de uma das primeiras formações do grupo, e já entrevistamos Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], da formação atual. Ambos falaram do processo de gravação do primeiro disco do Tira-Teima, até que enfim. Vocês vão deixar essa bandeira hasteada ou vão deixar a bandeira arriar? Não, a bandeira está hasteada. Já se tentou hastear várias vezes, já se chegou a meio mastro, aí bate o vento. O mastro tá fincado e a bandeira tá amarrada, é só uma questão de deflagrar o processo. Não tem mais volta: o Tira-Teima tem que fazer um registro!

Quem é o instrumentista que mais te influencia? Eu, particularmente, sou assim apaixonado por um sambista, que é o Paulinho da Viola, eu escutei muito, tem em mim muito da influência dele.

Ele é sambista e chorão. Sambista e chorão, uma grande figura da música brasileira.

Zeca, você já falou de sua porção instrumentista, primeiro o violão, depois o cavaquinho, que te deu sobrenome artístico. E o canto, quando foi que você começou a cantar? A história do intérprete já vem depois. Eu só vou completar um pouco mais para não cometer o pecado de não esquecer alguém ou alguma informação. Naqueles encontros da Vila Passos foi que eu conheci Solano, ele também começando no violão de sete cordas. A gente se identificou, ele gostava muito do Cartola e eu já cantava um monte de coisas do Cartola, eu tinha dois discos e cantava os dois de cabo a rabo, e por isso a gente travou uma amizade. Vamos voltar para a Raimundo Correia. Lá, no bairro do Monte Castelo, eu conheci ainda uma figura ímpar: seu Zé Hemetério. Eu conheci o Gordo Elinaldo, sete cordas, e por conta de Gordo eu conheci Zé Hemetério, que era professor dele. Pra lá desciam Biné Gomes, filho de seu Nuna Gomes, Bastico, e se criou ali uma forte célula de choro. Começaram a aparecer o bandolinista Carequinha, que tocava com o violonista Luiz Sampaio, depois apareceu Paulo Trabulsi. Ali foi um negócio forte de choro, e de samba. Mas nós estamos nos atendo mais ao choro.

Era o quê? Era uma quitanda? Era um bar, chamado Ângelo. O quê que era o Ângelo? Era um carioca, que tinha um restaurante de luxo lá no Calhau. Ele talvez tenha sido pioneiro nessa história de você entrar no restaurante, tem aquele moço de terno, tinha um piano-bar. Mas, por um motivo ou outro, ele faliu. O nome do restaurante era D’Angels, salvo engano. Ele saiu da elite e veio para a Raimundo Correia, alugou um negócio ali e botou um boteco fino, a que não estávamos acostumados. Ali se reuniam as pessoas. Mais tarde o professor Zé Luiz [saxofonista] começou a frequentar também, já trazia [o violonista] Luiz Jr., garoto, acompanhava [a cantora] Virna Lisi, irmã dele. Aos sábados se reunia aquela roda: Gordo, Biné, Solano, Chiquinho, um violonista sete cordas que já se foi… às vezes Agnaldo [Sete Cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013]. Então, virou aquela coisa.

A gente falou do primeiro disco do Tira-Teima e sabemos que algumas faixas serão cantadas. É por que no Tira-Teima a gente sempre trabalhou assim, a nossa cara é essa: a gente toca o choro, executa o choro e canta o choro, por que tem os choros cantados. A gente é isso. Eu vou cantar duas, Léo Capiba vai cantar duas, e o resto choros autorais, de Paulo, Solano, seu Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] da flauta.

O disco do Tira-Teima é importante, mas não vai suprir tua porção cantor. E teu disco? Eu quero gravar só inéditas. As pessoas regravam, tudo bem, é importante. Mas quero fazer com 10 músicas, gravando só inéditas. Já pedi música pra Cesar, estávamos até conversando sobre isso. Vai haver. Vamos fazer o registro.

Você já viveu de música? Já. Uma época da minha vida os dividendos da música eram muito bem vindos. Mas já passou e tá tudo certo.

De que grupos você já participou? Do regional de Mascote, um grupo que foi formado por mim, Biné Gomes, Gordo Elinaldo e Zé Carlos, que o Biné colocou, naquela impetuosidade dele, “Conversa de Gente Grande”. Ele botou esse nome, a responsabilidade é dele [risos]. Depois a gente formou outro grupo, eu, Gordo Elinaldo, Zé Hemetério, que ora tocava o bandolim, ora tocava o violino, e pela percussão ora passava o Marciano, ora Zé Carlos. Não nomeamos esse grupo, mas tocamos muito.

Existem sambistas que te influenciaram a cultura musical daqui do Maranhão? Cristóvão Colombo da Silva, Antonio Vieira, eu estou do lado de outro, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Chico Saldanha. Essa turma já deu muito de si pra gente, e ainda tem muito que dar. Tá todo mundo trabalhando a música.

Este parece ser um momento interessante para o resgate de alguns nomes esquecidos de nossa música, além de Cristóvão, como Luís de França, Veríssimo, Sapinho, entre outros, por meio do seu trabalho. O que você acha? Eu lamento não conhecer, até por que eu não sei nem se existe esse material ou se está só na memória de algumas pessoas. Eu realmente não sei onde beber dessa fonte, eu não sei onde está essa fonte. Mas se soubesse seria uma coisa sensacional.

Vamos trabalhar em cima disso? Vamos! Conheço todos de nome, mas não sei onde buscar.

E para disco, shows e o repertório cotidiano, tocar em casa, nas casas dos amigos, qual é a fonte em que você bebe? Como eu ouço muito, já há muito tempo, eu geralmente bebo lá atrás. Ano passado, na época do mês de aniversário de Noel Rosa, eu fiz um projeto chamado Dezembro de Noel, e eu gosto muito de Noel, então, eu achava que sabia alguma coisa de Noel Rosa. Quando eu fui pesquisar, é muito… É uma coisa assim, entendeu? Conseguimos mostrar. Quem sabe nesse dezembro agora a gente não repita? O show está ensaiado, todo bonitinho, todo escrito. A fonte que eu bebo é essa, são os grandes sambistas, os artistas de música popular brasileira. Eu não ouço só samba, eu ouço tudo, choro, todos os ingredientes.

Há gente da nova geração que te chame a atenção? Tem. Não sei se a gente pode chamar de nova geração. Por exemplo, eu não falo mais em nível local, não se fala mais em MPM, a gente até aboliu isso, né? Cesar Teixeira, Josias Sobrinho… A gente tem certo, eu não diria nível de exigência, mas um gosto, que a gente acha que é bom gosto. Mas a gente é um pouco seletivo. Está se fazendo muita coisa por aí, adoidado, com aquela sede de chegar ao sucesso. Há quem me chame a atenção como intérprete, como compositor, não. Ou estou ouvindo pouco o novo.

E quem te chama a atenção como intérprete? De samba, de cantor de samba… de cantora, por que o Brasil é um país de cantoras. Se você vir, estão surgindo várias cantoras. Roberta Sá é um bom gosto, Mariene de Castro, Mariana Aydar.

De que discos você participou? Eu participei de um disco, lá atrás, do Serrinha & Cia. [Na palma da mão], eu gravei a música de Cesar, Das cinzas à paixão. Eu acho que a música se tornou conhecida ali, eu fui muito feliz, as pessoas gostaram, começaram a cantar. Eu participei de um disco, Antoniologia Vieira [vários intérpretes cantando músicas de Antonio Vieira], produzido pelo Adelino Valente, cantando uma música chamada Vou pro mar. Isaac [Barros] me chamou pra cantar um samba num disco dele, o Samba pra Rosana.

Existe uma aura positiva, um espaço para o samba do Maranhão? Existe um coração mais coletivo ou as pessoas continuam trabalhando o samba individualmente? Eu acho que hoje a gente está carente desse espaço, o Tira-Teima que o diga. Antigamente a gente saía, procurava um bar, sentava ali, e tocava o samba. Tá aqui, o exemplo está acontecendo aqui [aponta na direção de onde vem a música brega que, tocada em alto volume, ocupa as barracas próximas]. Então hoje, a gente se sente bem na casa da gente, na casa de um amigo, onde a gente sabe que as pessoas vão acolher a nossa música, o nosso jeito de tocar, o nosso repertório. Fora isso…

Pra você, o que é o choro e qual a importância desse gênero para a música brasileira? Eu costumo dizer que o choro nunca foi sucesso. A origem do choro, se a gente for buscar uma origem histórica que vocês conhecem, começa com a invasão portuguesa. Historicamente é isso, todo mundo conhece. Nunca foi sucesso, nem no tempo em que se vendiam partituras na feira, Antonio Calado, Chiquinha Gonzaga… Olha de onde viemos e onde chegamos! Nunca foi sucesso, por que naquela época era discriminado e rechaçado, nunca vai ser sucesso, mas sempre vai ser eterno. Pode até ser chamado de gênero marginalizado, no sentido de que está sempre ali à margem, passa ali aquele monte de coisas que vão, criam mais um ritmo, mais um sucesso, e vão embora. E o choro tá ali. Quero lembrar uma época, faço um filme, uma novela, uma série de época, aí vão buscar os chorinhos, tudinho.

Nunca vai ser sucesso e sempre foi à margem. Então qual a tua pretensão ao fazer choro? Nenhuma. Só perpetuar a música, só continuar trabalhando essa coisa, para ela continuar ali. É eterno, vai embora. E o que tá aqui pelo meio, o turbilhão de sucessos, vão e vêm, vão e vêm, e acabou.

Como é que você percebe o choro hoje no Brasil? Mudou um pouco. Evoluiu. O choro tinha aquela formação tradicional, cinco, seis músicos, às vezes dois violões. Começaram a se formar os músicos virtuoses e o choro foi evoluindo com isso. Antigamente a gente tocava Doce de coco [de Jacob do Bandolim] com um regional de seis pessoas. Hoje os músicos, graças a Deus, evoluíram tanto, que hoje se juntam dois e tocam tudo. Evoluiu nesse sentido.

Você se considera um chorão? Não, eu sou uma pessoa que gosto de choro.

Você é um cavaquinhista centro. Qual é o cavaquinhista que mais te influenciou? A gente toca, a gente é uma mistura, uma reunião de um monte de coisas. Tive a influência de Paulinho da Viola, Jonas [do Conjunto Época de Ouro]. Escutei muito aqueles discos de Jacob do Bandolim, Época de Ouro, muitos sambas de Paulinho da Viola. Hoje eu gosto muito do centro de Luciana Rabello, muito bonito, também. Essas pessoas todas me influenciaram.

Algum jovem da nova geração do choro que te chama a atenção? Vários. Hamilton de Holanda, Danilo Brito. Violonista a gente tem vários, o próprio Yamandu Costa, Alessandro Penezi, que a gente teve a oportunidade, enquanto Tira-Teima, de abrir o show que ele fez no Barulhinho Bom, Marcelo Gonçalves, e por aí vai. Mas a gente tem aqui também nossa resistência, nossos virtuoses, Solano Sete Cordas, Gordo Elinaldo, Paulo Trabulsi, [João] Neto da flauta, João Eudes, Luiz Jr., Robertinho [Chinês, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell, Tiaguinho.

Existe choro maranhense? Um repertório de choro maranhense? Ou é tudo muito ocasional? Acho que a gente ainda não pode dizer isso, ainda não podemos dizer isso, mas vai ter. Tem choros de ocasião, alguém faz ali, outro faz aqui, mas acho que daqui pra frente a gente vai ter. Já se começou a trabalhar nesse sentido. O Zezé Alves [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] produziu um livro de partituras, com um disco. É uma iniciativa brilhante e considero aquilo um começo, outras virão. Começou o caminho. Daí a ideia do Tira-Teima de fazer um disco todo autoral.

Quando você chegou, cumprimentou Cesar Teixeira como um ídolo, que também é nosso. Em que ocasião você o conheceu? Na verdade eu comecei a conhecer Cesar através de suas músicas, conheci sua arte. Muito depois a gente começou a travar, a conviver etilicamente, se encontrar, conversar, tocar. Uma vez eu fiz no antigo projeto Clube do Choro Recebe um show cujo repertório era de Cesar e Noel, uma de cada. Cesar é importante, tudo o que ele faz é maravilhoso.

Josias Sobrinho e Chico Saldanha em turnê

Apresentações têm início nesta quinta-feira (5), em Imperatriz e vão até o dia 13, em São Luís. Turnê passará ainda por Brasília, Belém e Teresina

Josias Sobrinho e Chico Saldanha estão de malas prontas. Na bagagem, seus talentos. Acompanhados de Fleming Bastos (bateria), Jeca Jekovsky (percussão), Marcão (violão e guitarra), Mauro Travincas (contrabaixo), Robertinho Chinês (bandolim e cavaquinho), Rui Mário (sanfona e direção musical), a dupla leva o Circuito Dobrado Ressonante de Música a cinco cidades: Imperatriz (quinta-feira, 5, às 21h, no Teatro Ferreira Gullar, com participações especiais de Gildomar Marinho e Zeca Tocantins), Brasília (sexta-feira, 6, às 20h, no Teatro Silvio Barbatto – Sesc, com participação especial de Nilson Lima), Belém (terça-feira, 10, às 21h, no Teatro Waldemar Henrique, com participação especial de Ronaldo Silva), Teresina (quarta-feira, 11, às 21h, no Tempero de Iracema, com participação especial de Roraima) e São Luís (sexta-feira, 13, às 21h, no Teatro Arthur Azevedo, com participação especial do duo Criolina).

Os ingressos para todas as apresentações devem ser trocados nas respectivas bilheterias por um quilo de alimento não perecível.

No repertório, além de clássicos de suas lavras, a exemplo de Engenho de Flores e Dente de Ouro, de Josias, e Itamirim e Linha Puída, de Saldanha, comparecem também temas de Cesar Teixeira (Botequim), Sérgio Habibe (Ponteira), Zeca Baleiro (Boi de Haxixe) e Chagas (Se não existisse o sol), entre outras, além de obras autorais dos convidados especiais.

Abaixo, um texto que escrevi a pedido de Josias (não sei onde foi e/ou será usado, mas partilho acá com os poucos mas fieis leitores).

DOIS BARDOS NA ESTRADA

Os lagos da Baixada se encontram com os rios do Munim e atravessam o Estreito dos Mosquitos, inundando a Ilha capital, e de lá transbordam do Maranhão para o mundo.

“Eu quero ver a serpente acordar!”, gritaria outro compositor, certamente influenciado pelo transbordar, que não assusta por se tratar de música e talento, de Josias Sobrinho e Chico Saldanha.

Os meninos de Cajari e Rosário, há muito ludovicenses, dois dos mais extraordinários compositores de nossa música popular, que ainda precisam ser mais e mais conhecidos por aqui e lá fora.

Seus talentos inundarão plateias em Imperatriz, Brasília/DF, Belém/PA, Teresina/PI e São Luís, durante a pequena e ligeira turnê de Dobrado Ressonante, espetáculo que apresentam juntos já há algum tempo. Espécie de desdobramento de São três léguas, outros bois e muito mais, mítico show em que iniciaram a parceria (no palco), há cerca de 15 anos.

As histórias são muitas e o cofo de música é fundo e pesado. A estrada é longa e os amantes da boa música devem embarcar com estes meninos, senhores artistas!

Chorografia do Maranhão: Rui Mário

[O Imparcial, 7 de julho de 2013]

Rui Mário é uma espécie de camisa 10 de nossa música: aos 30 anos é o sanfoneiro preferido de 11 entre 10 artistas maranhenses. Não por acaso é o 10º. entrevistado da Chorografia do Maranhão.

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Rui Mário é uma espécie de camisa 10 de nossa música. O talento de sobra lhe garante vaga em qualquer seleção destas plagas. Sua musicalidade está nos genes: é filho de Raimundo dos Reis Lima, ou simplesmente Seu Raimundinho, e neto de José Reis Lima, ambos sanfoneiros.

Não por acaso o 10º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão, Rui Mário nasceu em Santa Luzia do Tide, em 13 de fevereiro de 1983, e veio para a capital em 1989, por conta das viagens a trabalho do pai, que se dividia entre a música e o trabalho com carnes e linguiças. Aos sete anos começou a tirar sons de uma sanfona e aos 11 a tomar aulas com Eliézio, até hoje uma referência.

Preferido por 11 em cada 10 artistas de nossa música, o filho de dona Maria Mendes Lima, tem quatro irmãos, todos criados ao som de muito choro e forró. “Eu acordava com o som da sanfona de meu pai”, lembra. Aos sábados e domingos, às tardes, Seu Raimundinho organizava um sarau famoso em sua casa, no São Bernardo, no quintal de um pequeno comércio. Certamente o ambiente da infância e adolescência ajudou a moldar a versatilidade de Rui Mário, admirador confesso do pai, um grande exemplo.

Na diminuta temporada junina recente da capital maranhense o músico fez 27 apresentações, entre shows com um trio de forró no Barracão do Forró, Casa do Idoso e Ipam, e como sanfoneiro das bandas de sete artistas: Carlinhos Veloz, Chico Saldanha, Fátima Passarinho, Gerude, Josias Sobrinho, Papete e Ronald Pinheiro.

O pai da pequena Maria Eduarda, 3, conversou com os chororrepórteres no Bar do Léo – que desligou o som para colaborar com a transcrição da entrevista e, aqui e acolá, ouvir a sanfona de Rui ilustrando um pedaço da conversa. Chovia forte em São Luís, o que levou o ensaio para onde o músico seguiria dali, com o cantor e compositor Erasmo Dibell, a ser cancelado. Um caso raro de dedicação ao trabalho, no seu caso, sinônimo de música.

Tua casa sempre foi um ambiente musical? Sempre teve um trio de forró? Com certeza! Eu acordava com o som da sanfona do meu pai tocando e contando histórias do meu avô, que também tocava, que era um bom sanfoneiro, naquela época tocava sanfona de botão. Ele era praticamente o braço direito de meu avô. Onde meu avô tava, ele tava junto, tocando. Então, ele contava muito essa história pra gente, sempre tocando junto, e botava o vinil pra tocar chorinho, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, sempre foi isso. A gente o acompanhava, tocando. Eu comecei tocando triângulo. Então era mais ou menos isso, a gente sempre esteve junto ali. Sempre teve um trio. Inclusive tá se formando um agora, que tem dois sobrinhos, que um é sanfoneiro, outro toca zabumba, e já nasceu outro: com certeza vão formar um trio de [forró] pé de serra.

Sempre teve o encorajamento a seguir carreira de músico ou em algum momento teu pai desencorajou por certo preconceito que ainda possa haver contra músicos? Não. Lá em casa, nunca, ninguém… Minha mãe, sim, sempre, “Ó, estudo na frente da música”. Ela incentivava muito a gente, “vai estudar, vai estudar sanfona, vai estudar o teu instrumento”. A gente brincava demais, principalmente eu, então ela sempre pedia, meu pai também, pra que eu estudasse meu instrumento. Na verdade nunca teve ninguém que dissesse “eu acho que esse não é o rumo certo”, sempre foi encorajando mesmo.

Desde pequeno você tinha vontade de aprender sanfona ou durante algum tempo achava que era um instrumento démodé? Como é que foi tua escolha pela sanfona? Foi intuitivo, uma coisa que eu nunca imaginei, nunca pensei que fosse ser. Tocava triângulo, gostava de tocar, acompanhar meu pai, ouvir as músicas, mas nunca pensei nem em pegar no acordeom. Mas um dia eu peguei, e ao mesmo tempo em que peguei derrubei, então já se tornou aquela coisa traumática, “não pegue mais”. Aí eu participei de um grupo pé de serra com um tio meu que tocava sanfona também, Nunes do Acordeom. Lá tinha muita sanfona pequena e tinha um primo que tocava sanfona também, Ronaldo, eu olhava ele tocando e achava bonito, então partiu dali aquela vontade de também querer. Depois de eu ter derrubado a sanfona de meu pai, eu disse “rapaz, essa daqui eu não pego mais”, ele já tinha brigado, não ficou zangado, “olha, tem cuidado!”. Então eu fui lá, na casa do meu tio, comecei a pegar, a sanfona era menor, então mais leve, e comecei aí, meus primeiros acordes.

Com quantos anos? Sete anos, quando eu comecei a dar meus primeiros acordes mesmo, Asa branca [Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira] como sempre, já foi na mente, é a primeira coisa que a gente escuta, a melodia tava na cabeça, e foi na intuição mesmo.

Você nunca seguiu outra profissão, nunca estudou outra coisa, sempre música? Sempre música. A gente nunca teve outra profissão, eu nunca tive, meu irmão, minha irmã, sempre música na nossa cabeça e levando como profissão mesmo.

Isso já responde uma pergunta que a gente faz para todos os entrevistados: você vive de música? Vivo de música. A minha vida toda, tudo o que eu tenho hoje foi a música que me deu.

Quem foram os teus mestres? Teu pai parou para te ensinar? Ele não parou pra me ensinar, tipo “ó, Rui, acorde tal, solo tal”, mas ele parava para me educar musicalmente. Quando eu tocava uma música e fazia alguma coisa errada, ele dizia “não é por aí, a nota é essa, o dedo é esse”, o ensinamento dele foi mais esse. Tenho um irmão mais velho, por parte de pai, que chegou a me ensinar alguns solos, passar algumas coisas, e já com 11 anos comecei a pegar aulas com Eliézio do Acordeom. Passei um ano com ele, meu pai conseguiu falar com ele e pediu que ele me passasse uma coisa a mais.

Vamos fazer um parêntese antes de continuar: pra ti o que significa Eliézio enquanto acordeonista? Pra mim um mestre do acordeom. Um cara incrível que chegava lá em casa e mostrava tudo o que sabia. Uma pessoa por quem tenho admiração, meu pai principalmente. Às vezes ele chegava quatro da manhã lá em casa e a gente tinha que acordar pra recebê-lo. Mas por que isso? Pela admiração que a gente tem por ele, pelo privilégio de tê-lo lá em casa, perto da gente. Meu pai fala que aprendeu muito com ele, só no olhar, só de vê-lo tocando.

Quem conhece Eliézio e te vê tocando percebe traços da sofisticação. É impressionante como a gente percebe aquele requinte que ele tem. Ele foi o cara em que eu me inspirei, me espelhei. Eu sempre busquei isso, sempre quis estar perto dele.

Você teve outros professores? Tive, mas na área harmônica, mais pra parte de teclados, Silvano, Jecivaldo, apesar de ser guitarrista, Israel Dantas, mais a parte teórica.

Você estudou na Escola de Música? Passei um ano lá, mas não deu para conciliar com o trabalho. Fiz um ano com Zezé Alves [flautista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] e a professora Kátia [Salomão, violoncelista].

Parece um caminho meio natural, quem toca sanfona tocar teclados, piano. Você tem preferência por um instrumento ou por outro? Eu digo que meu grande amor é a sanfona, e a paixão é o piano, devido a harmonia, a delicadeza que o piano tem, o sentimento, que a sanfona também com certeza tem. Minha preferência é o acordeom, foi ali que eu comecei. Se me perguntarem se eu considero sanfoneiro ou pianista, com certeza sanfoneiro.

Como foi o início de tua carreira em São Luís? Você participou de grupos, além do Choro Pungado? Quando pequeno, participei de um grupo chamado Trio Mirim, que era desse meu tio, Nunes do Acordeom. Depois a gente foi crescendo e virou Ronaldo e seus cabra. Teve outro grupo que eu participei, esse já tocando sanfona, antes eu tocava triângulo e cantava, o Pimenta de Cheiro. Daí por diante, meu pai começou a trabalhar com alguns artistas daqui, mas ele não se adaptava, não se sentia bem, e me colocou. Eu comecei praticamente com Gabriel Melônio, aos 13 anos de idade. Depois as pessoas foram vendo, ligando, aí eu comecei a participar de quase todos os shows de artistas daqui.

Hoje tu tens a agenda sempre muito cheia, és o preferido de 11 a cada 10. [Gargalhadas]. Sempre muito cheia, graças a Deus! A gente se empenha, eu me empenho muito pra fazer um bom trabalho.

Além de instrumentista, você desenvolve outras habilidades na música? Como eu montei um home studio, eu tive que me empenhar em arranjar músicas, então eu tou correndo atrás disso, desse lado arranjador. A parte mais difícil da música é essa: ali é sua identidade, sua assinatura. Eu tou estudando pra desenvolver esse lado. O lado compositor ainda não consegui encaixar. Eu acho difícil compor. Qual a área que você vai? Chorinho, forró, baião, jazz. Eu tou buscando o elemento crucial pra poder compor, pra diferenciar, uma linha.

Mas a gente tem ouvido coisas tuas, o Baião de doido [música de Rui Mário gravada pelo Choro Pungado em um disco demonstrativo do grupo]. O Baião de doido eu fiz como tema para abertura de um show do [cantor e compositor] Chico Viola. Então eu fiz aquele início e começou dali, “dá pra terminar”, comecei a desenvolver.

Você se considera um chorão? Não. Eu me considero um admirador do choro. Chorão, eu imagino assim, aquele cara que vivencia, onde tem choro, tem que estar lá, onde está a turma do choro tem que estar junto. Eu não sou desse jeito, eu sou muito caseiro. Eu não me considero chorão por isso.

Um momento muito importante do choro recente aqui no Maranhão é o Choro Pungado. Você se saiu com bastante desenvoltura e competência entre os chorões. Ali foi um tempo muito bom, eu acho que aquela época do Clube do Choro [Recebe] a gente gostava de estar ali, o público prestava atenção. O mais gostoso era isso, você fazia e tinha a resposta do público. A gente se empenhava, estudava.

No Brasil a sanfona, sobretudo depois de Luiz Gonzaga, ficou muito atrelada ao forró, a ritmos nordestinos. A gente conhece um episódio envolvendo o Radamés [Gnattali, maestro e pianista gaúcho] e o Chiquinho [do Acordeom, que depois viria a integrar grupos de Radamés], de início por certo preconceito de Radamés com a sanfona, por não gostar do som do instrumento, por achar que a sanfona não era instrumento de choro, superado depois que ele ouviu Chiquinho tocar. A gente te ouvindo em disco ou em show, percebe que tua sanfona cabe em choro, [bumba meu] boi, rap, no que vier. Você já sofreu algum tipo de preconceito por conta do instrumento? Não. Inclusive eu mesmo já fui um que disse, em determinada ocasião, que achava que a sanfona não cabia ali. Mas o cara por querer, por achar bonito o som do instrumento, insistiu. E tava certo. A sanfona é um instrumento universal, cabe em qualquer tipo de música.

Você já tocou em discos de Cesar Teixeira [compositor, Shopping Brazil, 2004], Josias [Sobrinho, compositor, Dente de ouro, 2005], Lena [Machado, cantora, Samba de minha aldeia, 2010], Gildomar [Marinho, compositor, Olho de boi, 2009], Joãozinho [Ribeiro, compositor, o inédito Milhões de uns, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo em novembro de 2012], quer dizer, grandes compositores, grandes intérpretes. O que significa, pra ti, participar destes registros? Ah, eu fico muito satisfeito, por que você trabalha pra ter um espaço e ser reconhecido. Quando pessoas desse nível te chamam para participar de um cd, você percebe que o seu empenho, no seu instrumento, na música, deu certo, você tira por esses chamados. Eu me sinto orgulhoso, fico muito satisfeito.

Tem algum disco preferido entre os que você já participou? Eu gosto muito daquele cd do Cesar Teixeira, gosto muito dos arranjos. Outro cd que eu gosto muito, uma coisa mais moderna, é o da Lena, esse último, arranjado pelo Luiz Jr., bem moderno. São dois cds que eu gosto muito.

Tem algum artista com quem tu gostaria de tocar em show ou disco e ainda não o fez? Tem um artista que esse ano, eu tava correndo atrás, era o Papete. Esse ano eu tive a honra de tocar com ele no São João, e participar do disco dele [Sr. José… de Ribamar e Outras praias, 2013].

Rui, uma vez você recebeu um elogio de Dominguinhos… Ah, isso foi… [emocionado] Eu estive com Josias Sobrinho em Porto Alegre, um festival do Sesc, algo assim, um evento do Sesc, e a gente encontrou lá com Dominguinhos, uma pessoa humilde, conversou com a gente, a gente passou o dia no hotel conversando. Quando foi no dia do show, a gente tocou antes dele, foi quando ele entrou, tocou três, quatro músicas, e ele me anunciou lá: “rapaz, aqui nesse evento tem um pessoal do Maranhão, e tem um sanfoneiro que tá com eles, filho de um amigo meu, Raimundinho, lá do Maranhão, que tá tocando muito bem, e eu vou chamar ele aqui pra tocar uma comigo”. Eu fiquei sem chão. Foi bom demais, lembrei demais do meu pai, queria que meu pai estivesse lá. Foi emocionante.

Qual a importância do choro, na tua opinião? Como você percebe o choro? Qual o papel que o choro cumpre na música brasileira instrumental? O choro, na minha vida, fez e faz parte da minha formação musical. Eu considero o choro um estilo musical que exige muito do instrumentista. Em todos os aspectos, o cara tem que ter muita velocidade, percepção, improviso, então, o choro é a raiz da nossa música brasileira, é o princípio. É um estudo, um aprendizado, uma escola.

Você tem acompanhado o desenvolvimento do choro no Brasil hoje? Percebe diferença nessa nova geração? Com certeza! Uma mudança incrível! Um nível jazzístico, apesar de o choro ser mais antigo, uma praia diferente. Eu aceito isso por que traz novos músicos, pessoas jovens a gostar do choro. Concordo com essa mudança, abrindo mais.

Durante muito tempo o acordeom sofreu preconceitos, como já abordamos. Hoje ele ganhou mais autoestima, mais juventude? Sim, mais juventude. Acho que a tecnologia ajudou muito. Antigamente a gente não via quem tocava, quem tava se destacando. Hoje em dia muitos jovens tão tocando, “poxa, esse cara tá tocando muito”, aí as pessoas se dedicam.

Quem são os grandes nomes do acordeom no Brasil hoje que a gente tem que ouvir? Primeiramente Dominguinhos. Aí Sivuca, Oswaldinho… O engraçado de Oswaldinho, apesar de eu ouvir muito Dominguinhos quando criança, o Dominguinhos mudou a história do choro, ele pegou a linha do choro e passou pro baião, ele criou isso; ele sempre foi muito mais tema, aquela coisa mais elaborada. Oswaldinho fazia o tema, mas no meio da música ele improvisava. Quando eu pegava o vinil para ouvir, era sempre primeiro o Oswaldinho, pra poder escutar o improviso dele.

E dessa nova geração de acordeonistas, quem te chama a atenção? Cesinha, Mestrinho, Chico Chagas. Linhas diferentes. Cesinha e Mestrinho a mesma linha de Dominguinhos, já o Chico Chagas, uma coisa mais clássica, mais pro [Toninho] Ferragutti.

Em que linha tu te encaixarias? Ainda não me achei [gargalhadas]. Eu gosto muito do clássico, eu corro muito atrás disso, talvez por escutar muito Sivuca, mas também amo Dominguinhos, e tento buscar um pouco ali dele. Eu tento mesclar.

E do choro? Escapando do fole? Aponta um nome da antiga e um da nova geração que te faz parar para ouvir com prazer. Ernesto Nazareth. O acordeonista Orlando Silveira, muito bom também. Da nova geração o Hamilton de Holanda, o Trio Madeira Brasil.

E o choro no Maranhão, como é que tu tens observado? Com Hamilton de Holanda, como ele modificou um pouquinho o choro, isso atrai os jovens para essa área, pro choro. Eu acredito que tem crescido, nós temos Robertinho [Chinês, bandolinista e cavaquinhista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista], tem o grupo do Wendell, o Quarteto Cazumbá. Eu acredito que se aqui tiver mais incentivos, vai pra frente.

Como é tua relação com as tecnologias, seja operar softwares no estúdio, seja, por exemplo, e-mails, redes sociais, a internet em geral para divulgar teu trabalho? A tecnologia eu uso mais para trabalho. Eu tento me sair o máximo dessa tecnologia de rede social, de colocar minha imagem para todo mundo ver, eu sempre fico muito apreensivo com isso. É claro que eu uso, eu tenho que usar. Você arruma contratos para trabalhos, eu corro mais atrás disso do que [expor] a minha vida pessoal.

Os músicos em São Luís se ressentem da falta de um palco, depois do Clube do Choro Recebe. Como você enxerga o mercado para o músico em São Luís, sobretudo para quem toca na noite? Acho que cresceu. Antigamente você não via os bares com música ao vivo, inclusive com músicos daqui. Era muito difícil. Apesar de a música não ser “a” música, mas acho que cresceu o mercado pro músico aqui no Maranhão.

Se você tivesse que eleger um músico maranhense? Posso dizer meu pai? Meu pai eu admiro demais. Ele não teve o que a gente tá tendo. Tecnologia realmente. Antigamente era rádio. Tocava uma música uma vez numa rádio e ele já tinha que pegar. Ele não pergunta. Ele aprende ouvindo. É um músico indo e voltando, autodidata, improvisador, é uma coisa dele mesmo.

Além dele, algum outro? [O contrabaixista] Mauro Sérgio, um cara que se destacou nacionalmente, [o violonista] Luiz Jr., Robertinho Chinês e [o guitarrista] Israel Dantas são os caras que eu admiro.

Chorografia do Maranhão: Zezé Alves

[O Imparcial, 9 de junho de 2013. Cá no blogue um tantinho maior

Oitavo entrevistado da série Chorografia do Maranhão, Zezé da Flauta tornou-se Zezé Alves e investe na formação para a continuidade da cena.

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Estavam enganados os que pensavam que uma cirurgia cardíaca diminuiu a atividade e/ou a intensidade musical de Zezé Alves: ele apenas mudou o foco, trocando os palcos pelas salas de aula. Trocando, não, que o professor já dava aulas enquanto o artista apresentava-se nos bares e bailes da vida.

É o próprio músico, nascido no Maracanã, em São Luís, em 8 de dezembro de 1955, “dia de Nossa Senhora da Conceição”, ele emenda à data, quem faz a distinção entre o Zezé Alves de hoje e o Zezé da Flauta de outrora. Filho do paraibano José Alves da Nóbrega e da doméstica Inês Alves da Costa, ele chegou a morar em Bacabal, onde lembra de ter ouvido choro pela primeira vez na vida, ainda criança: “Palito, mestre Palito, José de Brito, que era dono de um conjunto em Bacabal. Saxofonista, dono do Brito Som Seis. Chegou a ser um dos maiores do nordeste. Era meu vizinho, morava de frente a minha casa. Eu saía, chegava na porta, ele estava tocando Saxofone, por que choras? [de Ratinho].

Sua mãe “fazia aqueles reisadinhos, aqueles autos, tocava cabaça, gostava muito de cantar, talvez esta seja a origem familiar”, afirma, sobre sua musicalidade. “Sempre fui muito musical”, continua. “Quando comecei, criança, eu cantava, eu era cantor, cantava Waldick Soriano. Talvez a coisa da minha musicalidade seja a seguinte, tem uma história muito interessante. Quando eu era criança eu era muito fraquinho das pernas, cheguei a ir a médicos, tomar remédios, pra ficar mais forte. E tinha um rádio e eu ficava sentado debaixo desse radio, num caixotezinho, um banquinho, um tamborete, ouvindo todas as músicas do rádio da época, da década de 1950, virando pra 60, Orlando Silva, Waldick Soriano, eu repetia todas essas músicas”, começa a contar antes mesmo da primeira pergunta.

Além de flauta, Zezé toca violão, para compor e estudar harmonia. Depois de ter ajudado a formar muitos músicos que hoje tomam conta da cena local, o professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo considera-se uma espécie de “Bota pra Moer”, apelido de Antonio Lima, folclórico personagem ludovicense que carregou uma bandeira numa passeata contra o governador Eugênio Barros, em 1951. “Até aqui eu vim, mas daqui pra frente arranjem outro que seja mais doido do que eu”, teria afirmado, conforme relata Lopes Bogéa no raro Pedras da Rua (1988).

Zezé Alves recebeu os chororrepórteres em casa. Isto é, na Sala Leny Cotrim Nagy, na EMEM, a mesma que serviu de cenário para uma das fotografias do encarte de Choros Maranhenses, disco de estreia do Instrumental Pixinguinha. Estudantes de música em aula em duas salas contíguas garantiram a boa trilha sonora da conversa.

Além de músico, qual a tua outra profissão? Eu fui criado por outra família e essa família não queria que eu fosse músico, pois o pai desse pai que me criou não se deu bem, era saxofonista. Eles não queriam, eu tive que sair de casa. Eu comecei a tocar, tocar mesmo, com 22 anos já. Mas eu só vivia cantando. Na realidade me formei em contabilidade, sou contador, técnico em contabilidade. A outra profissão seria essa, por que eu trabalhei com meu pai por muito tempo num comércio, eu sei muito de comércio.

Você exerceu a profissão? Não, não exerci a contabilidade. Mas trabalhei junto no escritório dele muito tempo, ajudava nessa área. Aqueles irmãos do Six [o cavaquinhista Francisco de Assis Carvalho da Silva] eu conheci todos do Banco do Brasil por que eu ia pagar as duplicatas do comércio do meu pai e os via lá.

Quando tu falas que começaste a tocar com 22 anos, isso tu falas profissionalmente? É, por que eu cantava, eu já arranhava um violãozinho, tocava Eu só quero um xodó [de Dominguinhos e Anastácia, sucesso na voz de Gilberto Gil], tocava flauta doce, pra cima e pra baixo, pra cima e pra baixo [repete enfatizando]. Quando chega em 77, em 76 eu saí de casa, em 77 é que aí eu digo que é o meu marco: eu participei de um show chamado Boca do Lobo, de [o compositor] Sérgio Habibe. Esse show foi o primeiro com características de show, com banda, com [o violonista] Joaquim Santos, [o compositor] Ronald Pinheiro, e eu na flauta começando. Por que na realidade, meu professor de música, meu primeiro mestre de música, é o Sérgio Habibe, é meu mestre mesmo! Quando [o violonista] João Pedro [Borges, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013] volta à São Luís, em 97, eu já o conhecia, ele de certa forma passou a ser o meu mestre, me convidou para trabalhar no Musiceuma junto com ele, aí foi que eu comecei a reforçar mais a ideia de ser educador musical. Ele reforçou isso. Eu comecei essa carreira, de 77 pra cá, comecei no show dele [de Sérgio Habibe], ele trouxe uma flauta do Rio de Janeiro, daqui a pouco eu tava tocando com todo mundo. Eu é que fui o “Bota pra Moer”, até enquanto surgiu o [flautista João] Neto, Paulinho, Lee Fan. O que eu quero agora é a função de educador. Até por que eu gosto de ensinar, sempre gostei de ensinar, eu ficava dando aula em mesa de bar [risos].

Se tu pudesses citar três músicos que foram bem influentes pra ti, do começo até agora… Palito foi o primeiro cara que eu ouvi tocar. Mas, claro: Sérgio Habibe, Chico Maranhão e João Pedro Borges. Por que Chico Maranhão também influenciou muito na minha vida, estive em São Paulo, acompanhando-o no Lances de Agora [1978]. As pessoas às vezes dizem [imita um cochicho] “ah, por que Chico Maranhão é um cara chato” [volta ao tom normal], quem é amigo dele não acha. Eu sou amigo dele, de ele ligar “vem comer aqui um tabule comigo”.

Esses três nomes que tu citaste, de João Neto, Lee Fan e Paulinho, seriam os nomes de destaque, na flauta, hoje, no Maranhão? Sim, sim. A gente não pode negar o Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013], o grande Serra, pelo tempo, pela história dele, aquela qualidade que ele tem de tocar, lembrando Copinha, lembrando Carrilho, inclusive o Sérgio me disse isso uma vez, “Zezé presta atenção, toca igualzinho”.

Você vive de música? Vivo de música como professor de música. Sou funcionário do Estado e hoje, depois de uma pós-graduação, estou professor substituto na UEMA. Como instrumentista, o que eu ganhava era pra pagar a passagem no outro dia e tomar uma e tal. Então, sobrevivo de música, como professor, dou aulas particulares.

Tu tens uma preocupação muito grande com o registro da obra de chorões, seja no disco [Choros Maranhenses, de 2006] do Instrumental Pixinguinha, seja no Caderno de Partituras [2012]. A gente percebe que o registro ainda é uma fraqueza, mesmo com todas as tecnologias hoje disponíveis. A que tu creditas essa pobreza de registro? O pouco registro se deve a certo descaso nosso mesmo. Nós admiramos muito o que é dos outros, muita besteira. Se você ver pessoas como Cleômenes [Teixeira, compositor], Tomaz de Aquino, eram grandes professores, saxofonistas, mas não houve nenhum registro. As condições técnicas não havia, agora é que estão surgindo gravadoras com nível, mas na década de 70 não havia onde, edição de partituras era raridade. Agora é que a Escola de Música vai ter um banco de partituras, quer dizer, quase 40 anos depois [da fundação da EMEM]. O Rabo de Vaca foi um grupo que eu sempre disse que é uma escola, muita gente passou por ele: Ronald Pinheiro, [o compositor] Josias Sobrinho, [o compositor] Beto Pereira, [o contrabaixista] Mauro Travincas, todo mundo passou, mas tem pouco registro. Josias deve ter uns k7s. A gente não ligava para registrar, não havia recursos tecnológicos, nem apoio.

O Rabo de Vaca foi importante para o desenvolvimento da música do Maranhão. De que outros grupos você participou? O mais importante foi o Rabo de Vaca. O Rabo de Vaca é a cabeça de Josias. Ele tinha saído do Laborarte e eu entro no Laborarte, era muito amigo de Nelson Brito [ator e diretor teatral, ex-diretor do Laborarte], que trabalhava numa loja de discos de um tio dele, tava todo mundo debandando, e havia um departamento de artes, eu entrei, o período em que fiquei no Laborarte, Josias saiu, mas o [a peça] Cavaleiro do Destino ainda estava sendo encenado. Eu entrei para tocar violão nas peças. Em outubro [de 77] o Aldo Leite monta uma peça chamada Os Saltimbancos, e se não me engano, foi o segundo lugar em que foi feito com músicos ao vivo. No Rio de Janeiro era feito com músicos, depois no Maranhão. Nos outros lugares era playback. Na do Maranhão o Aldo Leite convidou Josias, “monta um grupo”, e se fez ao vivo. Josias convidou Beto Pereira, Mauro Travincas, acho que [o percussionista] Manoel Pacífico e Vitório Marinho, um cara que pouca gente fala, um moço cego que tocava violino. A gente tinha público. Foi um grupo muito importante para a música maranhense. Depois disso, Beto Pereira fez um grupo para tocar música maranhense em barzinhos, tocou muito, o Amor de Canela, era eu, [o percussionista] Carbrasa, Mauro, [o percussionista] Jeca e Beto, o banda líder [aportuguesa o band leader]. E no Maçaroca [1986], disco dele, ele gravou uma música nossa [Campo Cidade, parceria de Zezé Alves e Paulinho Lopes]. Depois teve outro grupo, eu, Omar Cutrim, Fazendo Mel, que era uma música dele…

E o [Instrumental] Pixinguinha? Aí sim, aí é que vem o Pixinguinha. A gente já era professor da Escola de Música, eu, Marcelo [Moreira, violonista], [o bandolinista] Raimundo Luiz, quando [Francisco] Padilha chegou, começou a ser diretor da Escola, teve essa ideia, junto com Marcelo, que era carioca, a escola precisava criar um núcleo de música popular, criaram a Big Band junto com Tomaz e Marcelo encabeçou, de certa forma, a criação de um grupo de choro. Por que um grupo de choro? Por que é a nossa música, com raiz no samba. Por que Instrumental Pixinguinha? Por que foi o maior arranjador e não sei o quê e não sei o quê. O Instrumental Pixinguinha vingou, tocamos em muitos lugares, fez um trabalho belíssimo, aquele cd, Choros Maranhenses, pioneiro, que esse caderno [aponta para o Caderno de Partituras] é uma continuidade dele, aqueles dez choros e mais alguns. Pra não falar dos compositores que eu acompanhei. Com [o cantor, compositor e violonista] Chico Nô e Lazico [o percussionista Lázaro Pereira] a gente teve um trio chamado Trio Tom, tocávamos Bossa Nova, é outro grupo de que participei. Toquei muito no Cacuriá de Dona Teté. De início era só caixa, depois tiveram a ideia de botar flauta, depois eu fiquei tocando, viajei o Brasil todo por conta do Cacuriá de Teté.

E atualmente? Atualmente eu sou titular, fundador do Pixinguinha. Emérito [risos]. Atualmente o que eu quero mesmo é essa coisa de educador musical.

Quando tu começaste a dar aulas na Escola de Música? Essa coisa da Escola de Música é interessante. Teve um governo, na época da Olga Mohana, ela foi ao Rio de Janeiro, e alguém escolheu para ela, uma porção de professores. Estes professores moravam no Seminário Santo Antonio, ela era irmã do padre João Mohana. Os caras ganhavam uma grana, na época coisa de 10 salários mínimos. Nós tivemos Watanabe, grande violinista, Emanoel Martinez, hoje regente do coral de Curitiba, Mércia Pinto, Cidinho Ornelas, então foi um naipe incrível. De repente foi todo mundo embora. Dessa leva o cara que ficou e hoje é uma figura importante é o Marcelo Moreira. Quando Padilha chega, pegou os alunos mais avançados e transformou em professores. Era eu, Raimundo Luiz e alguns outros.

Uma das críticas recorrentes à Escola de Música é a erudição, o distanciamento da pulsação de São Luís, uma coisa mais de cultura popular. Isso parece que vem sendo equacionado nos últimos anos. Vem sim. A Escola, quando ela foi lançada, na época da professora Olga, ela foi pensada nesses moldes, de formar músicos de orquestra. Ela era meio mãe, e dizia “tu vai estudar viola e tu vai estudar piano”, ela era quem dizia. Por um bom tempo ela ficou nisso, ficou nessa insistência. A primeira aluna formada aqui, grande pianista, com [o então governador do estado] João Castelo entregando diploma e tudo, foi a professora Rosimary Fontoura. Hoje em dia se forma muito aluno na área popular, violonista, baterista, cavaquinhista. Quando chega a música popular na escola, que é quando a direção chama Jayr [Torres] pra dar aula de guitarra, Diógenes pra dar aula de contrabaixo, Jeca chegou a dar aula de percussão, abriu concurso, hoje em dia Rogério Leitão é professor de bateria da casa. Essa vertente, chamada núcleo de música popular, ainda hoje em formação, com isso a escola se tornou uma coisa mais popular, encheu. O Jayr Torres faz toda sexta uma coisa chamada Sexta Musical, Sexta Jazz, enche. 90% dos alunos da escola são evangélicos. Isso mudou, se não a escola estaria do mesmo jeito.

Tu tocaste em alguns discos importantes, como Lances de Agora, Pedra de Cantaria [disco coletivo gravado em Belém, reunindo diversos compositores maranhenses, entre eles Chico Maranhão, Josias Sobrinho e Giordano Mochel], Maçaroca, Choros Maranhenses. Eu queria que tu lembrasses outros discos que têm tua flauta. O de Fátima [Passarinho, Voos, 2007] eu fiz uma flauta lá. Com Joãozinho Ribeiro eu participei daqueles shows do Samba da Minha Terra [temporada de 18 shows em bairros ludovicenses produzida por Vanessa Serra] e agora da gravação do Milhões de Uns [estreia de Joãozinho Ribeiro em disco, gravado ao vivo no Teatro Arthur Azevedo, a ser lançado em breve], em que ele gravou uma parceria nossa [a música Rua Grande, interpretada por Lena Machado]. De Sérgio eu nunca toquei em nenhum disco dele, ele gravava quase tudo no Rio. Fiz pontas em outros.

O que é o choro pra ti? Que importância tem para a música feita no Brasil? A visão que eu tenho é a que todo mundo tem: o choro como raiz dessa música popular urbana. Tem essa história toda que vocês já conhecem, da década de 30 pra cá, com Noel Rosa, com Pixinguinha. Como raiz dessa música, a mistura do batuque com a música que veio com o colonizador europeu, que criou a escola nacional, tocaram juntos com os músicos que vieram nas caravelas, e daí, teve o momento de renascimento, a partir do momento em que os caras vão estudar em Berkeley, depois a chegada da Odete Ernst Dias, que é uma mãe de todos os flautistas. O choro, a importância dele é inconfundível, inegável. Tem que estudar o choro para compreender a música brasileira. Aquela máxima de que tudo é choro, de repente vale, tudo é choro, tudo é baião. Luiz Gonzaga quando chegou no Rio, chegou tocando choro. Aliás, Gonzaga é nosso primeiro músico pop.

Como tu observas o choro hoje? Já está começando a se universalizar. Já está tendo outras influências, já estão fazendo choros mais modernos. Se você pegar o [violonista] Guinga, já faz choros mais elaborados, com a influência do jazz – Influência do Jazz [Carlos Lyra] é o nome de uma música da bossa nova [risos] – ele não tá parado, ele tá evoluindo. A pessoa hoje em dia já não estuda choro só pra tocar choro como antigamente. Ele está enriquecendo. O cara pega, estuda, vai atrás, vai fazer uma boa música.

Que nomes tu destacarias nessa cena? Gostei muito do [saxofonista] Eduardo Neves. Alguns que eu nunca mais ouvi falar, mas são muito interessantes, o [saxofonista] Zé Nogueira, o [saxofonista Mauro] Senise, assim, que eu conheço mais. Atualmente, que eu conheço, o Guinga, que a gente pode considerar um cara do choro. Tem aqueles já mais tradicionais, [o trombonista] Zé da Velha, [o trompetista] Silvério Pontes. É tanta gente que não dá para dizer um ou dois só, tem muita gente fazendo choro.

Tu disseste que tua obra como compositor é pequena. Saberias precisar em números? Quantas composições? Ah, poucas. Por que na realidade eu fiz esse choro, Candiru [parceria com Omar Cutrim gravada em Choros Maranhenses], tenho duas músicas só, mais, assim. O resto tudo tá no baú, eu toco quando me lembro. Choro é só essa. O resto são baladas, são músicas seis por oito. Com Paulinho Lopes eu tenho umas coisas que nunca foram gravadas.

Independentemente de compor choro, tu te consideras um chorão? [Pensativo, demora a responder] Não. Não. Essa resposta é meio doída, mas eu não me considero um chorão, não. Por que eu me interessei pelo choro quando foi criado esse grupo que eu tive que aprender a tocar, a mergulhar. Por que com o Rabo de Vaca eu tocava era os bois da gente, os baiões, frevo, xote, xaxado. Quando era criança, o primeiro cara que eu ouvi tocando Saxofone, por que choras?, mestre Palito, todos aqueles discos de Pixinguinha, Altamiro Carrilho na banda do Palhaço Carequinha, tudo aquilo eu ouvia.

Como tu observas o atual momento do choro no Maranhão? O choro no Maranhão, se for pegar na raiz, a gente tem sempre os antigos, por que eles tocavam choro mesmo, todo mundo tocava, tocou-se muito choro. Se você pegar, todo mundo, Cleômenes, Palito, seu Raimundo Amaral. Aqui em São Luís, a referência que eu tenho é o [Regional] Tira Teima, é Ubiratan [Sousa, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi. O Pixinguinha foi o segundo grupo. Depois do Tira Teima e do Pixinguinha, não demorou muito, o Pixinguinha reinou um pouco, aí começaram a surgir, por exemplo, o Chorando Callado, com Tiaguinho [o saxofonista e clarinetista Tiago Souza], hoje tem Wendell [Cosme, bandolinista e cavaquinhista], que tá um figura, indo gravar em Brasília, São Paulo, tem esse menino do bandolim, o Robertinho Chinês [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], tem o João Eudes, os filhos de Osmar, tem Osmar [do Trombone], que eu fico muito feliz por ele, foi visitar o filho, os colegas adoraram, ele virou estrela, está gravando o disco lá em Minas. Quer dizer, continua aquela coisa, Clube do Choro sem sede, o povo se reunindo aqui, aqui, ali, mas tem uma geração boa tocando. Meus alunos, quando eu falo, dou o caderno pra todo mundo, “ah, tocar choro” e tal. Tá todo mundo tocando choro.

Nesse processo de pesquisa para o Caderno de Partituras, quais foram as principais dificuldades? Não houve muitas dificuldades. As 10 partituras do disco eu já tinha. Minha ideia foi recolher mais uma de cada. Eu editei, fui nos autores pra corrigir. Escolhi algumas que achava muito importantes. Cesar Teixeira não podia deixar de ter. Algumas partituras eu escrevi, mas a maioria os autores já me deram.

Quem são os teus compositores preferidos da música popular no Maranhão? Aí vão entrar as paixões. A ordem é aquela mesminha: Sérgio Habibe é um cara maravilhoso, o Chico, Josias, tem um cara que eu tenho lembrado muito dele agora, por causa dessa história do Bandeira de Aço, que é o Mochel. Cesar Teixeira inegavelmente, tem características muito próprias, de samba, tem aquela consciência política dele muito forte. É um cara muito especial.

Quais os teus próximos projetos no campo da música? Me aprofundar mais. Fazer um mestrado, se der. Aprofundar.

Qual é a diferença entre o Zezé da Flauta e o Zezé Alves? O Zezé da Flauta surgiu a partir do momento em que eu peguei uma flauta e comecei a tocar em shows, com todo mundo. É a história do “Bota pra Moer”, eu chegava e o pessoal, “olha Zezé!”, e eu onde chegava tirava, e tocava, de graça, toquei muito, tava aprendendo, toquei muito romanticamente. Esse é o Zezé da Flauta. O Zezé Alves é o educador, que começa a racionalizar mais as coisas. Todos dois são legais [risos]. As pessoas me chamam de Zezé da Flauta, gente que me reencontra depois de não sei quantos anos. As pessoas que me conhecem hoje já me chamam de Zezé Alves.

Essa distinção entre um Zezé e outro tem a ver com o consumo de álcool? Não. Por que Zezé Alves ainda bebeu pra poxa [risos]. Todo mundo que passa por essa cirurgia do coração muda muito. Eu acho que é por que o cara vai lá e volta [risos]. Mas não tem a ver não.

Você vê algum futuro para o choro no Maranhão? Não só para o choro. Teu programa [o Chorinhos e Chorões que Ricarte Almeida Santos apresenta aos domingos, às 9h, na Rádio Universidade FM, 106,9MHz], uma iniciativa como a do Alê Muniz, lembrar os 35 anos de um disco [o show em que o projeto BR-135 homenageou o Bandeira de Aço no Teatro Arthur Azevedo]. A música do Maranhão precisa se organizar. Elizeu Cardoso, Bruno Batista, há uma moçada nova muito boa, são mais organizados. A gente era mais romântico.

Tu hoje estás mais concentrado na função de professor. Mas o que te tiraria de casa para um palco ou um estúdio? O convite de grandes amigos, participar de um projeto interessante, com minha turma. Mas mesmo para pessoas de hoje eu não me nego. É só me ligar e marcar que eu vou.

Chorografia do Maranhão: Robertinho Chinês

[Mais uma entrevista com “bonus track”; essa saiu um pouquinho menor nO Imparcial de 28 de abril de 2013]

Robertinho Chinês foi saudado como garoto prodígio do cavaquinho e bandolim ao tocar, de igual pra igual, com grandes mestres do choro no Maranhão. Detalhe: o quinto entrevistado da Chorografia do Maranhão acabara de deixar a infância 

 

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Robertinho ou Robertão? Eis uma pergunta que Chorografia do Maranhão não fez a Jorge Roberto da Silva dos Reis, revelado há alguns anos como garoto prodígio do instrumento que deu sobrenome a mestres como Carrapa, Índio, Jair, Juca e Zeca. Tinha de 13 para 14 anos quando começou a frequentar as rodas do Clube do Choro Recebe. Não demorou muito a enveredar pelo bandolim de mestres como Evandro, Jacob, Reco e Ronaldo, para ficarmos também naqueles a quem o instrumento deu sobrenome artístico.

Robertão ou Robertinho?, vice-versa, a pergunta não feita se justificaria: Robertinho, o diminutivo de seu nome de batismo, o nome artístico herdado do sobrenome artístico do pai; Robertão por sua estatura: 1,92 de altura. O talento e o discernimento e a modéstia, faltam fita ou régua pra medir – Robertinho conversa feito gente grande (e aqui não estamos falando da altura física).

Nascido em São Luís em 16 de setembro de 1993, Robertinho Chinês é filho da assistente social Nivalna Justo da Silva e do contabilista Rosanil Carlos dos Reis, percussionista do grupo Espinha de Bacalhau, mais conhecido no universamba da Ilha por Chico Chinês, uma das grandes influências e incentivadores do filho.

Robertinho Chinês não bebe nada alcoólico – ao fim da conversa secou uma garrafa de água. Conversou com os chororrepórteres no Bar do Léo, que tem seu disco no vastíssimo acervo. Feitiço da vila, de Noel Rosa e Vadico, foi a música que o garoto escolheu para encerrar a conversa em uma tarde de sábado chuviscosa.

Qual o teu universo musical familiar? Sempre teve música na tua casa, na tua família? Além de teu pai, tua família tem outros músicos? Meu pai foi o grande influenciador, por sempre gostar muito de samba. O samba sempre esteve muito presente na minha vida. Minha família, de modo geral, é muito ligada à música, apesar de não ter tantos músicos assim. Mas a música sempre foi muito presente na minha casa.

Quando tu foste descoberto como garoto prodígio da música no Maranhão, por ter começado a tocar cavaquinho muito novo, numa entrevista ao jornalista baiano Iuri Rubim, tu disseste que, depois de tocar, o que tu mais gostavas era de estudar. Isso continua? Continua. Não como eu gostaria que fosse, pela escassez de tempo, da correria do dia a dia, mas o estudo dos instrumentos, da música, e das outras coisas ainda está muito presente.

Tu começaste pelo cavaquinho. Por que a escolha pelo bandolim? Eu comecei a tocar bandolim por insistência do [violonista] Luiz Jr. Ele falava, “ah, bicho, cavaquinho tu já tá tocando o que tem pra tocar. Tu precisa ter um instrumento que te dê uma amplitude maior, te dê um novo horizonte”. Daí ele insistiu tanto, passaram uns dois, três anos, eu fiquei mais próximo dele, e consegui um bandolim. O primeiro bandolim que eu tive foi graças a ele, ao [pianista] Carlinhos Carvalho [irmão de Luiz Jr.], que se juntaram com mais alguns amigos e me deram um bandolim de presente. Ele foi o grande incentivador para que isso acontecesse, pra eu tocar bandolim hoje.

Foi a escolha correta? Meu instrumento mesmo é o cavaquinho. Bandolim até hoje eu ainda estou aprendendo. Eu não posso dizer que eu toco, é um instrumento bastante difícil de tocar. A maior dificuldade que eu tenho até hoje é querer tocar bandolim bem, que eu ainda não consegui.

Cavaquinho tu toca com maior tranquilidade. Não é bem tranquilidade, mas eu tenho uma segurança maior tocando cavaquinho que bandolim. Não que eu domine nenhum dos dois, mas o cavaquinho eu acho que eu consigo desenvolver um pouco melhor.

Qual a diferença básica entre o cavaquinho e o bandolim, para os leigos? A diferença, de cara, é a afinação. O bandolim tem a afinação tenor, mi, lá, ré, sol. No caso do [bandolim de] 10 cordas, tem um par a mais, que é o dó. No cavaquinho é ré, sol, si, ré. E o número de cordas, obviamente.

As possibilidades no cavaquinho são mais limitadas? Muitos falam que sim, mas depende do que a pessoa entenda como limitado, por que hoje a gente vê cavaquinho de cinco cordas, o [cavaquinhista] Márcio Marinho, o [cavaquinhista] Arley Henrique, lá de Minas, os caras tão fazendo no cavaquinho o que ninguém imaginou, tocando coisas bastante difíceis, tocando lances de melodia e harmonia que nunca tinham existido na história do instrumento. Eu acho que não é tão limitado quanto o pessoal diz.

Tu tens preferência por um instrumento ou outro? Tu vieste para a entrevista e trouxe o bandolim, não o cavaquinho. Na capa do disco apareces empunhando o bandolim, e não o cavaquinho. Preferência não existe, mas hoje, pela necessidade, eu tenho que estudar mais o bandolim. Mas os dois instrumentos são grandes paixões na minha vida.

Você é muito instigado pelo bandolim, parece que ele te move, que ele te desafia, não é? É a necessidade de estar buscando sempre algo novo, ter que estar desenvolvendo algo no instrumento. É muito complexo. Se eu passar um dia sem pegar, no outro dia parece que é a primeira vez que eu tou triscando no instrumento, pelo grau de dificuldade que ele tem.

Tu começaste a tocar com quantos anos? Comecei a estudar música, se eu não me engano, foi com oito, nove anos, lá no Monte Castelo, com Joãozinho [posteriormente indagado sobre o sobrenome do professor, Robertinho disse que não sabia. “Bota Joãozinho do Monte Castelo que todo mundo sabe quem é”]. Fiz aula com ele um bom tempo, depois fui pra Escola de Música [do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], aprendendo nas rodas de choro, de samba.

Além de Joãozinho, quem mais foram teus mestres? De instrumento mesmo foi o Joãozinho. Mas o [o professor] Juca [do Cavaco] teve uma influência boa na minha formação como solista de cavaquinho, o [cavaquinhista] Paulo Trabulsi também contribuiu bastante. Eles eram minhas referências de cavaquinho aqui. Tem o Waldir [Azevedo] também, que não precisa nem falar, mas aqui eram eles, e hoje ainda são. Os caras têm uma contribuição muito importante pra música daqui, pro choro.

Tu citas o Waldir como grande instrumentista. Quem são os teus instrumentistas preferidos, restringindo ao cavaquinho e ao bandolim? Cavaquinho posso dizer que é o Waldir Azevedo. Atualmente é o [cavaquinhista] Pedro Vasconcelos, sem dúvidas, foi importantíssimo pra mim. É meu amigo particular, professor lá em Brasília, tem o Márcio Marinho, que eu sou bastante fã. De bandolim minha maior escola é o Jacob [do Bandolim], mas aí tem também o Ronaldo [do Bandolim, do Trio Madeira Brasil], Joel Nascimento, Pedro Amorim. Atualmente é o Hamilton [de Holanda], que eu acho que foi de grande influência na minha música e é influência até hoje, pra muita gente, nesse instrumento.

Por que ele tem uma levada mais jovem e você acaba se identificando muito com isso, não é? Costuma se dizer que a história do bandolim tem o antes do Hamilton e o depois do Hamilton. Por que o que ele vem fazendo por esse instrumento, acho que vai demorar muito tempo pra aparecer outra pessoa com a mesma importância. Ele conseguiu mudar aquela visão do bandolim como apenas um instrumento específico do choro e do samba, como era antigamente. Ele mostra que não é só isso, que a gente pode ir muito além, com os lances de bandolim solo, das formações que ele vem fazendo, tocar com banda, trio, duo, enfim.

Teus pais sempre te apoiaram na tua vocação musical? Meu pai sempre apoiou bastante. Minha mãe no começo tinha certo receio de eu ser músico. Ela gostava que eu estudasse música, mas tinha aquela preocupação, por que músico é sempre mal visto, o lance da boemia, ela tinha preocupação com esse lance de bebedeira, da farra. Mas eles sempre deram todo apoio e suporte que eu precisei, na medida em que eles podiam fazer pra mim. Tudo o que eles puderam fazer, eles fizeram.

Tu estás fazendo faculdade de música? Ou outra faculdade? Estou fazendo o curso superior, licenciatura em música, na UFMA.

Tem uma pressão de alguém da tua família, ou de fora, para tu teres uma carreira paralela? Tipo, se a música não der certo, vai ser advogado, vai ser médico, por que é isso que dá dinheiro. Pode até existir, mas nunca ninguém chegou e falou isso pra mim. O pessoal da minha família, em geral, não só meu pai, minha mãe, meus irmãos, o povo lá de casa, todo mundo sempre apoiou bastante. Lutaram junto comigo pra que isso acontecesse. Se eu sou músico hoje eu devo muito a eles.

Você começou a estudar música com oito anos. Quando foi que se considerou ou que começou a atuar como músico, profissionalmente? Até hoje eu não me considero músico profissional, por conta das minhas limitações. A gente vive em constante aprendizado. É difícil a gente falar que é músico profissional com essa gama de músicos que tem hoje espalhado em todo canto. Pra gente falar que toca um instrumento é bem complicado. Prefiro dizer que eu tou aprendendo todo dia esses dois instrumentos que eu tento tocar.

Quando foi que tu ganhaste teu primeiro cachê com música? Lembra o que fez com o dinheiro? Eu acho que foi numa roda de samba. Foi engraçado. Meu pai ia tocar num samba lá na Fonte do Ribeirão, eu tava aprendendo a tocar cavaquinho. Levei o cavaquinho numa sacolinha [risos], aí chegou lá, parece que o pessoal da harmonia faltou, só tinha o Cacá [do Banjo] tocando banjo. Eu sempre levava, pra ir pegando, praticar o que eu estudava. Nesse dia eu fiquei sentado, quando me espantei já tava tocando na roda com o pessoal. No final já rolou um cachê, mas eu não lembro exatamente quando foi. O que eu fiz com o dinheiro não recordo agora, não.

O primeiro cachê deve ter sido motivo de muita alegria pra ti. É, por que estar estudando e já estar ali tocando, com os caras que eram referência pra mim, aí pegar ali cinquentinha, sei lá quantos contos, era um mundaréu de dinheiro [risos].

De lá pra cá já se vão anos, veio o Choro Pungado, veio muita coisa na tua vida, tu participando de vários grupos de samba, tocando com grandes nomes do samba nacional. Tu moras com teus pais, depende deles. Mas dá para viver de música hoje? Tuas necessidades hoje poderiam ser supridas por tua atividade musical? Hoje o mercado da música em São Luís permite a um músico da tua qualidade viver de música? Dá sim. Eu moro com meus pais, mas se eu quisesse morar só, dava para viver tranquilo. Tem muita gente que vive exclusivamente da música, eu digo que é operário da música. Dá pra viver. Mas acontece uma coisa bem chata. A gente vê muitos músicos bons aqui na cidade que acabam não tendo pra onde correr e tendo que viver da música comercial. Não tão fazendo aquilo que eles realmente gostam de fazer, que é tocar música instrumental, samba de qualidade, não desmerecendo o samba midiático, mas muita gente hoje se reclama disso, bastante músico, até da minha geração.

Tu tens que fazer isso de vez em quando? Tenho. Pela necessidade, pela falta de opção. Aqui a gente sofre de um problema cultural muito sério, vocês sabem disso, como é a realidade. Infelizmente não temos para onde correr. Espero bastante que mude um pouco esse cenário um dia.

Tu participaste de um acontecimento muito importante na história do choro recente do Maranhão: o grupo Choro Pungado. O que significou estar tocando com aquela turma? Foi importantíssimo. Eu bem novinho, com 13, 14 anos. Na verdade era o Quartetaço, a primeira formação deles. Aí o Ricarte disse “vai lá, vai ter uma formação legal, eu te boto pra dar canja com os meninos, lá no [projeto] Clube do Choro [Recebe]”. Aí Ricarte e Luiz Jr. botaram o pé na parede pra eu participar do grupo. Foi uma escola muito grande, não só de choro, mas de música instrumental, os caras são referência pra muita gente. Luiz Cláudio, Luiz Jr., Rui Mário, João Neto, todos eles são importantíssimos pra música daqui da nossa cidade, do estado, e também pra música brasileira, pela história deles e pela musicalidade particular de cada um.

O Choro Pungado tinha uma proposta muito interessante que era mesclar o choro aos ritmos da cultura popular do Maranhão. Ele foi formado dentro da ideia do Clube do Choro Recebe, de estabelecer o diálogo dos chorões com artistas da música popular, da música cantada. O que tu acha que foi responsável pela vida curta do grupo? Houve alguma briga nesse processo de separação? É complicado trabalhar em grupo por que cada um pensa de um jeito, cada um acredita numa coisa diferente. Foi bom o tempo que durou, foi um aprendizado pra todos nós. Acho que foi importante o que a gente fez, por que eu acredito que nunca ninguém tenha feito o que o Choro Pungado fez na época, juntar os ritmos de nossa cultura popular com clássicos do choro, clássicos da música brasileira. Não houve briga, não. Foi pela falta de tempo de alguns, outros já não acreditavam mais no trabalho.

De que outros grupos musicais você já participou como integrante? Participei do Espinha de Bacalhau, dOs Madrilenus, uma temporada de seis meses, Farinha d’Água, que eu fiz um tempo com João Neto e João Eudes; do Argumento.

Antes de falarmos nele, além de teu disco solo, de que outros discos já participaste? O disco da Lena Machado [Samba da Minha Aldeia, 2010], o da Célia Maria que vai sair agora, produzido e dirigido por Luiz Jr. Teve o do Gildomar Marinho [Olho de Boi, 2009], com participação da Ceumar [na faixa Alegoria de Saudade, samba-choro de Gildomar Marinho], discos de carnaval, festival, gravação de São João, eu sempre tou muito envolvido nessas épocas.

Além de instrumentista, que outras habilidades tu desenvolves na música? Eu tento forçar um pouco esse lance da composição. Tou tentando partir agora pra esse lado do arranjo, tentar desenvolver um pouco mais da musicalidade, que é importante também. Não só tocar um instrumento, mas ver a música um pouco mais na frente.

O que te inspira pra compor? Vai muito do momento, das coisas que eu tou passando. Engraçado é que eu sempre componho quando estou muito triste, ou sozinho em casa ou aconteceu algo muito sério. Sempre foi assim, a maioria [das composições] sai assim.

Quantas músicas tu tens? Não tenho muita coisa não. Acho que tem umas cinco no disco, minhas ou em parceria, com Jr., com Pipiu. Tem umas agora que eu tou compondo, teve umas duas que eu fiz de bandolim solo, cavaquinho solo, mas acho que não deve passar de umas 15 músicas, por que muita coisa do que eu faço eu gosto no momento, mas depois eu deixo de mão, por que eu não acho mais legal.

Qual a tua experiência com outros ritmos que não choro e samba? Já toquei algumas coisas diferentes em shows, não é uma coisa que eu busquei. Admiro muito, mas não tenho esse conhecimento. É de grande importância para o instrumento, para a técnica, mas ainda não tenho. Pretendo chegar um dia a estudar, conhecer um pouco mais, a ter domínio dessa área.

Pra você, o que é o choro? E qual a importância do choro para a música brasileira? Tem toda importância. As principais referências da nossa música são da escola do choro. O choro eu costumo dizer que é a festa do brasileiro: em todo canto que a gente vai vê ali um grupo de choro tocando, num barzinho ali, ou num show grande acolá, vê grandes instrumentistas hoje tocando choro, ou que saíram daquela escola de choro, e vê muita gente nova se interessando por esse gênero.

Tu te consideras um chorão? É complicado a gente se intitular alguma coisa. Mas eu tento buscar conhecer bastante do que é produzido no choro, não só de hoje, mas do pessoal mais antigo, dos primórdios.

Como é que tu ouves música? Pelo seguinte: temos entrevistado pessoas mais velhas, que se lembram do rádio, de como era difícil conseguir vinis. E tu estás na era do download. Baixar música, comprar cd, como é que tu faz? Pela carência da gente em encontrar disco aqui fica quase inevitável a gente não ter que baixar música, discos. Sempre que posso e encontro, compro. Agora mesmo eu estive lá no Rio [de Janeiro], passei uma semana lá, entrava nas lojas feito doido. Gastei mais dinheiro comprando disco do que passeando na cidade. Sempre que eu posso eu compro bastante cds, dvds.

Quando tu vais ao Rio, tu manténs contato com os músicos de lá? Em Brasília sabemos que sim. O Rio foi a primeira vez que eu fui, agora no começo de março. Eu conhecia algumas pessoas de lá, cantores com que eu tinha trabalhado aqui, acompanhado, também alguns músicos, que vieram de lá pra cá fazer shows, criou-se uma amizade. Eu ‘tive lá agora, fiz contato com alguns, liguei pra Julieta [Brandão], primeira cantora de lá que eu acompanhei. Ela disse “ah, legal que tu tá vindo. Vou te botar pra fazer uns shows aqui comigo”. Chegando lá ela arrumou uns trabalhos, apareceram uns negócios pra dar canja, lá pela Lapa. Foi importante ver que a coisa é mais séria do que a gente imagina.

Como é que tu tens observado o desenvolvimento do choro em todo o Brasil? Há um grande desenvolvimento, sempre. Até os caras que são de outras áreas a gente vê buscando o choro, gente que não tocava choro e tá tocando choro hoje.

E o movimento choro em São Luís do Maranhão? Sinceramente tá uma coisa bem triste. Teve época que a gente tinha música instrumental aqui de segunda a segunda. Chegava no [bar e restaurante] Antigamente [então na Praia Grande], segunda-feira tinha lá o [cavaquinhista] Roquinho tocando com o [grupo] Um a Zero, terça tinha o Juca tocando com o [Instrumental] Pixinguinha no lá no [bar] Por Acaso [Lagoa da Jansen], quarta-feira tinha o [Regional] Tira-Teima não sei aonde, sábado o Clube do Choro Recebe, que era famosíssimo. Hoje a gente quase não vê choro acontecendo. Uma coisa bem triste é chegar no [bar] Barulhinho Bom [Lagoa], quinta-feira, o Tira-Teima, os caras que são referência do choro, tocando pra duas mesas. A cena está bem complicada, embora pudesse estar bem melhor diante do que já foi.

A que tu credita essa desarticulação? Nós, músicos, temos uma parcela de culpa grande nisso, mas o problema maior é a questão cultural, do pessoal absorver o choro como música, não só o choro, mas a música de boa qualidade, por conta da mídia em si, que tem compromisso com a propaganda.

Mesmo nesse terreno meio árido, é possível observar o surgimento de novos valores? Tem muita gente boa surgindo. A gente vê [o bandolinista e cavaquinhista] Wendell [Cosme] tocando bandolim, ele é respeitado no Brasil todo. O pessoal vê ele tocando no youtube, nessas coisas aí de internet, os caras ficam doidos. Aí fora, o pessoal que é referência do choro dá valor; aqui, ninguém quer dar valor.

Que outro instrumentista tu destacarias como alguém que merece atenção? Um cara que pra mim é uma referência muito grande e que eu acho que não tem o valor que merece aqui, como muita gente, é o [sanfoneiro e pianista] Rui Mário, um instrumentista fora do sério. Pra mim ele é um dos principais de nossa cena instrumental.

Luiz Jr. te dirigiu em teu disco. Como tu o observas? É um bom músico, com ideias bastante boas e interessantes. Tenho um respeito grande por sua música.

Como foi o processo de seleção de repertório de Made in Brazil [seu disco de estreia]? Foi uma correria danada. Esse disco surgiu por culpa do [músico Arlindo] Pipiu. Tinha aberto o edital [da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão], ele me ligou, eu gravava bastante com ele. Nisso, ele já saiu ligando pra [os compositores] Josias [Sobrinho], Cesar [Teixeira], “vamos pegar música, dá uma música aí pro Roberto gravar”. Tem música do Pipiu também. Teve muita gente com que não se conseguiu contato de imediato e o prazo já estava vencendo e faltava parte do repertório. Aí eu tive que compor algumas, eu só tinha uma música pronta. Fiz no calor do momento pra fechar o repertório do disco.

Já estás pensando no segundo? Eu tou pensando em gravar um disco novo, mas eu fico muito preocupado, por conta da qualidade dos discos instrumentais que estão saindo hoje em dia. Pela quantidade de bandolinistas que eu tou conhecendo, alguns com quem eu já tenho amizade, é uma coisa muito séria. Eu achei legal ter feito este disco, foi um aprendizado, mas me preocupo bastante em fazer disco novo. A vontade sempre tem, o lance de a gente estar botando em prática o que a gente estuda, o que a gente está vivendo.

Uma pergunta clichê: que discos tu levaria para uma ilha deserta? Os discos do Hamilton, com certeza. Tem os discos do [Trio] Aquário, que eu sou fã. Tem muita gente que não gosta do trio do Pedro Vasconcelos, [o violonista] Rafael dos Anjos e o Eduardo Belo, contrabaixo. Esse disco [Primeiro, 2010] eu acho que vai ficar pra história da música instrumental, uma coisa particular, de gosto. A maioria dos que escutam fica de cara com a maneira que eles interpretaram aquilo ali, um disco basicamente de canções, mas o que eles fizeram ali nos seus instrumentos, vai ser difícil aparecer outro disco para ser tocado com aquele sentimento, com aquela expressão. Acho que eles foram bastante felizes.

Qual foi o choro mais bonito que tu já ouviu? É complicado. Pra mim todo choro é bonito, principalmente os que eu gosto de tocar. Eu tou numa coisa agora de tentar pegar a maior possibilidade de choro que eu puder. Pela falta de estar tocando choro constante, acaba que a gente vai esquecendo as músicas que estudou, que tirou. Se a música é boa, independente de estilo, gênero.

Mas tem alguma música que te marca, tipo, “poxa, essa música eu gostaria de ter feito”? Uma música que eu gostaria de ter feito é o Flor da vida [do disco 01 byte 10 cordas, 2005], que o Hamilton compôs e também o Virtude de esperança [Brasilianos 2, 2008]. São músicas fantásticas, ele foi bastante feliz quando compôs essas músicas.

Fora do universo do choro e do samba, o que te interessa? Eu me interesso por todo tipo de música de qualidade que é produzida. Eu sou fã da boa música.

Na entrevista com [o violonista e professor] João Pedro Borges [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 14 de abril de 2013] ele citou teu nome como alguém que lhe enche os olhos. O que significa agradar uma figura como ele? Eu fico surpreso com uma coisa dessas. João Pedro é uma escola universal do violão. Em todo canto que a gente chega, a gente ouve falar dele. Só não aqui, que o povo não dá valor a nada que é daqui. Em todo lugar que eu chego o povo fala, “ah, o João Pedro Borges lá do Maranhão”. Eu fico muito feliz pela história dele, ele é um músico muito classudo, tem um bom gosto musical incrível. Ele me citar numa entrevista, eu fico bastante feliz e emocionado.

Tu estás com 19 anos e é senhor de si nos instrumentos que tocas, embora tu tenhas uma modéstia em assumir ser um grande músico. Maria bandolim: tu és muito assediado por conta de tocar um instrumento? [Risos] Não sei, é complicado falar. Assédio, assédio, não. Mas existe o pessoal que se deslumbra com os instrumentos, tem aquela curiosidade. Assédio, pelo menos comigo não. Mas tem outras pessoas aí que são assediadas bastante. Não posso citar nomes para não comprometer [gargalhadas gerais].

“Chorografia do Maranhão” estreia amanhã (3) em O Imparcial

Ideia acalentada há um tempinho, a série Chorografia do Maranhão chega amanhã ao papel. Mais precisamente às páginas do jornal O Imparcial, onde será publicada quinzenalmente aos domingos.

Este blogueiro e Ricarte Almeida Santos entrevistam chorões maranhenses, fotografados por Rivânio Almeida Santos. O objetivo principal é registrar as histórias e memórias destes grandes mestres. Depois de publicadas no jornal, Chorografia deve virar um livro, talvez algo mais.

A jornalistamiga Patrícia Cunha fez uma bela matéria nO Imparcial de hoje (2), divulgando a iniciativa. Continue Lendo ““Chorografia do Maranhão” estreia amanhã (3) em O Imparcial”