Data marca os 29 anos de falecimento do maranhense do século XX. Evento reunirá nove artistas que participaram das três edições do Festival João do Vale, em 2000, 2001 e 2008
O compositor João do Vale – foto: reprodução
Quase 30 anos após seu falecimento, o legado de João do Vale (1934-1996) continua a inspirar artistas país afora, para muito além de Teresina a São Luís. Gravado e regravado por grandes nomes da música popular brasileira — Alcione, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Irene Portela, Maria Bethânia, Tião Carvalho e Tom Zé, entre outros —, o pedreirense ganhou projeção nacional ao participar do espetáculo “Opinião”, ao lado de Nara Leão (1942-1989) e Zé Keti (1921-1999), nos primórdios da ditadura militar brasileira. É autor de clássicos do quilate de “Carcará”, “Pisa na fulô”, “Peba na pimenta”, “Na asa do vento” e “O canto da ema”, entre inúmeros outros.
Entre 2000 e 2008 o músico Wilson Zara produziu três edições do Festival de Música Popular João do Vale, movimentando a cena autoral do Maranhão e ajudando a revelar diversos talentos.
Parte deste elenco se reúne no Festival João do Vale — Revival, que acontece no próximo dia 6 de dezembro (data que marca os 29 anos de falecimento de João do Vale), às 20h, no Parque João do Vale (Av. Rio Branco, s/nº., Centro, Pedreiras/MA), com entrada franca.
Sexta-feira passada (28 de novembro), o Miolo Café Bar (Av. Litorânea, 100, Calhau) foi palco do reencontro de Alberto Trabulsi, Bruno Batista e Cláudio Leite. Era a Chegança do Revival, reunindo artistas que participaram (e foram premiados) nas três edições do Festival João do Vale.
O cantor e compositor Chico Nô – foto: divulgação
A cantora Dicy – foto: Laila Razzo/ divulgação
O cantor e compositor Elizeu Cardoso – foto: divulgação
A cantora e compositora Lena Garcia – foto: divulgação
O cantor e compositor Zé Lopes – foto: divulgação
Em Pedreiras será a vez do encontro dos cantores e compositores Chico Nô, Dicy, Elizeu Cardoso, Lena Garcia, Helyne, Zé Lopes, Itamar Lima, Herbeth Luiz e Davi Faray, que se apresentarão acompanhados de banda formada por Fleming (bateria), Hugo César (violão), Natanael Fernandes (sanfona) e Jeff Soares (baixo).
“O Festival João do Vale teve um papel significativo na minha carreira. Porque além da visibilidade, visto ser um festival na capital e que reunia muita gente já com trabalho consolidado, me apresentou outros compositores e cantores de todo o Estado. A própria canção com que participamos, “Redemoinhos”, uniu Dicy, Lena Garcia e Helyne, artistas grandiosas e com trabalho duradouro e único. Estar presente agora, tantos anos depois, no João do Vale — Revival é maravilhoso. De lá pra cá, muita coisa aconteceu nas carreiras de todo mundo. Será uma celebração com o público e com gente que se tornou amigo e parceiro. João do Vale é, sem dúvida, a nossa maior referência. A poesia que está nas ruas e nas bocas, todo mundo canta e assobia. Isto é muito, muito difícil. Tanto que João não nasce todo dia, é um assombro! Se o Maranhão tem uma alma, ela é negra, de pés no chão e nasceu em Pedreiras”, afirma o cantor e compositor Elizeu Cardoso.
“O festival equilibra tradição e contemporaneidade. João do Vale representa um Brasil que se reinventa — e é isso que queremos celebrar: o diálogo entre a memória do passado e a vitalidade do presente. É um ato de pertencimento e resistência cultural”, afirma Wilson Zara, idealizador e realizador das três edições do Festival João do Vale e deste Revival.
O Festival João do Vale — Revival é uma realização da Zarpa Produções Artísticas, com recursos da Lei Paulo Gustavo (Lei complementar nº. 195/2022) do Governo Federal, operacionalizada pelo Governo do Estado do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma). O evento tem apoio da Prefeitura Municipal de Pedreiras, Rodrigo Iluminações, Parque João do Vale e Fundação Pedreirense de Cultura e Turismo.
Serviço
O quê: Festival João do Vale — Revival. Quem: os cantores e compositores Chico Nô, Dicy, Elizeu Cardoso, Lena Garcia, Helyne, Zé Lopes, Itamar Lima, Herbeth Luiz e Davi Faray e banda. Quando: sábado (6), às 20h. Onde: Parque João do Vale (Av. Rio Branco, s/nº., Centro, Pedreiras/MA). Quanto: grátis. Realização: Zarpa Produções Artísticas. Patrocínio: Lei Paulo Gustavo (Lei complementar nº. 195/2022) do Governo Federal, operacionalizada pelo Governo do Estado do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma). Apoio: Prefeitura Municipal de Pedreiras, Rodrigo Iluminações, Parque João do Vale e Fundação Pedreirense de Cultura e Turismo.
O cantor e compositor Vicente Barreto – foto: Zema Ribeiro
Eu devia ter uns 14 ou 15 anos. Estava em um bar, tomando refrigerantes e vendo uma apresentação do violonista rosariense Fran Gomes. À época eu já tinha um conhecimento razoável de música, adquirido fuçando as coleções de vinis de meus avós, pais e tios. Naquela tarde fiz do músico uma espécie de jukebox – algo que hoje condeno, obviamente – e desdenhava de algo que eventualmente ele não sabia cantar ou tocar.
Foram tantos “toca Zé Ramalho”, “toca Zé Geraldo”, “toca Geraldo Azevedo”, “toca Fagner”, “toca Gilberto Gil”, “toca Chico Buarque”, “toca Caetano Veloso”, “toca Belchior”, “toca Djavan” e toca tudo que eu conhecesse, sem falar do infaltável “toca Raul!”, que ele retrucou: “eu vou cantar uma que tu não conhece”. A letra me pegou na hora – é até hoje uma de minhas canções prediletas em toda a MPB – e ao fim ele perguntou quem era e eu não soube responder. Era “A notícia”, parceria de Celso Viáfora e Vicente Barreto: “O New York Times não deu uma linha/ a BBC de Londres nem uma palavra/ mas ontem no Xingu um índio se afogou/ e um guarda-marinha se atirou nas águas/ para salvar a sua vida/ Na mesma hora um favelado da Rocinha/ que tinha sete filhos, arrumou mais um/ era um menino loiro de olho azul/ que tinha sido abandonado nu/ numa avenida/ Gente má, gente linda/ dia vem, noite finda/ em todo lugar”. A música é tão marcante que digito sua letra consultando apenas a memória.
Quase 30 anos depois do episódio que me apresentou a obra de Vicente Barreto – porque depois do maravilhamento que foi ouvir Fran tocá-la e descobrir um artista que eu então não conhecia, ir atrás de outras composições, discos etc., foi um pulo. Aquele moleque de 14 ou 15 anos se tornou jornalista, perdeu a empáfia e teve a oportunidade de entrevistar o artista baiano, por ocasião de seu álbum mais recente, “Na força e na fé” – hoje finalmente conheci-o pessoalmente, por ocasião de entrevista que concedeu ao Timbira Cult, com Gisa Franco, na Rádio Timbira FM (95,5), quando contei-lhe a história com que abro este texto.
Parceiro de nomes como Alceu Valença (“Tropicana”, “Cabelo no pente”, “Pelas ruas que andei”), Tom Zé (“Hein?”, “Lá vem cuíca”, “Na parada de sucesso” e “Esteticar” – esta também com Carlos Rennó), Celso Viáfora (a citada “A notícia”, “A cara do Brasil”, gravada por Ney Matogrosso), Paulo César Pinheiro (“Capitão do mato”, gravada por Maria Bethânia), Chico César (“Ilusão retada”) e Zeca Baleiro (“Saudades de te ver, Paraíba”), Vicente Barreto se apresenta hoje (12) e amanhã (13), às 20h, no Miolo Café Bar (Av. Litorânea, 100, Calhau). O cantor e compositor maranhense Djalma Chaves faz o show de abertura.
O cantor e compositor Edvaldo Santana em show comemorativo dos 30 anos de “Lobo Solitário”, mês passado, no Sesc Pompéia. Foto: Milton Michida/ Divulgação
Artista celebra 30 anos de “Lobo Solitário” (1993), seu disco solo de estreia
“Lobo Solitário” (1993). Vinil. Capa. Reprodução
O cantor e compositor paulista Edvaldo Santana já tem quase 50 anos de carreira, se contarmos a partir do disco de estreia da banda Matéria-Prima, que integrou, lançado em 1975. Sua estreia solo aconteceu em 1993, com o lançamento de “Lobo Solitário”, que trazia parcerias com Ademir Assunção, Arnaldo Antunes, Glauco Mattoso, Haroldo de Campos (1929-2003) e Paulo Leminski (1944-1989), além de releituras de Raul Seixas (1944-1989) e Tom Zé.
Valendo-se da máxima punk “faça você mesmo”, com ousadia, coragem e esperança, Edvaldo Santana botou o violão nas costas e já se apresentou por Piauí e Ceará, reafirmando sua ascendência nordestina – é filho de pai piauiense e mãe pernambucana –, bastante perceptível em sua música, marcada pelo cruzamento destas raízes com o blues norte-americano.
Ao longo da carreira, Edvaldo Santana soma oito discos solo, os mais recentes “Edvaldo Santana e Banda Ao Vivo 2” (2017) e “Só Vou Chegar Mais Tarde” (2016) – neste, canta “Ando Livre” (Edvaldo Santana) em dueto com a maranhense Rita Benneditto; a música foi composta após o autor conhecer São Luís e visitar o Bar do Léo, citado na letra. Versado também nas coisas do Maranhão, canta, na faixa-título de “Jataí” (2012): “para cantar um reggae-xote com pandeiro de Salim/ que um negro da Jamaica foi baixar em São Luís/ Ê, São Luís, tambor de crioula”. Ano passado lançou os singles “Vuelo Iluminado”, “Eu Quero É Mais (Humanidade)”, “E aí, José?” e “Irmãos Ciganos”, disponíveis nas plataformas de streaming.
Foto: Edson Kumasaka/ Divulgação
Edvaldo Santana estará em São Luís entre os dias 29 de agosto (terça-feira) e 2 de setembro (sábado) e cumpre agenda em diversos espaços na cidade (veja programação abaixo). Guiado pelos versos de Milton Nascimento e Fernando Brant (1946-2015) em “Nos Bailes da Vida”, “todo artista tem de ir aonde o povo está”, suas apresentações terão preços populares. “É uma viagem sem patrocínio, eu quero cantar e tocar, e espero encontrar com quem quer me ouvir. No fundo, quero me divertir e espero que quem chegar junto por estas noites, se divirta também”, convida o artista.
No repertório das apresentações, acompanhando-se ao violão, Edvaldo Santana passeará por canções de “Lobo Solitário” e de outros álbuns de sua discografia, bem como clássicos da música popular brasileira que gosta de interpretar.
SERVIÇO
O quê: show “30 anos de Lobo Solitário, voz e violão” Quem: o cantor e compositor Edvaldo Santana Quando: de 29 de agosto a 2 de setembro Onde: ver agenda abaixo Quanto: idem Informações: (98) 99166-8162 Apoio cultural: Hostel dos Poetas
AGENDA
29 de agosto (terça-feira), 20h: Quintal da Sol (Rua Edson Brandão, quadra 1A, casa 8, Alemanha), R$ 15,00
30 de agosto (quarta), 20h: Hostel dos Poetas (Rua da Montanha Russa, Centro, em frente ao Icbeu), R$ 15,00
31 de agosto (quinta), 19h, Solar Cultural da Terra Maria Firmina dos Reis (Rua Rio Branco, 420, Centro, atrás da Caixa Econômica Federal da Praça Deodoro), R$ 10,00
1º. de setembro (sexta), Miolo Café Bar (Av. Litorânea, nº. 100, Calhau), R$ 15,00
2 de setembro (sábado), Amabile Cozinha (Rua Projetada, 17, Solar dos Lusitanos, Turu), R$ 15,00
É ideia que me persegue há algum tempo, e só agora a falta do que fazer na quarentena, por força da pandemia de coronavírus (covid-19), me permite por no papel – ou melhor, aqui nos bits e bytes da internet.
Falta do que fazer é modo de dizer: tenho conseguido sobreviver à reclusão forçada graças às minhas coleções de discos (reais) e livros (idem), além de serviços de streaming, da internet em geral e, obviamente, da companhia dela.
Mas há tempos penso nestes discos que muito provavelmente nunca serão gravados e consequentemente lançados. Se um dia forem, certamente farão a alegria de muita gente.
Uma vez, numa edição da Aldeia Sesc Guajajara de Artes, dedicaram uma noite ao choro. Consultado sobre a programação, sugeri dois espetáculos, que acabaram acatados pela curadoria e aconteceram: a Praça Nauro Machado, na Praia Grande, foi palco de uma (quase) reedição do Recital de música brasileira, com Célia Maria (voz) e João Pedro Borges (violão); e do encontro, no mesmo palco ao mesmo tempo, dos grupos Instrumental Pixinguinha e Regional Tira-Teima. Lembro-me da história para dizer que certas ideias, às vezes, podem se concretizar, por mais malucas que possam parecer.
Capa imaginária de disco imaginário. Desenho de Zema Ribeiro
Arari Irará, de Tom Zé e Zeca Baleiro – O maranhense nasceu em São Luís mas passou a infância em Arari, anagrama de Irará, cidade natal de Tom Zé. A primeira é famosa por sua melancia e O abacaxi de Irará mereceu até música do baiano (faixa de Se o caso é chorar, de 1972). A capa do disco evoca a banana de Andy Wahrol na capa do clássico The Velvet Underground & Nico (1967).
Metonímia, de Odair Cabeça de Poeta e Paulinho Boca de Cantor – A figura de linguagem que toma a parte pelo todo, como ensinam os livros de gramática, intitula o álbum dividido pelos baianos, menos conhecidos do que deveriam. Cabeça de Poeta é parceiro de Tom Zé e com o Grupo Capote uniu forró e rock (forrock) antes de Alceu Valença; Boca de Cantor integrou (e integra, nas eventuais voltas que o grupo dá) os Novos Baianos.
Os Novos Novos Baianos, de Pedro Baby, Betão Aguiar, Davi Moraes, Bem Gil e Moreno Veloso – Pedro Baby (filho de Baby do Brasil e Pepeu Gomes), Betão Aguiar (filho de Paulinho Boca de Cantor), Davi Moraes (Moraes Moreira), Bem Gil (Gilberto Gil) e Moreno Veloso (Caetano Veloso) se unem em um disco coletivo, relendo criações de baianos como os pais, além de Tom Zé, Dorival Caymmi, Riachão, Batatinha, Roque Ferreira e João Gilberto.
Roberto Carlos canta Sérgio Sampaio, de Roberto Carlos – Dois dos mais ilustres filhos de Cachoeiro do Itapemirim (os outros são Rubem Braga e Luís Capucho), no Espírito Santo, unidos em um mesmo álbum. 26 anos após o falecimento do autor de Eu quero é botar meu bloco na rua, finalmente o Rei realiza o sonho do fã: é conhecida por todos a vontade de Sampaio ser gravado por Roberto, para quem compôs Meu pobre blues, que abre o tributo.
Caetano Veloso ladeado pelos filhos Tom, Zeca e Moreno. Foto: Marcos Hermes/ Divulgação
Quando terminaram as gravações de Tropicália 2, em 1993, Moreno Veloso presenteou o pai com um samba de roda. O detalhe é que a letra era uma frase em inglês, o próprio título da música, que Caetano Veloso só viria a gravar quatro anos depois, em Livro: How beautiful could a being be?
Em Tropicália 2, dividido com Gilberto Gil, Caetano Veloso celebrava os 25 anos da Tropicália, contando com Moreno entre violoncelo e percussão. Ano passado, junto com o parceiro, celebrou os 50 anos de carreira, a dele iniciada em disco dividido com Gal Costa, Domingo, de 1967.
Ofertório. Capa. Reprodução
Este ano, por ocasião do meio século do movimento tropicalista, Caetano Veloso se reuniu com os filhos Moreno, Zeca e Tom Veloso e deu ao público Ofertório, um dos melhores discos lançados no país em 2018.
Outro elo com a Tropicália é o cenário de Hélio Eichbauer, que em 1967 assinou o cenário de O rei da vela, peça de José Celso Martinez Corrêa baseada no livro de Oswald de Andrade, que teve uma imagem utilizada na capa de O estrangeiro, disco que Caetano Veloso lançou em 1989. A mim, particularmente, o círculo na capa remeteu ainda a Todos os olhos (1973), de Tom Zé.
A história do presente recebido de Moreno há 25 anos se justifica: é a relação familiar que conduz o show de atmosfera idem. Estão tão à vontade que Tom se apresenta de chinela e Moreno convida o pai à dança.
Os Veloso são, de longe, uma das famílias mais musicais do Brasil, cuja história se confunde com a própria música do velho baiano, sendo às vezes explicada por ela.
Referências a parentes são explícitas desde as regravações de sucessos do compositor na voz da irmã Maria Bethânia, casos de Reconvexo e Ela e eu. Ou nas citações e homenagens diretas do próprio pai aos filhos, em Força estranha, Oração ao tempo e Boas vindas. Ou de Caetano aos pais, em Genipapo absoluto e, novamente, Reconvexo.
Ou dos filhos aos pais: a citada How beautiful could a being be?, de Moreno, e a inédita Todo homem, de Zeca.
Dignos da linhagem, os filhos de Caetano Veloso esbanjam talento, compondo, cantando e tocando. O pai ao violão vê o trio se revezar entre piano, baixo e violão (Zeca), violão e baixo (Tom) e violão, violoncelo, baixo e percussão (Moreno).
Lançado em cd e dvd, Ofertório tem 28 faixas no segundo formato e apenas a metade em cd – o único problema do lançamento: merecia um cd duplo para caber o áudio completo do show.
2018 foi um ano difícil, mas se há algo a se comemorar, o lançamento deste disco está entre o que valeu a pena. Inclusive pelo fato de parte do repertório ter sido composta e lançada no auge da ditadura de 1964, garantindo a ponte com a sucessão de golpes que temos atravessado: Alegria, alegria e O seu amor, esta de Gilberto Gil, do repertório dos Doces Bárbaros, outro quarteto com que Caetano Veloso gravou disco, a única não composta por um dos quatro cavaleiros de Ofertório.
O trio durante o lançamento de Melhor do que parece, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Foto: Thany Sanches
Em texto sobre a banda em seu site, O Terno se apresenta como um “power-trio de canção-rocknroll-pop-experimental de São Paulo”, mas é claro que é bem mais que isso. Há ecos das décadas de 1960 e 70 em seu som, sobretudo da Tropicália, mas longe de cheirar a mofo ou a um de seus antídotos, a naftalina.
Não são pautados pelo saudosismo – a propósito, de um tempo em que nem viveram, mas que conhecem bastante pelos discos e pela história – e atualizam o movimento, reprocessando suas influências explícitas.
Melhor do que parece. Capa. Reprodução
Tim Bernardes (guitarra e voz), Guilherme d’Almeida (contrabaixo) e Biel Basile (bateria) acabam de lançar seu terceiro disco, Melhor do que parece [2016]. Sábado passado (19) estiveram na Ilha, para um show no Cidade Velha Pub – elogiaram o público ludovicense.
As citações à Tropicália, veremos, não são despropositadas, nem mera mania de crítico de encontrar um antecessor a qualquer novidade que apareça. O trio agradou a Tom Zé, um dos nomes mais interessantes do movimento, ainda na ativa – acaba de lançar, aos 80 anos, Canções eróticas de ninar [2016]. O Terno participou do EP Tribunal do feicibuque [2013] e do álbum Vira lata na via láctea [2014] – em ambos há parcerias de Tim e Tom.
Por motivos de força maior, Homem de vícios antigos não esteve na plateia dO Terno, sábado passado. Mas o blogue entrevistou Guilherme d’Almeida por e-mail – a ideia era publicar o papo antes do show, mas as respostas só foram recebidas depois da passagem do grupo pela cidade.
O início da carreira de vocês, com covers de Beatles e Mutantes, colaborou para a aproximação com Tom Zé, de quem vocês já participaram de discos? Participar de gravações com o Tom Zé foi uma grande honra para nós. O convite veio através do [jornalista e produtor musical] Marcus Preto, que reuniu artistas da nova geração para gravar no EP Tribunal do feicebuqui, onde participamos de duas músicas. O trabalho ainda rendeu mais algumas gravações que foram incluídas no disco Vira lata na via láctea. Sobre o início da banda não sei dizer se o fato de um dia termos tocado músicas de outros artistas colaborou para o encontro, mas foi uma boa escola para aprender mais sobre arranjos e sonoridades, apesar de O Terno nunca ter sido uma banda cover.
66, seu disco de estreia figurou em várias listas de melhores em 2012 e lhes deu vários prêmios. Ao fazê-lo vocês tinham noção da seriedade da coisa ou essa repercussão toda lhes causou surpresa? A repercussão do nosso primeiro disco foi muito boa para nós, que ainda estávamos começando nossa trajetória. O clipe de 66 foi um grande diferencial nessa fase, pois chegamos em públicos que não imaginávamos através do compartilhamento na internet. Acho que não tínhamos muita ideia de onde o disco poderia chegar, mas fizemos todo o trabalho com muita seriedade e planejamento, pensando repertório, clipes, datas de lançamentos e show com o intuito de levar o som o mais longe possível.
O segundo disco de vocês, que leva apenas o nome da banda, é autoral e foi realizado graças a financiamento coletivo, mecanismo a que cada vez mais artistas têm recorrido. Em tempos de golpe e crise, como vocês preveem o futuro da música independente no Brasil? Acho que essa cena indie no Brasil está cada vez mais autodidata e, de fato, independente. O caminho pela frente parece bem obscuro, mas acredito que os músicos e o público saberão criativamente driblar essas adversidades.
As influências da Tropicália seguem em Melhor do que parece. É intencional ou é algo do qual simplesmente vocês não conseguem se desligar, de tão introjetado em seu DNA musical? Não acho que seja intencional ou ocasional, é apenas uma questão estética que nos agrada. O disco traz diversas referências para alem da Tropicália: as gravações da Motown e da Capitol, bandas e artistas atuais como [o cantor, compositor e multi-instrumentista canadense] Mac de Marco, [a banda americana] Fleet Foxes, entre outras. Não costumamos pensar em influências como fórmulas diretas para isso ou aquilo, mas nossa formação musical tem uma base grande em comum, o que resulta em arranjos, timbres, formas que remetem certos períodos ou artistas.
E sobre São Luís, quais as impressões sobre esta primeira vez dO Terno na Ilha? Foi quente! Público muito atencioso, cantando as músicas junto e um dos maiores calores que já passamos em cima do palco!
Herdeiros diretos da vanguarda musical do Grupo Rumo e da crônica presente à obra de Tom Zé – este e alguns integrantes daquele aparecem em participações especiais – a Filarmônica de Pasárgada chega ao terceiro disco, Algorritimos [2016], o ótimo sucessor de Rádio lixão [2014] e O hábito da força [2012].
O mote é a internet e seu vasto universo: redes sociais, emoticons, relacionamentos, pornografia, propaganda, vírus. Tudo embalado pela ótima música e bom humor a que os fãs já estão acostumados – e que mais gente precisa urgentemente conhecer. Nos títulos das 15 faixas já fica evidente do que eles estão falando: Você quis dizer: Filarmônica de Passárgada, 144 caracteres, WWW e Cavalo de Troia, todas assinadas por Marcelo Segreto, entre outras.
O grupo em foto de Edson Kumasaka
André Teles (contrabaixo e voz), Fernando Henna (sanfona, piano, órgão, teclado e voz), Gabriel Altério (bateria, percussão e voz), Ivan Ferreira (fagote), Marcelo Segreto (guitarra, violão, ukulele e voz), Migue Antar (contrabaixo), Paula Mirhan (kazoo e voz) e Renata Garcia (clarinete e clarone), compõem a banda-orquestra, cujo nome é inspirado na cidade da antiga Pérsia que por sua vez inspirou o poema de Manuel Bandeira.
Em Você quis dizer: Filarmônica de Passárgada uma tiração de onda – só o humor salva – com a impopularidade da banda: “sem fama, sem fã, mas sem fantasia/ no carnaval no perfil/ o bolso cheio de canções/ mas o chapéu vazio”, a letra dá a real. No funk Kiwi (Marcelo Segreto), dedicada a Jean Wyllys, o cenário é o almoço de domingo em família, e suas semelhanças com as caixas de comentários (e ódio, intolerância e preconceito) de sites de notícias e redes sociais: “No almoço de domingo/ tem piada pra contar/ tem burrice pra comer/ opinião pra vomitar”, provoca a letra. E continua: “Que é que tem que eu sou marica?/ que é que tem que eu sou kiwi?/ que é que tem que eu sou sapata?/ que é que tem? Sou travesti”.
WWW é uma colagem, com citações de Baby (Caetano Veloso), Love me do (Lennon/ McCartney), Ne me quitte pas (Jacques Brel) e Estoy aquí (Shakira/ Luis Fernando Ochoa). Por falar em colagem, Ctrl c ctrl v (Paula Mirhan/ Marcelo Segreto), a faixa seguinte, aborda a linha cada vez mais tênue entre “originais” e “piratas”, escancarada na “terra de ninguém” – e, portanto, de todos – chamada internet, onde frequentemente se atribuem a Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector, Luis Fernando Veríssimo e Nelson Rodrigues, a falsa autoria de textos quase sempre piegas. “Sabe o gabarito da Fuvest?/ sabe o modelito da Madonna?/ sabe o seu bocejo? Seu jogo de cintura?/ Copiei colei na cara dura// Sabe aquela lá do kama sutra?/ sabe o seu registro de patente?/ sabe o epitáfio da sua sepultura?/ copiei colei na cara dura”, perguntam, provocando.
Marcelo Segreto (idealização, composição, arranjos e direção musical), espécie de líder da Filarmônica de Pasárgada, há algum tempo colabora com Tom Zé, de quem participou de discos. Eles assinam, com Tim Bernardes (de O Terno) – que toca guitarra na faixa –, São SP, faixa que evoca São São Paulo, do primeiro disco do baiano, lançado em 1968, e Com defeito de fabricação, disco lançado por ele 30 anos depois. Não pensem que o grupo fugiu do tema central de Algorritmos nesta declaração de amor à capital paulista: “São pra lá de dez milhões/ mas aqui ninguém, cadê?/ cada um no seu perfil/ cada um no seu apê”, começa.
7 comentários tem sete compositores (Marcelo Segreto, Rafa Barreto, Julinho Addlady, Tatá Aeroplano, Caê, Gustavo Galo e Cacá Machado) e seis participações especiais: Guilherme Arantes, Ná Ozzetti (ex-Rumo), Tom Zé, Juçara Marçal (Metá Metá), Luiz Tatit (ex-Rumo) e Zé Miguel Wisnik cantam na faixa, que traduz no canto o universo dos emoticons – em versos como “hashtag amo amo amo muito/ menor que três menor que três menor que três”, simbolizando um coração –, a ironia típica da rede – “que cara de bundão/ me assustei/ cê tá tipo o Brad Pitt/ só que não/ mas até compartilhei” – e volta a evocar Tom Zé: “bota mais parente aí/ bota foto de cachorro/ bota a janta e o almoço/ bota graça nesse rosto/ que a felicidade é uma foto engarrafada/ vagando na rede”, ele próprio canta, atualizando seu Parque industrial (1968).
O tom carnavalesco da marcha Fernando Henna está online (Marcelo Segreto/ Fernando Henna) volta a cantar emoticons, em letra engraçadíssima em que dois amigos contam, um ao outro, em um chat, como foi o carnaval de cada um. “O meu foi ruim demais/ roletrando na cidade/ sem amor/ sem colombina/ eu fui cantando/ a minha pipa não sobe mais/ rsrsrsrs”, conta um, lembrando programa de tevê e vinheta de Silvio Santos de outrora.
Parte de Algorritmos foi realizado com recursos do Proac/SP, programa de incentivo à Cultura do Estado de São Paulo. Como se a música não bastasse para o mote, a outra parte foi possível com recursos obtidos por meio de financiamento coletivo, a chamada vaquinha virtual. Mais real, impossível.
Em Tom Zé ou Quem irá colocar dinamite na cabeça do século [documentário,Brasil, 2000, de Carla Regina Gallo Santos], o compositor baiano, que venceu o Festival da Record de 1968 com São Paulo, meu amor (São São Paulo), revela a frustração com o comentário de Edu Lobo: “a música de Milton Nascimento é música em qualquer lugar”, teria dito o filho de Fernando sobre o preterido.
Tom Zé revela ainda que trabalhou a partir de então para se autossabotar. O mais tropicalista entre os tropicalistas, após a estreia no mesmo ano do disco-manifesto do movimento, lançou, dois anos depois, um álbum intitulado simplesmente Tom Zé [RGE, 1970], onde afirma que “as melhores ideias deste disco devem ser divididas com os meus alunos de composição da SOFISTÍ-BALACOBADO (muito som e pouco papo) e com Augusto de Campos”, grifo dele, em texto reproduzido na contracapa do álbum, que a Som Livre, braço fonográfico das organizações Globo, recoloca no mercado 46 anos após seu lançamento.
Ia na contramão da declaração no documentário, pois o segundo disco ganha em sofisticação e traz algumas de suas músicas mais marcantes. Uma pena o relançamento não trazer, no encarte, informações sobre os instrumentistas que participaram das gravações.
O autor de Dulcinéia Popular Brasileira, Qualquer bobagem (com Os Mutantes), O riso e a faca, Jimmy, renda-se (Jimi renda-se) e Jeitinho dela, para citar apenas faixas deste disco de 1970, deve muito a relançamentos. É por demais conhecida sua redescoberta, a partir do interesse do talking head David Byrne por seus discos, encontrados por ele por acaso em sebos cariocas, na década de 1990, especialmente Estudando o samba [1975], que desencadeou relançamentos nos Estados Unidos pelo selo Luaka Bop – a reboque, no Brasil, pela Trama. Tom Zé deixava o ostracismo por que passou boa parte das décadas de 1980 e 90 para reocupar definitivamente seu devido lugar na MPB, embora a sigla não seja suficiente para comportar-lhe.
De Com defeito de fabricação [1998] para cá, Tom Zé lança discos regularmente, com motes interessantes e sintonizado com a geração (Y) mais jovem, o que faz dele um dos compositores mais interessantes, geniais e joviais do Brasil. Em 2016 completa 80 anos de idade – e nem vou falar aqui de sua vitalidade no palco.
Antes tarde do que nunca, Tom Zé tem três músicas na trilha sonora da novela global Velho Chico – o que não deixa de ser sinônimo de sucesso: Dor e dor, Senhor cidadão e Um oh! e um ah!.
Sobre Tom Zé, o disco ora relançado, restam ainda três curiosidades: a burrice dos censores da ditadura militar brasileira alcançou a segunda faixa, Guindaste a rigor. Tom Zé foi obrigado a gravar “assopro de coca-cola” em vez de “arroto”, como dizia a letra original; a contracapa traz a seguinte cobrança: “aproveito a ocasião para informar que a Prefeitura de São Paulo não me pagou até agora o prêmio de primeiro lugar (São Paulo, meu amor) do Festival da Record de 1968 e até começou a dizer que não assumiu esta obrigação”.
A terceira é a seguinte: procurado por Homem de vícios antigos para uma entrevista sobre o relançamento e sua importância, o compositor afirmou, através de sua produção, não ter sido comunicado sobre o assunto pela Som Livre.
Cantor e compositor conversou com o blogue sobre seu novo disco, Aladins Bakunins, protagonizado por seu personagem Frito Sampler
Aladins Bakunins. Capa. Reprodução
Tatá Aeroplano é um inquieto. Seu ritmo de produção, difícil de medir; rotulá-lo, simplesmente impossível. Ele inventou e integra/ou bandas como Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro, e agora ataca de Frito Sampler. Além disso, é dj e produtor (vide o ótimo homônimo de estreia do capixaba Juliano Gauche) e, entre outros, participou de Vira lata na via láctea, mais recente disco de Tom Zé.
Frito Sampler, alter ego de Tatá Aeroplano, era o vocalista da Jumbo Elektro, e acaba de lançar Aladins Bakunins, seu disco de “estreia”, já à venda em seu site, onde também pode ser baixado de forma gratuita. O show de lançamento do álbum está marcado para 26 de agosto, no Sesc Pinheiros/SP. O disco tem produção de Tatá Aeroplano, Otávio Carvalho e coprodução de Júnior Boca (parceiro de Tatá na produção do citado Juliano Gauche) em algumas faixas.
Em Aladins Bakunins Frito Sampler dá vazão à experiência iniciada pelo artista na saudosa Jumbo Elektro: canta numa língua inexistente baseada no anglo-saxão. Assim, é possível ler coisas como Cats and gatz ou Ladies, soldies and fantasys, além de Love, melodies and more nothing, entre outras, entre os títulos das 10 faixas do álbum.
Frito Sampler surgiu em um sonho. Aladins Bakunins, o título do álbum, em uma pesquisa na internet: buscando outra coisa, as palavras apareceram juntas e ele não teve dúvidas em usá-las para batizar o novo trabalho.
Nele estão traços característicos da obra de Tatá Aeroplano, com altas doses de psicodelia evocadas desde a capa, num disco de conteúdo freak, às vezes folk, alucinante, mais alegre aqui, ou melancólico acolá, como se pudéssemos prever o que, de repente, a formação original dos Mutantes estaria fazendo em pleno século XXI.
Tatá Aeroplano – ou Frito Sampler – conversou com o blogue. Esbanjando simpatia, ao fim do e-mail em que respondeu a entrevista, mandou um “viva a música e obrigado pelas perguntas”. Aos produtores da Ilha, um toque: é grande sua vontade de tocar aqui.
Já foi dito que a música é a única linguagem universal. O que o levou a cantar numa língua inexistente? Quando aprendi tocar violão na adolescência, a segunda canção que compus junto com o violão foi uma que não tinha uma letra em português, e sim umas palavras “desconexadas”, puxadas pro anglo-saxão… Foi um lance natural, que sempre teve momentos na minha onda criando. O que aconteceu com o Frito foi isso. Tive um surto cantando essa linguagem louca em 2013 [durante a gravação da trilha sonora do longa-metragem De menor, de Caru Alves de Souza]… Fiz um monte de músicas assim e me deixei levar por isso, como tinha feito com o Jumbo Elektro, minha banda de 10 anos atrás.
Homem à frente de Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro, carreira solo de Tatá Aeroplano, e agora Frito Sampler. Qual a sensação de ser vários? Depois que eu vi o filme Holy Motors do Leo Caraix, entendi que sempre fui vários… Dei corda pra isso… Adoro me jogar na noite… Adoro acordar cedo… Gosto de correr… De andar pela city… De tomar umas… De tomar várias… As composições sempre vieram de todos os lados e influenciadas por tudo o que eu vivo… Entendi que sempre fui vários… Tem o que acorda cedo.. O que não dorme… O que toma litros de café… O que bebe todas… Eu convivo com todos eles… E se dou mais corda pra um… O outro reclama… Minha cabeça é uma loucura das boas.
Frito Sampler é mais que a reunião de sobras que não couberam em discos de tuas bandas ou tua carreira solo. É possível explicá-lo? São as músicas que baixaram sem muita explicação lógica, como as cantadas em português, que também chegam do nada, a maioria é assim… O lance de sobras, são aquelas bandas que fazem 50 músicas pra tirar 10 pro disco… O meu problema, na real, é que componho centenas de coisas a cada ano… Daria pra fazer uns discos bem loucos… Então tô vendo até que ponto posso dar asa às loucuras… Porque pretendo no futuro… Fazer um disco de inéditas a cada seis meses… Falando em baixar… Tenho uma banda com o Paulo Beto… Chamada Zeroum, lá eu sempre cantei nesse idioma também… [o artista enviou os links com os vídeos usados nesta entrevista]
Aladins Bakunins é divertido e tem a marca de Tatá Aeroplano. Fora a língua inventada, o que difere basicamente Frito Sampler de Tatá Aeroplano? O Frito é esse cara que aparece no clipe Frank Black Meeting Calling Days [faixa que abre Aladins Bakunins]: ele tem uma namorada andrógina de peruca rosa também e tem amigos como o pássaro psicodélico da floresta… A Ohana… A Sofi Anaho… Ele frequenta a noite e se joga geral… Esse é o Frito, canta numa língua que não existe… É o cara que veio do campo pra cidade. Já meu trabalho de compositor traz as canções em português, tem a psicodelia e a ironia que carrego comigo e em tudo que eu faço coloco um pouco dessas referências todas.
Com tantas identidades é difícil conciliar tantas agendas? Tem ainda a de produtor, dj… O mais difícil mesmo é conciliar todos esses personagens malucos aqui dentro da cachola… Quanto a agenda… A prioridade total pro trabalho autoral, os álbuns do Tatá [Tatá Aeroplano, de 2012, e Na loucura e na lucidez, de 2014]… E nos respiros… Pirações… Como eu disse… Minha meta é um disco a casa seis meses.
Conheces São Luís? Gostaria de tocar aqui? O que falta? Nossa, tenho muita vontade de ir pra São Luís. Eu preciso saber quem pode me ajudar a ir praí fazer shows! Quero muito ir!
Desde o disco manifesto do movimento tropicalista, em 1968, Tom Zé mostrou-se um dos mais férteis compositores daquela geração. Relegado ao ostracismo na década de 1980, foi redescoberto graças à garimpagem de David Byrne, que o devolveu a prateleiras de lojas de discos e a palcos, no Brasil e no exterior. Os episódios são bastante conhecidos.
Também o descobriram e redescobriram-no novas gerações de músicos brasileiros, seja através de regravações ou da influência confessa. De Com defeito de fabricação (1998) para cá, o iraraense tem mantido um intenso diálogo criativo com artistas mais jovens – Tom Zé conta 78 anos, com fôlego de adolescente.
Vira lata na via láctea [2014], seu disco mais recente, é recheado de exemplos, entre parcerias e participações especiais. A zombeteira Geração Y (GY), faixa de abertura, tira onda com o amor, as manifestações de rua e a tecnologia: “oh, oh, yes!/ wireless/ um ET/ dentro do HD/ mas, além disso/ o ambiente é compromisso/ porque já somos o pós-humano/ a nova turma antropomórfica do bando”, diz a letra da parceria com Henrique Marcusso.
Entre os destaques, Pour Elis, homenagem à Elis Regina, em que Tom Zé musica um texto de Fernando Faro – um dos homens de tevê mais importantes para a música brasileira –, cantada em dueto com Milton Nascimento. A pequena suburbana, que fecha o disco, é um marco: trata-se da primeira parceria do baiano com o conterrâneo Caetano Veloso, cantada em dueto com o próprio.
Parceria com Criolo, Banca de jornal, um “samba-editorialista”, como o classifica o próprio Tom Zé, em que divide os vocais com o rapper, é, de longe, a mais radiofônica, com a letra inspirada citando diversos jornais e revistas brasileiros: “Veja! Isto É – poca/ lenha/ no grande bate-boca/ e ainda escrevo/ uma Carta Capital/ para os Caros Amigos/ desta banca de jornal”.
Entre parcerias, composições e participações especiais, ainda comparecem ao disco Tiago Araripe (autor de A quantas anda você?), Elifas Andreato (parceiro em Salva humanidade), Marcelo Segreto (Filarmônica de Pasárgada, parceiro em Guga na lavagem; violão), Tim Bernardes (O Terno, parceiro em Papa perdoa Tom Zé; voz, guitarra, órgão, percussão), Kiko Dinucci (guitarra, violão, percussão), Rodrigo Campos (cavaco), Silva (programação), Tatá Aeroplano (Cérebro Eletrônico; apitos, brinquedos, coro) e Trupe Chá de Boldo (vocais e arranjos).
A depender dessas trocas, fusões e ousadias, no auge das juventudes – a própria e as alheias –, o garoto Tom Zé ainda vai (cada vez mais) longe.
[Sobre Hein?, show de Bruno Batista e Claudio Lima, Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy), 27/11]
Foto: Djalma Raposo
Hein? não é para surdos. É para ouvidos atentos, ávidos. Não é para quem está acostumado a mesmice. Ou é, se se quiser sair desta zona de conforto.
É um show em que Bruno Batista e Claudio Lima divertem-se no palco e nós nos embevecemos na plateia. Em determinada altura, ao agradecer carinhosamente a presença de todo mundo, o segundo comenta a importância do público: “sem vocês nós não estaríamos aqui cantando, fazendo música. Estaríamos em casa, estudando”.
Parece simples a ideia de reunir um amontoado de canções, subir no palco e cantar. Pode até parecer, mas está longe disso. Há uma preocupação em reinventar, em recriar, em recompor.
Claudio Lima está cantando cada vez melhor, no palco sua entrega é total, seus elegantes suspensórios não contêm o talento que lhe cabe. Bruno Batista, a despeito de ainda bastante jovem, já é um senhor compositor, sua boina deve ser a primeira a saber das ideias musicais originais que estão sempre a fervilhar sua cabeça.
A poesia forte de Gonzaguinha é recitada ao final de Comportamento geral, que abre o show. Uma música forte, que parece dizer que, apesar de estarem se/nos divertindo e deliciando, a dupla não está para brincadeira.
Noturno (Graco/ Caio Silvio), sucesso de Fagner, ganha clima jazzy na interpretação límpida de Claudio Lima. Sozinho, acompanhando-se com um maracá, canta Kaô (Gilberto Gil/ Rodolfo Stroeter), o risco e a experimentação marcas deste inspirado artista.
Zanza (Carlinhos Brown) ganha grand finale de boi de zabumba, no arranjo inspirado acompanhado pela banda, enxuta e competente: Rui Mário (teclado e sanfona), Luiz Jr. (violões de seis e sete cordas e viola) e João Simas (guitarras).
Antes de cantarem Guaraná Jesus (versão de Carlos Careqa para Chocolate Jesus, de Tom Waits) Bruno Batista contou a história de como chegou à música, de como chapou com À espera de Tom, o disco em que Carlos Careqa canta apenas versões de Tom Waits, ele “fãzaço” declarado de ambos.
Claudio Lima brinca com a voz e torna sublime o fecho de Menina amanhã de manhã (Tom Zé), cantada por ambos e acompanhada por Bruno Batista ao violão – o que ele faz em boa parte do show.
Vê se me esquece (Itamar Assumpção/ Alice Ruiz) é uma música que Bruno Batista escolheu para chamar de sua. Ciranda para Janaína (Kiko Dinucci/ Jonathan Silva) demonstra sua inserção na cena paulistana, onde reside.
“A culpa é dele”, Claudio Lima acusa Bruno Batista ao interpretar Teu corpo (parceria de Bruno com Paulo Monarco e Dandara Modesto), uma das inéditas da ótima safra recente do compositor. Também foram reveladas Madrigal (também parceria de Bruno com Monarco e Dandara) Senhora da alegria – cantada como se rezassem, linda oração que a música é –, O queixo, um tango engraçado, e Caixa preta. Coisas lindas que eu espero que eles gravem logo nos discos prometidos em entrevista, pois não é justo ficarmos reféns de apresentações que não acontecem com tanta regularidade – infelizmente.
O show foi fechado com Hein? (Tom Zé/ Vicente Barreto), que batiza o show. Bruno Batista e Claudio Lima apresentaram a banda e agradeceram novamente aos patrocinadores e apoiadores e a presença do público. Voltaram para o bis: Rosa dos ventos, com que venceram um festival há dois anos, em São Luís, se juntou a Tarantino, meu amor, únicas autorais já gravadas pelo compositor.
Esqueceram-se de comentar o belo cenário, assinado por Claudio Lima: formado por espelhos, um ponto de interrogação em forma de orelha – ou vice-versa –, espécie de logomarca de Hein?, usada também na divulgação do espetáculo desde sua primeira edição, em 2008.
Que venham temporada e turnê, como também prometido em entrevista. Mais gente precisa ouvir e conhecer Bruno Batista e Claudio Lima, dentro e fora do Maranhão.
p.s. (como na música de Itamar e Alice): houve certo exagero no uso de gelo seco, às vezes mais de um jato por música. A máquina faz muito barulho.
Blogue conversou com os artistas sobre o show, parceria, amizade, projetos e discos futuros
Foto: Vivian Pereira
Quando me abriram a porta do Estúdio Sonora, do músico Luiz Jr., ele (violão sete cordas), João Simas (guitarra) e Rui Mário (teclado) acompanhavam Bruno Batista (voz e violão) e Claudio Lima (voz) em Zanza (Carlinhos Brown).
Passaram a música várias vezes, com Rui Mário chegando a trocar o teclado pela sanfona, para ver o que soava melhor no arranjo. Estavam arredondando-a para o espetáculo Hein?, sucesso de público e crítica que depois de seis anos volta a ser apresentado hoje (27), às 20h30, no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy, Rua do Egito, Centro; ingressos: R$ 30,00, à venda na bilheteria do Teatro).
Bruno Batista e Claudio Lima são dois dos mais interessantes artistas da música produzida no Brasil atualmente. O primeiro tem três discos gravados: o homônimo Bruno Batista (2004), Eu não sei sofrer em inglês (2010) e Lá (2014). Claudio Lima estreou antes, com um disco que levava seu nome (2001), e depois lançou Cada mesa é um palco (2006), dividido com o pianista Rubens Salles.
Responsável pelos belos projetos gráficos de seus dois discos, Claudio Lima assinou também o do segundo de Bruno Batista. Atualmente está gravando seu terceiro disco, ainda sem título.
Quando apresentaram a primeira edição de Hein?, em 2008, no Teatro Alcione Nazaré (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho), ninguém – nem eles mesmos – entendeu o porquê de o show não ter ganhado uma temporada ou turnê – promessa que já fazem para a edição de agora.
Depois de Zanza, o grupo deu um break para café e cigarros. Este blogue aproveitou para conversar com Bruno Batista e Claudio Lima, que além de Hein?, falaram de amizade, parceria, projetos e discos futuros. Depois da conversa o blogue ainda ouviu Menina amanhã de manhã, outra de outro baiano, Tom Zé, que comparece ao repertório do show, batizado por uma parceria dele com Vicente Barreto.
Claudio sempre me parece mais tímido fora do palco. No palco ele cresce… Bruno Batista – [risos] Agora… por que no palco, antes, era a mesma coisa. Claudio Lima – A mão no bolso [risos].
Eu li que Guaraná Jesus [Chocolate Jesus, de Tom Waits, versão de Carlos Careqa] está no repertório do show. Bruno –Eu sou fãzaço do Tom Waits. Quando Careqa fez aquele disco de versões [À espera de Tom, 2008], eu falei “pô, que massa!”. E quando chegou em Guaraná Jesus eu fiquei puto: “quem era pra ter feito isso era eu!” [risos]. Tinha que ter tido essa ideia, sensacional a sacada dele. Aí a gente resolveu colocar no show, eu trouxe pra Claudio, ele se amarrou também, tá legal pra caramba.
Seis anos depois vocês voltam com Hein? O show na época foi sucesso de público e crítica e havia uma cobrança. Por que a demora? E o que significa essa volta? Claudio – Foi até uma surpresa na época. Bruno – Ambos tínhamos lançado apenas um disco [nota do blogue: Claudio Lima já havia lançado Cada mesa é um palco, de 2006]. Claudio Lima tinha o Claudio Lima, que foi um disco arrebatador, todo mundo falava. Eu lancei o meu [Bruno Batista, de 2004] dois ou três anos depois, e quando eu lancei o meu a gente se conheceu. Eu já o conhecia através do trabalho do disco dele, ele conheceu o meu, a gente se aproximou através de amigos em comum, e já rolou aquela energia boa, a gente se gostou de cara. Claudio – Acho que a primeira vez que a gente sentou, na casa de Alex [Palhano, jornalista], tu me mostrou “hoje eu quero solidão” [cantarola o verso inicial de Despedida, de Bruno Batista], eu falei: “eu quero!”. Bruno – Exatamente! Na verdade, foi na audição do disco. Eu tava com o disco pronto, fui fazer uma audição e tu tava lá. Nesse mesmo dia tu gostou de Despedida e de Eu não ouvi todos os discos, quis gravar e tal. Afinou, pessoalmente, musicalmente, fizemos o primeiro Hein? O show foi um sucesso. A gente cometeu um erro, na época, de não ter feito uma temporada do show.
Por que não ter repetido antes? Claudio – Eu provoquei bruno no face [a rede social facebook]: “vamos ressuscitar o Hein??” Foi só um comentariozinho. Bruno – Exatamente! Claudio – Eu tou vendo que a cena aqui tá bem legal.
Quando foi essa provocação? Claudio – Foi esse ano, começo desse ano. Bruno – A provocação para refazer o Hein? foi esse ano, mas a gente já tinha um projeto de fazer um disco juntos. E como a gente ainda não conseguiu fazer isso, bom, tá demorando demais, talvez por causa do disco que venha a ideia de refazer o Hein?
Mas vão conseguir fazer o disco juntos, não é? Bruno – [enfático:] Vamos! É um projeto pessoal nosso, meu e dele. Agora não vai dar, ele vai lançar o disco dele proximamente. Não vai demorar, né? Claudio – [irônico] Não, não vai demorar. Depende só de… grana [risos].
Como está essa feitura de teu disco novo, o terceiro disco? Claudio – A pré-produção tá pronta, com as bases de Eduardo Patrício [músico maranhense radicado em Curitiba, assinou as bases eletrônicas de Cada mesa é um palco]. Eu fiz um show, Rosa dos ventos [título de uma música de Bruno Batista, vencedora do Festival Viva 400 anos, que celebrou o aniversário de fundação da capital maranhense], eu estava excitado com as bases do Eduardo e chamei Luiz Jr., briguei com Luiz Jr. para ele tocar em cima das bases [risos].
Há um momento muito bonito de Rosa dos ventos [o show aconteceu dia 21 de fevereiro de 2014, no Teatro da Cidade de São Luís], que está no youtube, que é Salomé, de Fabreu [o poeta Fernando Abreu] e Magah [o cantor e compositor Marcos Magah]. Ela está no teu disco novo? Claudio – Não sei. Não sei, mas eu acho que sim. Bruno – É linda aquela música! Claudio – Por que o que acontece: eu tou com essas bases, aí vou chamar músicos, começar a gravar, alguma coisa pode acontecer. Essa é uma. Tem outra do Magah que eu também tou com vontade, dele e de Acsa [Serafim, cantora e compositora], nunca foi tocada.
E o que tem no repertório desse novo Hein?? Bruno – O repertório é todo diferente. A gente pensou em fazer umas canções de que a gente gostava, começou com isso. A gente não sabia muito bem o que fazer e começamos apanhando algumas canções de que a gente gostava pessoalmente. No meio do processo eu senti Claudio cutucando ali, mas não falava direito o que era. Aí ele falou: “Bruno, eu tou sentindo falta de inéditas”. Aí eu achei que isso seria o grande lance. Eu tinha acabado de lançar um disco [Lá, 2014], no começo desse ano, e quando você lança um disco você acaba com seu estoque, as que eu tinha eu gravei [risos]. Como o disco saiu em março, eu já vinha compondo algumas coisas, comecei a apresentar uma série de canções pra ele. Claudio – Começou a vasculhar as gavetas, os sentimentos. Bruno – Tanto que tem música que ainda não estava pronta, que está sendo terminada agora, terminando a letra agora, eram só embriões. Mas o repertório do show, basicamente é esse: canções que a gente gosta de cantar, que a gente tem afinidade. Claudio – Mas a gente manteve um formato, intuitivamente, um formato que foi o primeiro Hein?. Tipo colocar uma música muito conhecida, colocar inéditas. Por que quando eu cantei Rosa dos ventos no primeiro Hein? – eu cantei Rosa dos ventos –, era inédita. Foi a primeira vez que a música foi cantada. Teve mais inéditas? Bruno – Hilda Regina [faixa de Eu não sei sofrer em inglês, de 2010] era inédita, eu fui gravar depois. Mas eu acho que esse show tem mais inéditas que o anterior, tem quatro ou cinco. Por que se depender da gente, a gente bota só as coisas que são meio lado b, então a gente tenta dosar um pouquinho.
Então Hein? mescla um pouco de um tributo a artistas que acabaram colaborando por moldar vocês enquanto artistas, quer dizer, referências – Tom Zé, Tom Waits – a um repertório inédito teu. Tudo que é inédito é teu ou há inéditas de outros artistas? Bruno – Não. Até poderia ter tido. Calhou de ser. A gente não pensou isso: “vamos botar inéditas minhas”. Acabou acontecendo. Comecei a mostrar algumas coisas e elas preencheram o show e a gente não foi atrás [de repertório inédito de outros compositores]. Basicamente é isso: inéditas minhas e um tributo a artistas que nos formaram musicalmente.
Estou sentindo uma timidez de vocês em não entregar o ouro [risos]: Tom Zé eu sei que tem por conta da faixa-título, Tom Waits por que eu li na matéria [#hein? A volta, de Patrícia Cunha, nO Imparcial de 23 de novembro de 2014], Carlinhos Brown por que ouvi vocês cantando. O quê mais? Bruno – Fagner. Roque Ferreira, que é um cara que cada vez que passa, desde que eu descobri a obra dele, me apaixonei, a gente vai botar uma música dele. Carlinhos Brown, Tom Waits, Carlos Careqa, Tom Zé. É o seguinte: se fôssemos pegar os formadores mesmo, teria que botar Elomar, Chico Buarque. O repertório é de coisas que a gente está ouvindo e gosta de cantar e de alguma forma influenciam no que a gente faz. Claudio – Tem [Gilberto] Gil também. Bruno – Sim, Gil, um dos grandes mestres nossos.
E vocês, fora de Hein?, têm se encontrado de vez em quando, às vezes não no palco. Teve Rosa dos ventos, com que vocês ganharam o festival, um compondo, outro cantando. Estão sempre em contato. Claudio – Que pagou a pré-produção de meu disco. Bruno – Sempre. Sempre que eu venho à São Luís a gente se encontra. Nós, além de parceiros musicais, somos amigos. As primeiras audições de meu disco, eu sempre mando pra Claudio, música nova. Tem uma música que vai entrar no Hein?, chamada Senhora da alegria, que, assim que eu fiz, mandei pra Claudio. A gente se conhece, sabe que o outro vai gostar de ouvir. A gente está sempre em contato, é amigo.
E teu disco novo? Por que você mostrou muita coisa inédita lá na Ponta do Bonfim [Bruno Batista cantou na edição do evento que trouxe Danilo Caymmi à São Luís]. Bruno – Mostrei. Mas esse disco não vai ser para agora. Eu lancei o Lá em março de 2014. Esse ano foi atípico para a produção no Brasil. Todo mundo lamentou não ter circulado, Copa do Mundo no Brasil, eleições, o dinheiro ficou apertado para todo mundo, não tinha verba de incentivo. Eu ainda não consegui fazer esse disco andar da maneira que eu gostaria. O ano que vem vai ser dedicado a tentar andar com Lá, colocar ele na roda, então meu próximo disco vai ficar provavelmente para 2016. Mas a criação, a composição ela não para. Ainda bem.
Claudio, você está trabalhando no terceiro disco e já comentaram o projeto de gravar um disco em conjunto. Algum sonho de fazer um disco teu cantando só músicas de Bruno? Claudio – [gargalhadas]. Eu faria um disco só com músicas de Bruno. Bruno – É. Tem dois discos para fazer: o nosso e esse, que eu farei com o maior prazer do mundo.
E você está envolvido com o de Naeno [compositor piauiense, tio de Bruno], não é? Bruno – O disco de Naeno é um disco que me deu um superprazer. Além de ser meu tio é um compositor que eu acho maravilhoso. Inclusive, agora que tu falou, me deu uma pena de não ter colocado uma música de tio Naeno nesse show, cara.
Ainda dá tempo! Bruno – [gargalhadas] O disco de Naeno eu fiz a produção artística, chamei Swami Jr. [violonista] e Guilherme Kastrup [percussionista] para a produção musical, tem participações especiais de Monica Salmaso, Chico César, Zeca Baleiro. Eu peguei o repertório dele todo, selecionamos 13 faixas, algumas já gravadas, outras completamente inéditas. Eu queria fazer um panorama da obra dele. Era a primeira vez que ele ia fazer um disco fora, com esse tipo de músico, esse tipo de produção, achei que merecia isso. Tá lindo, tá muito bonito, está sendo prensado agora, até o Natal deve estar pronto, e a gente deve lançar ano que vem. Esse disco tem uma curiosidade: o Dominguinhos ia participar dele. Eu liguei para Dominguinhos, ele estava saindo de Recife para Fortaleza, e falou “olha, chegando em Fortaleza daqui a uma semana”, ele só andava de carro, “e lá eu vou gravar a participação no disco de Naeno. Nesse meio tempo ele adoeceu terminalmente e a gente não teve a oportunidade de ter Dominguinhos no disco, que é uma grande referência pra meu tio. Nossa, seria pra gente uma honra imensa. Mas apesar disso o disco está maravilhoso.
Apesar de uma banda enxuta estão escudados pelo que há de melhor, em termos de instrumentistas, em São Luís, no Maranhão. Como é que foi a escolha dessa banda, o entrosamento de vocês? Claudio – A gente já trabalha com Luiz Jr., eu, Bruno separadamente. Você já fez um show com essa formação, né? Bruno – Só Jr. e Rui Mário. Claudio – E deu vontade de chamar alguém da nova geração pra dar uma provocada. A gente chamou o Simas. Bruno – Pra misturar as linguagens. Claudio – E tirá-los de uma zona de conforto. Eu adoro estranhamento, adoro botar músico pra brigar [gargalhadas]. Meu primeiro disco foi um dj [Eduardo Corelli], não é músico, tem uma cultura musical maravilhosa. Na época ele se travestia, tu imagina o cara vir de São Paulo e chegar lá no estúdio de Henrique Duailibe [gargalhadas]. No primeiro momento já teve aquele [gesticula e imita sons de objetos se quebrando]. E ele não sabia da linguagem musical, andamento, tom. E me perguntavam: “como é que tu quer, Claudio?” “Eu não sei, resolvam!”. Foi assim que surgiu o primeiro disco. Bruno – É isso! A gente queria misturar linguagens. Tem o Jr. e o Rui, que a gente toca há muito tempo, eu sou fãzaço dos dois, e a gente queria fazer um show acústico. Eu sou compositor, por excelência. Claudio é intérprete, adora canção, adora letra, aquele universo da canção. A gente pensou numa formação mais acústica, menor, onde a canção fosse a vedete e as letras fossem bem ditas, bem compreendidas, e nisso, querendo misturar linguagens, a gente optou por essa formação, que tá dando o maior pé, da maneira como a gente pensava ser. Vai ficar foda!
Há perspectiva de temporada, turnê? Bruno – [enfático] Tem! Eu não vou ter medo de falar isso em entrevista, é até uma forma de a gente se cobrar depois.
Oitavo disco da carreira do maranhense radicado em São Paulo será lançado em show intimista. Além de repertório autoral, espetáculo trará obra de grandes nomes da música brasileira
Com 29 anos da gravação de seu primeiro disco, o cantor e compositor Lourival Tavares volta a se apresentar em São Luís. O show será sexta-feira (11), às 20h, no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy). Na ocasião o músico lançará seu oitavo disco, Enluarado, mesmo título do espetáculo.
O repertório de Enluarado terá a íntegra do disco, que inclui, entre outras, Muito romântico, de Caetano Veloso (gravada por Roberto Carlos), e Pequeno concerto que virou canção, de Geraldo Vandré. No show, Lourival Tavares passeará também por músicas de outros discos seus, casos de Matadouro, parceria com o poeta Celso Borges, Velha calça de xadrez, parceria com Josias Sobrinho e Éden Bentes, além da obra de artistas que admira, como João do Vale, Luiz Gonzaga e Betto Pereira, de quem gravou Ana e a lua.
Enluarado é uma espécie de apanhado de sua trajetória. O disco, junto com o dvd O laço do olhar, aponta os destaques de sua produção e nomes que foram importantes para a sua formação musical. O dvd conta com a participação especial de Jarbas Mariz, músico da banda de Tom Zé, que já havia gravado com Lourival Tavares em seu disco ao vivo Na colheita dos versos. No palco ele será acompanhado por Marcos Lussaray (violão e guitarra).
“O roteiro do show é baseado no repertório do disco Enluarado, acrescido de músicas que gosto de cantar. Mas é claro que seu formato enxuto, somos eu e mais um músico no palco, permite certa flexibilidade. O público pode aguardar algumas surpresas”, avisa Lourival Tavares, natural de Santa Inês/MA, hoje radicado em São Paulo.
O músico voltou à São Luís para participar da temporada junina. “Fiz algumas apresentações, recarrego as baterias, as energias para viver em São Paulo e criar. Resolvi aproveitar o prolongar da passagem para lançar o disco novo em minha terra natal”, revela.
Serviço
O quê: show Enluarado Quem: Lourival Tavares Quando: 11 de julho (sexta-feira), às 20h Onde: Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy) Quanto: R$ 20,00 (R$ 10,00 para estudantes e demais casos previstos em lei) Maiores informações: (98) 8122 0009
Show de lançamento de Lá, seu terceiro disco de carreira, acontece dia 30 no Teatro Arthur Azevedo
Maranhense nascido em Pernambuco, hoje radicado em São Paulo depois da infância no Piauí e uma temporada carioca, talvez a geografia de Bruno Batista aponte os caminhos que o levaram a Lá [2013, R$ 25,00 em média], seu terceiro disco.
Lá é uma prova de que é possível fazer música pop, escancaradamente radiofônica, sem apelar para o fácil – considerando utopicamente o dial um território livre do “jabá”. Bruno Batista reprocessa, embora nem tudo seja percebido de imediato, maracatu, bumba meu boi, samba (que eletrifica, com o auxílio luxuoso de nomes de uma interessante cena paulista) e a canção de festival – com Rosa dos ventos, que fecha o disco, foi vencedor do Viva 400, em São Luís, em 2012; na ocasião a música foi interpretada por Cláudio Lima, seu parceiro de outras temporadas.
O artista mostra-se um compositor de fôlego – assina sozinho letra e música das 11 faixas do disco, o que já acontecia em Bruno Batista [2004] e Eu não sei sofrer em inglês [2011]. É um de nossos mais interessantes criadores, reprocessando influências dos locais por onde passou, sem soar óbvio nem negar a importância, para sua obra, de, entre outros, Naeno [compositor piauiense, seu tio], Tom Zé [há sutil citação de Solidão na faixa-título] e do cinema [o título original de Brilho eterno de uma mente sem lembranças é citado em Rosa dos Ventos], entre outras.
Incêndio, que abre o disco, avisa, de cara: “fiz das chamas o meu protetor/ pois jamais vai temer a fogueira/ quem nasceu pra ser tambor”. A faixa-título é um primor: o riff inicial avisa que é impossível esta música passar despercebida por qualquer ouvinte e logo se alia a uma poética sublime e um refrão chiclete, cujo resultado é um dos grandes momentos desta sua década de carreira, para figurar ao lado de Bonita e Tarantino, meu amor [faixas do disco anterior]: “Lá onde as bailarinas não têm medo/ lá onde a beleza dá no chão/ e os fantasmas dormem cedo/ (depois do ladrão)/ (…)/ Onde as dores são de areia/ e as sereias cantam nuas/ onde a chuva se penteia/ quando vai cair na rua/ (…)/ Lá onde a escuridão termina/ onde o açúcar tem mais gosto/ e a saudade é uma menina/ com os traços do teu rosto”.
Outra preciosidade é o samba elétrico Pois, Zé, dor de cotovelo que evoca o mestre maior do gênero, Lupicínio Rodrigues, à sua altura: “Agora que você foi embora/ quitei o flat com a penhora/ do teu amor que só me deu azar/ com garantia a toda prova/ comprei uma lua nova/ pra me iluminar/ Cortei o choro, o sal e o analista/ menos metal e mais sambista/ sigo outra pista e levo fé/ Pois Zé/ vivo a alegria a toda hora/ agora que você foi embora/ pra nunca mais/ se Deus quiser!”.
Também merecem destaque o belo projeto gráfico assinado pelo piauiense Antonio Amaral e o time de músicos escalado por Bruno Batista: André Bedurê (contrabaixo), Dandara Modesto (voz e vocais), Guilherme Kastrup (bateria e percussão), Ricardo Prado (contrabaixo e rhodes), Rodrigo Campos (guitarra e cavaquinho) e Rovilson Pascoal (guitarra), entre outros.
“Diga o que disser/ nada muda a maré de direção” [versos de Pois, Zé]: com Lá Bruno Batista (com)firma-se como um grande compositor, antenado ao moderno, sem perder o vínculo com suas tradições, com conteúdo, sem soar hermético.
Show – Lá será lançado em São Luís no próximo dia 30 de maio (sexta-feira), às 20h30min, em show no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro). Os ingressos custam R$ 30,00 (plateia e frisa) e R$ 20,00 (camarote, balcão e galeria) e estão à venda no Bar do Léo (Vinhais), Livraria Poeme-se (Praia Grande), O Imparcial (Renascença) e bilheteria do TAA.
Já se vão mais de 10 anos da primeira vez que ouvi Claudio Lima. Foi na Rádio Universidade FM, sua gravação de Ray ban em arranjo blues, o choro que seu autor, Cesar Teixeira, só viria a gravar depois.
Era seu disco de estreia, de 2001, batizado com o nome do cantor, uma das melhores vozes de nossa música. Passeava por clássicos da música popular produzida no Maranhão e fora dele, além de standard de jazz. Estavam lá compositores como Antonio Vieira, Chico Buarque, Gilberto Gil e Josias Sobrinho, entre outros.
De outra música de Cesar Teixeira, Bis, Claudio Lima tirou o título de seu segundo disco: Cada mesa é um palco, lançado em 2006, dividido com o pianista baiano radicado nos Estados Unidos Rubens Salles. Neste apareciam, recriados, que Claudio Lima nunca simplesmente regrava algo, Luiz Gonzaga, Tom Zé, Herivelto Martins e Bruno Batista.
Deste último, com quem já dividiu o palco em Hein?, ele toma emprestado a Rosa dos ventos, música com que venceram um festival de música popular em São Luís, ano passado, para dar nome ao show que apresenta hoje (21), às 20h, no Teatro da Cidade de São Luís (antigo Cine Roxy).
No repertório músicas de seus dois primeiros discos, além de inéditas de, entre outros, Bruno Batista e Marcos Magah. Oportunidade rara, como o talento do protagonista, de conferir o que ele anda preparando para o próximo disco. Já é hora!