Há uma luz que nunca se apaga

The Smiths. officialsmiths.co.uk/ Reprodução
The Smiths. officialsmiths.co.uk/ Reprodução

 

Registro esta história pelas conexões envolvidas, tantos anos passados. Não fosse a quarentena, talvez fosse um texto que não passasse da ideia de escrevê-lo.

A memória é uma ilha de edição, nos ensinou Wally Salomão. E Vinicius de Moraes dizia que a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nesta vida.

Apresentando hoje o Balaio Cultural, na companhia de Gisa Franco, remotamente, eu em minha casa, ela na dela, tive a honra de saber da audiência do amigo Nilsoaldo Castro Silva, o Capu, direto de Rosário/MA. Daqueles amigos que, como comentei com ele, pouco antes de o programa começar, mesmo que a gente demore a se ver, quando nos encontramos novamente parece que estamos continuando uma conversa interrompida ontem.

Foi Capu quem me apresentou The Smiths. Dois cds, totalizando 28 faixas, os dois volumes de uma coletânea do grupo britânico formado por Morrissey (voz), Johnny Marr (guitarras), Andy Rourke (contrabaixo) e Mike Joyce (bateria), os dois primeiros os compositores do repertório.

Eu era um adolescente com meu macarrônico inglês do colégio, mas conseguia, ouvindo os discos, acompanhar, por vezes sem saber o que diziam, as letras nos encartes, posteriormente dispensados: não demorei a cantar sem precisar ler músicas como This charming man e The boy with the thorn in his side, até descobrir There is a light that never goes out, minha preferida desde sempre.

Corta para a vida adulta, alguns meses atrás: a primeira vez em que ela veio ao apartamento em que hoje moramos, no comecinho do namoro, pediu: bota uma música. Eu já sabia que ela gostava de rock e arrisquei justamente There is a light that never goes out e, para minha surpresa, ela revelou a coincidência: trata-se também de sua faixa predileta do grupo.

Fiquei pensando nisso tudo enquanto apresentava o programa e combinei com Gisa Franco de tocar a música e oferecê-la a Guta Amabile. Mas acabei me embananando e mandando a música errada para o operador de áudio – a esta altura Francisco Nunes já substituía Vitor Nascimento –, que tocou The boy with the thorn in his side. Já era! A vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior, já nos diria Belchior.

Como tudo se conecta e eu não queria perder a história – ou melhor, as histórias, das conexões e dos erros – faço este breve registro, oferecendo aqui a música certa.

Não sem antes lembrar de Leminski, em cujo poema erra uma vez nos ensina: “nunca cometo o mesmo erro/ duas vezes/ já cometo duas três/ quatro cinco seis/ até esse erro aprender/ que só o erro tem vez”.

Cecília Leite: equilíbrio e consistência

Enquanto a chuva passa. Capa. Reprodução
Enquanto a chuva passa. Capa. Reprodução

 

Cecília Leite demorou cerca de 10 anos entre um disco e outro. Em Enquanto a chuva passa, repete a opção de misturar compositores locais a nomes nacionais, dando sua contribuição para o fim das barreiras geográficas impostas pelo mercado fonográfico – o disco foi gravado no Rio de Janeiro.

A faixa-título é sua estreia como compositora e narra a vida de um casal que enquanto se separa e um tenta esquecer do outro, mais se lembram de momentos vividos a dois. “Enquanto me esqueço de ti/ lembro do amor/ tingindo as tardes do Rio/ com as cores da nossa leveza/ sorrisos, certezas/ dos meus nos teus passos/ lembro dos beijos de braços/ abraços de pernas/ nas horas eternas”, canta, no refrão.

A chuva que ajuda a batizar o disco volta a aparecer noutras faixas. Em Maré cheia, inspirado samba de Bruno Batista, o compositor veste uma persona feminina ao compor pensando na intérprete. “Por isso se eu mostrar minha alma/ levantem os olhos com calma/ e batam palmas para mim”. A dobradinha merece os aplausos, emoldurada – como de resto a voz de Cecília ao longo do disco – por Luís Filipe de Lima (violão sete cordas), Marcos Nimrichter (piano), Ney Conceição (contrabaixo), Edu Neves (sax) e Marcos Suzano (percussão).

Também chove em Tempo afora (Fred Martins), sucesso de Ney Matogrosso: “Onde mora a ternura/ onde a chuva me alaga/ onde a água mole perfura/ dura pedra da mágoa/ eu tenho o tempo do mundo, tenho o mundo afora”, começa a letra. Cecília Leite recria ainda outra música já gravada por Ney Matogrosso: Noite Severina, parceria de Pedro Luís e Lula Queiroga. A água ganha destaque no projeto gráfico de Claudio Lima, cantor e designer talentoso em ambos os ofícios, outra dobradinha do primeiro disco que se repete.

Ela recria ainda Por um fio (Marcelo Segreto), de O hábito da força (2011), primeiro disco da Filarmônica de Pasárgada, De todas as maneiras (Chico Buarque), hit de Maria Bethânia (de Álibi, de 1978), Seule, de Pixinguinha, com letra em francês de Vinicius de Moraes, trilha do filme Sol sobre a lama (de Alex Viany, de 1963) e, num medley emenda dois grandes nomes da poesia brasileira, maranhenses, um de adoção, outro de nascimento: Palavra acesa, de José Chagas, e Traduzir-se, de Ferreira Gullar. A primeira, musicada por Fernando Filizola, sucesso do Quinteto Violado; a segunda, por Fagner.

Falecido ano passado, é de Chagas, a propósito, a honrosa apresentação da cantora no encarte: “O canto em Cecília é tão visceral quanto nos pássaros, que cantam porque nisso está uma das razões da vida”.

Completam o disco Tem dó (Paulo Monarco e Zeca Baleiro), que o abre, falando na dor da despedida de maneira original; Arrastada (Patrícia Polayne), um martelo sobre o sofrimento e a emancipação feminina; Ainda mais (Eduardo Gudin e Paulinho da Viola), um samba sobre a esperança de reconciliação, com a típica elegância do portelense; Enquanto a chuva passa termina com Lembranças, outra vez Bruno Batista vestindo a persona feminina, competente qual um Chico Buarque, para citarmos dois dos compositores preferidos de Cecília, a propósito, os únicos que comparecem em ambos os discos – este, na estreia, fez uma versão em francês para Eu te amo (Dis-mois comment) e cantou com ela. “As lembranças que inventei…/e já gasta de mim, quis poder confessar/ o que me faz amarga e nua/ não sou minha… sem ser tua!”, termina a letra de Bruno.

Cecília equilibra-se com desenvoltura entre músicas (mais ou menos) consagradas e material inédito, num grandioso exercício de seleção de repertório – prévio, portanto, à gravação. Ela canta o que gosta, sem se prender a rótulos e gêneros. O resultado é o consistente trabalho que apresenta agora aos fãs e aos que certamente virão a tornar-se.

*

Cecília Leite apresenta hoje (10), às 19h30, no São Luís Shopping (segundo piso) um pocket show de pré-lançamento de Enquanto a chuva passa, com entrada franca. A noite contará ainda com exposição de fotos, exibição de videoclipe e lançamento de remix da faixa Arrastada, com os djs Alex Palhano e Macau. Confiram o teaser.

MPB Petrobras trouxe a voz e o violão de João Bosco à São Luís

[Sobre João Bosco, no MPB Petrobras, ontem (3), no Teatro Arthur Azevedo]

 

Foto: MPB Petrobras/Divulgação
Foto: MPB Petrobras/Divulgação

 

O mineiro João Bosco foi o convidado da edição do projeto MPB Petrobras realizada ontem (terça-feira, 3), no Teatro Arthur Azevedo, completamente lotado para assistir a um dos mais importantes violonistas, compositores e cantores brasileiros em atividade.

Dono de obra vasta e diversificada, ele desfilou um repertório de elaborada tessitura, passeando por grandes sucessos, evocando mentores da bossa nova, seus mestres e amigos, de quem contou causos, para diversão da plateia. Sozinho, acompanhando-se ao violão, provava que se basta, como já o fez em diversos discos ao longo da carreira.

Camisa de mangas compridas por fora da calça, boné e tênis davam-lhe um ar jovial e despojado, reforçado pela boa conversa e pelos constantes “obrigado, gente!” com que agradecia a cada aplauso do público.

Foi precedido pela cantora Lena Machado, acompanhada pelo violão sete cordas de João Eudes. Ela confessou o misto de alegria e nervosismo com que recebeu o convite da produção. Nunca é demais lembrar, por exemplo, que quem lançou João Bosco para o Brasil foi o hebdomadário O Pasquim, num disco que trazia o mineiro no lado b, com Agnus Sei (parceria dele com Aldir Blanc). O lado a tinha nada mais nada menos que Águas de março (Tom Jobim). “Era O Tom de Antonio Carlos Jobim e o Tal de João Bosco”, lembrou-se do título lançado em 1972, num dos não poucos momentos em que fez a plateia gargalhar. O resto da história é conhecido: Elis Regina o gravaria e logo João Bosco deixaria de ser apenas um tal para ser reconhecido como um dos grandes da MPB.

Lena e João saíram-se bem em pouco mais de meia hora de apresentação. Ela vinha de um bem sucedido Divino Espírito Samba, cuja banda ele integrou. Prepararam com esmero um repertório que valorizou a produção local, misturando-a a nomes nacionais, conhecidos ou não. O entrosamento era na medida: João mostrou-se um grande instrumentista, sem precisar recorrer a firulas desnecessárias; Lena, grande cantora, também não lhe legou apenas o papel de mero acompanhante. Passearam por Duas ilhas (Swami Jr. e Zeca Baleiro), a óbvia Samba e amor (Chico Buarque), Gracejo (Gildomar Marinho), gravada por ela em Samba de minha aldeia (2009), Curare (Bororó), Namorada do cangaço (Cesar Teixeira), Melhor assim (Daniel Altman e Diego Casas, do grupo paulista Pitanga em pé de amora), Aldeia (Nosly e Celso Borges), que ganhou incidental com trechos de O futuro tem o coração antigo, de Celso Borges, fechando com Dente de ouro (Josias Sobrinho). Não era um show de abertura apenas para cumprir tabela ou exigências contratuais, mas para, como deveria ser sempre, estabelecer alguma ponte, alguma liga com o show principal.

João Bosco atacou, de cara, De frente pro crime (João Bosco e Aldir Blanc). Agradeceu a oportunidade de voltar ao belo palco do Teatro Arthur Azevedo, lembrando-se da última vez em que estivera ali, num show em homenagem a Tom Jobim.

O repertório autoral passou por outros diversos clássicos de sua lavra: Bala com bala (João Bosco e Aldir Blanc), O mestre-sala dos mares (João Bosco e Aldir Blanc), Jade (João Bosco), Memória da pele (João Bosco e Waly Salomão), Agnus sei, Incompatibilidade de gênios (João Bosco e Aldir Blanc), Corsário (João Bosco e Aldir Blanc), O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc), além da recente parceria com Chico Buarque, Sinhá (gravada por Chico em Chico, de 2011).

Ao interpretar Nação (João Bosco, Paulo Emílio e Aldir Blanc) lembrou-se da amizade com Dorival Caymmi e João Ubaldo Ribeiro. Este último “vivia me dizendo que tinha uma parceria com Caymmi. Eu ficava meio sem acreditar. Um dia ele insistiu e eu perguntei como era. Ele começou, com aquela voz dele [cantarolou, imitando a voz do falecido escritor]: “o telegrama chegou/ o telegrama chegou/ foi tua mãe quem mandou””. Após as gargalhadas gerais da plateia, ele continuou, para provocar uma nova gargalhada: “um dia eu estava com Dorival e perguntei: “ô, Dorival, o João Ubaldo vive dizendo que tem uma parceria contigo. Tem? Como é? E ele começou””. João Bosco cantou os mesmos versos, desta vez imitando a voz do falecido compositor.

Sua porção intérprete lembrou Água de beber (Tom Jobim e Vinicius de Moraes), Águas de março, Lígia (Tom Jobim) e A paz (Leila IV) (Gilberto Gil e João Donato). Antes de cantar Água de beber, celebrou Vinicius de Moraes e sua singular contribuição para a cultura brasileira, “seja na poesia, na literatura ou na moderna música popular. Ele entendia do assunto. Era o único que bebia em serviço e trabalhava melhor que qualquer um. Mas a água de beber não era essa aqui, não”, riu, apontando para duas taças dispostas em um banco a seu lado. “A gente brincava dizendo que Água de beber era acqua vita, é como chamam na Europa diversas aguardentes. Quer ver, vocês que estão aí com seus iphones, procurem aí”, divertiu-se, mesmo chamando sutilmente a atenção para os muitos celulares que insistiam em disparar flashes barulhentos, tocar e receber mensagens no whatsapp.

Completando cerca de hora e meia de espetáculo, o bis ficou por conta de Papel machê (João Bosco e Capinam), que ele, a exemplo do que ocorreu em O bêbado e a equilibrista, praticamente não precisou cantar: apenas acompanhou a plateia ao violão. Ao instrumento, repito, ele se basta. E à plateia.

Chorografia do Maranhão: Ronaldo Rodrigues

[O Imparcial, 1º. de setembro de 2013]

O blogue voltará ao assunto em tempo hábil, mas avisa, de já: Ronaldo Rodrigues tocará na próxima terça-feira (28), às 19h, no Teatro da Cidade (antigo Cine Roxy), ocasião em que se apresenta naquele palco o grupo Jorge Amorim e Tribo. Os ingressos custam R$ 20,00.

Do rock e blues ao choro: 14º. entrevistado da série Chorografia do Maranhão cursa bacharelado em bandolim na UFRJ e planeja para breve uma apresentação de seu grupo, Novos Chorões, em São Luís

TEXTO: RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

Era um sábado ensolarado e o Regional Tira-Teima passava o som para uma apresentação na Barraca Paradise (Av. Litorânea). Naquela ocasião o músico Ronaldo Rodrigues daria uma canja com eles, antes de receber alguns amigos na casa dos pais, onde se hospedava, para uma deliciosa favada.

Bandolinista e chorão, Ronaldo já foi – ainda é, melhor dizendo – guitarrista e bluesman. Teve passagens por grupos em São Luís – Palavra de Ordem, Bota o Teu Blues Band e Som do Mangue, hoje Nego Ka’apor – além de uma temporada em Londres, onde chegou a tocar no palco paralelo de um festival que tinha ninguém menos que James Brown no palco principal.

Ronaldo Pinheiro Rodrigues Filho nasceu em 28 de março de 1977, filho dos administradores de empresas Raimundo Pinheiro Rodrigues e Maria Ceci de Miranda, que a princípio desencorajaram-no do ofício. Mas Ronaldo teimou. E considera seu tio Solano [Francisco Solano, violonista sete cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013] – integrante do Regional Tira-Teima, ele acompanhou parte da entrevista – o maior responsável pelo que é hoje.

Cursando o bacharelado em bandolim na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ronaldo tem vindo semestralmente à Ilha, matar as saudades de familiares e amigos. Planeja para entre dezembro e janeiro trazer para cá uma apresentação de seu grupo, Novos Chorões, chancelado pelo homem-dicionário musical Ricardo Cravo Albin. Voltar à Ilha em definitivo não está em seus planos. Ao menos não por enquanto.

Além de músico, você tem outra profissão? Não. Hoje em dia sou só músico. Estou estudando na UFRJ, fazendo o bacharelado em bandolim, com o professor Paulo Sá. É o primeiro curso de bacharel na América Latina, não tem outro. Não tem ninguém ainda que tenha se formado, tem três alunos na minha frente, mais antigos. São duas vagas por ano. A tendência é aumentar. Por ser a única da América, o pessoal de fora, até dos Estados Unidos, está procurando vir para cá.

Eu sabia de cursos de bandolim na Itália. O [bandolinista] Jorge Cardoso foi estudar lá. Então, o Paulo Sá, o doutorado dele é de lá.

Quando você partiu para o Rio? Em 2007. Eu trabalhava com navegação e larguei tudo para ir pra lá, pra arriscar, como tou arriscando até agora.

Você atuou em outras áreas antes de se dedicar integralmente à música. Eu morei quatro anos na Inglaterra, onde aprendi a falar bem o inglês. Devido ao inglês, quando voltei pra cá, eu consegui um emprego com navegação, que exige inglês. Aí fui pegando jeito e passei cinco anos fazendo isso.

Como era o universo familiar na infância? A música era forte? Não. Música lá em casa é bem difícil. Meus pais não têm esse costume de escutar música, não é uma prática deles.

Como é que começou teu interesse por música? Através dos amigos, que gostavam de música, pelas amizades da adolescência. Eu tenho um amigo chamado Cassiano Viana, jornalista, está lá no Rio, a gente se fala com frequência.

Quais foram as primeiras descobertas musicais? Parece que antes de cair no choro você passou pelo rock. Pelo blues. Então, esse Cassiano Viana tinha uma banda chamada Palavra de Ordem aqui, bem antiga, era pop rock. Eu comecei tinha 11, 12 anos, ele me ensinou a tocar baixo. Aliás, eu tava pegando baixo, e pedi à minha mãe um contrabaixo e ela veio com uma guitarra, que ela não sabia a diferença de baixo e guitarra [risos]. Como eu não sabia tocar nada também, peguei a guitarra. Aí começou o rock assim, fiz parte de uns grupos de blues.

Você lembra o nome desses grupos? Tem a Bota o Teu Blues Band, foi uma delas, e a Palavra de Ordem, antes de ir pra Londres. Na família, além de Solano, tem Jean Carlos, que escuta muito rock progressivo. Ele ia muito no [programa de rádio] Vertentes, que era na Mirante, com [o radialista] Gilberto Mineiro. Com ele eu escutei muito progressivo, ele sempre me apoiava pra tocar, o filho dele tava morando uma época na Inglaterra e ele ofereceu, se eu quisesse ir pra lá passar um tempo. Eu não tava conseguindo passar em vestibular nenhum aqui. Aí eu fui pra lá, com a guitarra debaixo do braço.

Lá você também estudou? Lá eu toquei em várias jams de blues, jam sessions, aí teve um grupo de rock chamado Plastic Grapes, Uvas de Plástico. Com eles eu até toquei num festival, que é comparado com o Woodstock, o Woodstock que rendeu. Quando a gente tava num palco paralelo que dava uma parada a gente escutava James Brown, que ainda era vivo, no palco principal. Acho que em 1999 ou 2000.

Você aprendeu a tocar com mais ou menos que idade? Que já sentia certa segurança… Acho que com 15, 16 anos.

Lá em Londres você passou quatro anos só tocando? Não. Lavei e limpei muito prato [risos]. Mas tentando sempre na música. Aí com quatro anos resolvi voltar. Até então eu escutava muito rock e muito blues. Fui me interessar por música brasileira lá. A concorrência, é que nem um gringo chegar aqui e querer tocar choro e samba. Um dia eu toquei Garota de Ipanema [Vinicius de Moraes e Tom Jobim] sem querer, brincando, e todo mundo ficou assim, ahn?

E como é que começou essa história do choro? Quando eu voltei de Londres eu falei “vou tocar choro, quero tocar choro”. Liguei até pra Solano pra pedir umas aulas de violão. Eu não fazia noção do que era. Ele disse: “traz teu instrumento aqui, vamos fazer uma roda”, e eu cheguei com um violão de aço. Aí ele disse: “não, encosta teu instrumento aí”, e eles ficaram tocando, eu fiquei vendo, acho que tava o Tira-Teima todo. No final, eu falei que tocava guitarra, e Celson [Mendes, violonista] tirou uma guitarra do carro dele e um amplificadorzinho. Aí eu falei “eu não toco choro. Eu toco blues, jazz”, ele tirou um tema de jazz, e aí eu fiquei à vontade.

Voltando pra Londres: tua descoberta da música brasileira, digamos assim, ela começou com aquele brincar com Garota de Ipanema ou houve algum disco? Como foi? Eu paguei uma aula para um professor do Rio Grande do Sul, não recordo o nome dele agora, eu o vi tocando uma vez num barzinho, música brasileira, peguei um cartão e ele dava aula e eu comecei a ter aulas com ele, aulas muito boas. Ele perguntou: “você quer fazer o quê?” “Eu quero tocar música brasileira”. Tinha muita MPB, bossa, Vinicius de Moraes, Chega de Saudade [Tom Jobim e Vinicius de Moraes], Tom Jobim.

No teu universo familiar não teve muita vivência musical. Teus pais nunca te atrapalharam? Nunca pediram que você se desinteressasse pela música? Um pouquinho. Aqui em São Luís tem pouco acesso à cultura, à arte, é uma coisa meio assim, underground, eu acho até normal eles se preocuparem em ter um filho que vai se especializar em uma coisa que vai dar o quê, né? Demorou um pouquinho para eles apoiarem. Hoje em dia eles apoiam muito. Tanto é que eu estou lá, graças ao apoio deles.

E o bandolim? A partir de quê a escolha por este instrumento? Solano viu que eu tinha facilidade com melodia e o bandolim é um instrumento melódico e ele sugeriu que eu comprasse um. Solano é da família, eu chamo de tio, primo do meu pai. Eu lembro muito bem de um barzinho que tinha lá perto do Barramar e Solano falou pra papai: “Ronaldo tá nesse negócio de música, então vai pra Escola de Música [do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo], bota na Escola”. Mas conselho que é bom… Se fosse desde aquela época…

Então Solano tem uma grande responsabilidade pelo que és hoje. Se perguntarmos então quem foi a pessoa que mais te influenciou? Claro! Foi Solano, sem dúvida. E o Tira-Teima [Solano diz que o levou para o regional].

Ele foi estagiário do Tira-Teima? [risos] Foi. Inclusive fui eu quem apresentou o [flautista] João Neto pra vocês [fala diretamente para Solano, que concorda]. Eu já conhecia João Neto de outros carnavais. Ele tava no Rio, na Escola Portátil, ele apareceu aqui, a gente se encontrou, e eu disse: “rapaz, tem um pessoal aqui que é bom pra porra!”.

João Neto também é um cara que vem do blues e do rock para o choro. Vocês já tinham tocado juntos antes? Juntos não. Eu tocava no Som do Mangue [banda liderada por Beto Ehongue, hoje Nego Ka’apor], ele na [banda] Mandorová, a gente dividiu uma noite uma vez. Era a mesma turma.

Como foi a tua inserção no choro no Rio de Janeiro? Você hoje ocupa um espaço, é reconhecido por nomes como Ricardo Cravo Albin. Como é que foi esse processo? Foi aquilo, assim, eu cheguei com meu instrumento debaixo do braço.

Quem te deu aula aqui de bandolim? Ninguém. Foi sozinho. Tem uma figura muito importante, que foi o Moraes, toca violão, é um bom compositor, foi até certo estágio na Escola de Música. Com ele eu estudei teoria musical. Eu pensei que quando acabasse o livro de teoria musical todas as perguntas estariam respondidas, mas só fez aparecer mais perguntas. Música instrumental, não só o choro, mas o jazz, o Moraes me ajudou muito. Eu cheguei no Rio com uma bagagenzinha, tanto teórica quanto prática. Fui à Escola Villa-Lobos, um curso técnico, onde encontrei o Paulo Sá, ele estava montando ainda o curso da UFRJ, e ele deu esse toque logo no começo e propôs que eu fizesse o vestibular quando acontecesse. Na Escola Villa-Lobos foi que eu conheci os meninos, que a gente formou o grupo lá. No dia da prova [de seleção].

O que tem nesse disco? [um demo com que Ronaldo presenteou a chororreportagemEsse disco é um cartão de visitas. Tem músicas, tem nossos contatos, ele só roda no PC, tem um releasezinho. Tem três composições. Choros, que a gente sentou pra conversar, criar um conceito. Dois nomes surgiram: [os grupos] Água de Moringa e Tira Poeira. Era mais ou menos alguma coisa entre as duas coisas o que a gente estava querendo criar. Era mais esse conceito de fazer uma música instrumental, além de choro, bem elaborada, com um toque mais moderno, sofisticado. A gente está tentando pegar essa cara.

Qual a idade dos Novos Chorões? Vai fazer seis anos. Eu falo seis anos, mas os dois primeiros anos foi mais a gente aprendendo mesmo, todo mundo se juntando com o objetivo de tocar bem e sabendo a deficiência de cada um, mas cada um batalhando, evoluindo, estudando.

Vocês saíram já chancelados pelo Ricardo Cravo Albin. O que isso significa? A gente fazia um choro na feira de antiguidades da Praça XV, a gente arriscou fazer passando o chapéu, sem nenhum patrocínio. Em um desses o Ricardo estava lá presente e convidou a gente a abrir os saraus que ele fazia no Instituto Cravo Albin, na Urca, lá onde ele administra, toma conta. Aí tivemos a chance de tocar com [o bandolinista] Joel Nascimento, o Sarau com Joel, a gente fez umas quatro, cinco vezes com ele.

Quando você faz a transição do blues para o choro, houve um abandono do blues ou hoje você usa elementos do blues para tocar choro? Eu carrego muitos elementos da guitarra para o bandolim, mas eu parei de fazer isso por que estava atrapalhando. São duas linguagens diferentes. Eu vejo mais hoje em dia na faculdade as técnicas do instrumento. Eu pensei que o bandolim fosse me ajudar na guitarra, mas não ajuda muito não. São técnicas realmente diferentes.

Você continua tocando guitarra? Continuo.

Em grupos de rock? Não. Lá no Rio eu estou acompanhando um baterista chamado Jorge Amorim, que é um baterista de música autoral, tem muito da world music, morou mais de 19 anos fora, nos Estados Unidos, na Europa, e nos encontramos lá no Rio e propôs a gente levantar o trabalho dele aqui. Eu tinha outros músicos com quem estava tocando guitarra, jazz. A gente levantou esse repertório e tem tocado por aí.

Você foi para o Rio, se inseriu na movimentação chorística carioca, conquistou um espaço considerável para o grupo. Dá pra viver de música lá? Dá pra sobreviver. Falta muito. Acho que a gente dá um passo de cada vez, priorizando a qualidade do trabalho, pra gerar trabalho, bons trabalhos. Trabalhando em projetos também. A gente tem projetos separados, a maneira como vamos preparando, a gente vai estudando, já conseguimos algumas coisas com Sesc, Prefeitura, faz muito barzinho. Ainda é meio apertado, mas é questão de tempo. Todos do grupo vivem de música. Eu vim aprender a ser músico há pouco tempo: tem que se dedicar muito.

As coisas têm mudado de uns tempos pra cá, mas no Maranhão o artista ainda é o faz tudo: pensa projeto, carrega caixa, ensaia, toca, canta. Existe alguma diferença do Rio? Como é a realidade de vocês, hoje? Tem isso no Rio também. O produtor só vai se interessar em produzir algo, quando aquele algo tá pronto ou meio pronto. A gente continua se produzindo ainda, mas vai chegar um ponto que vai despertar interesse do produtor que faça isso pra gente. Antes da internet o mercado era outro, o artista não estava tão na pista como está hoje. Mas ainda é isso, a gente fazendo projeto, ensaiando, carregando as coisas.

Você toca em outros grupos? Acontece de fazer substituições, principalmente entre alunos da escola, quando alguém não pode, me indica e vice versa. Mas basicamente eu tenho tocado só com os Novos Chorões e com o Jorge Amorim.

Você se considera um chorão? O que significa ser chorão, para você? Eu me considero um chorão. Ser chorão é você saber aplicar a linguagem que o choro oferece. Cada estilo de música tem sua linguagem, os seus detalhes específicos. Ser chorão, acho que é isso, é saber que gênero é aquele, de que maneira aquilo é tocado, é composto. Ser chorão é mais aquele músico que se especializou naquele gênero, no caso o choro, e que muitos [músicos] não são abertos a outros [gêneros]. O choro está na música instrumental e a música instrumental é bem abrangente, tanto é que o choro abrange outros ritmos, não só o choro: você tem a polca, tem o maxixe, o frevo, a valsa, a ciranda lá em Pernambuco, o bumba meu boi aqui.

Tem o Beatles in choro [caixa de discos em que diversos instrumentistas tocam músicas dos Beatles em ritmo de choro, sob a batuta do cavaquinhista Henrique CazesPor que os Beatles, as composições deles são bem tonais como é o choro. O blues, por exemplo, já não é. Eu tive muita dificuldade para partir para a música popular brasileira por que meu ouvido sempre foi modal, por que o blues é modal. Os Beatles é isso, as composições dão certinho com o choro por que tem todo esse tipo de composição, tônica. O choro vai mais ainda, tem as modulações, são três partes. Os Beatles normalmente são duas partes, tem choro de duas partes, mas encaixa legal. Antigamente eu tentava fazer uma comparação do choro com o jazz, mas tem mais diferenças do que semelhanças. A semelhança é justamente na mistura da música erudita com a música negra.

O improviso. O improviso nem tanto, por que o choro ele é mais preso pra improviso do que o jazz, o jazz é muito mais aberto. É uma característica do jazz. Até harmonicamente ele te dá liberdade para o improviso.

A semelhança talvez seja mais cultural. O jazz ainda é uma manifestação de confirmação das raízes negras. Aqui não tem isso. O choro foi elitizado.

Mas você não acha que dá pra dizer que o jazz é o choro dos Estados Unidos e o choro é o jazz do Brasil? Acho isso muito perigoso. Outra semelhança que tem é justamente a acessibilidade do negro, através das bandas militares. Lá também, quando surgiram, muitas bandas marciais deram chances a pessoas sem condições de uma educação musical e onde foram expostas ideias.

Qual a importância do choro para a música brasileira? O choro representa o que a música brasileira tem de melhor pra mostrar. É o que o Brasil tem de melhor para mostrar com relação à música. É o mais elaborado, é o bem feito, mostra o poderio de composição dos brasileiros, sua identidade.

Você parece muito à vontade na seara do blues e do choro. Você se sente mais à vontade na tristeza do blues ou na alegria do choro? Boa pergunta! Não sei. Acho que as duas coisas. É o yin e o yang. Eu nunca tinha pensado nisso.

Como você observa o movimento do choro, a cena, hoje no Brasil? Durante muito tempo o choro foi associado à “música de velho”. De uns tempos para cá parece ter havido uma mexida nessa ordem. Com certeza! A gente vê no Rio a Escola Portátil. É de super importância o que o pessoal está fazendo: pegar uma garotada, muita gente nova se interessando, vendo a importância que o choro tem e eu acho muito legal a oportunidade de ter o pessoal tarimbado dando os toques específicos daquele gênero de música. Quem quiser tira bom proveito daquilo e tem muitos jovens que estão fazendo isso. O cenário da música lá no Rio, tem muita gente nova, muita gente boa.

Como é a relação dos mais novos com os mais velhos? É generosa, de competição, de desconfiança? Acho muito bem vinda. Eu costumo fazer parte de uma roda de choro todos os sábados na [loja de instrumentos musicais] Bandolim de Ouro. Tem muita gente com idade, que eu considero chorões. Sempre que a gente chega eles gostam. Falam “ah, vocês que vão continuar” e tal. Voltando a falar da cena, acho que o Rio caiu um pouquinho. Teve um boom, mas acho que está aparecendo mais coisas em São Paulo. Recife sempre foi um polo diferente e independente, tem a sua escola. Até [o bandolinista] Luperce Miranda, falando de bandolim, lógico, Jacob [do Bandolim] foi a escola que mais foi passada, mas Luperce é uma escola completamente diferente, é outra técnica. Depois de formar estou querendo fazer um doutorado sobre isso, a influência italiana no Brasil. A maneira que ele toca é um bandolim napolitano, a maneira que Luperce toca tem mais trinado, estou estudando ele.

Qual o significado de Jacob para o bandolinista moderno? Jacob além de fazer muitas composições clássicas de choro, fez muitas composições moderníssimas, apesar do discurso conservador que ele tinha. Tem que passar por Jacob, não tem jeito!

Quais as tuas maiores referências para blues e para choro. Olha, blues, eu escutei muito Clapton. Sou fascinado por Eric Clapton [guitarrista e cantor]. Tive tudo dele. Estou passeando mais pela praia do jazz hoje em dia. O blues eu larguei um pouquinho. O blues te limita um pouco, esse ouvido tonal, eu fiquei muito preso ao blues. Tenho escutado muito jazz, escutado as guitarras de Charlie Christian, o primeiro jazzista que tirou a guitarra do acompanhamento e botou no solo, [os guitarristas] West Montgomery, aí vem Joe Pass, George Benson, eu tenho ouvido mais isso. Mas o blues é essencial pra tocar jazz. No choro tem Pixinguinha. Acho que é o grande mestre, até mesmo em relação a essa mudança do choro bem tradicional, que veio de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré. Aí Pixinguinha vem e dá uma quebrada, depois daquela viagem à Europa com Os Oito Batutas. É a referência mais completa.

Que chorões, hoje, te chamam mais a atenção? Eu tenho admirado muito o maestro Laércio de Freitas [pianista]. Ele seria um. No bandolim tem o Ronaldo do Bandolim [do Trio Madeira Brasil], que é muito bom, pra mim é o melhor, com relação ao instrumento, hoje em dia. Tem o Danilo Brito, que tem uma técnica, uma mão direita impressionante, com muita naturalidade. Vi um show dele no Rio, fiquei impressionado. Admiro muito os professores também. O Paulo Sá toca choro, mas o disco dele é bem eclético. [O cavaquinhista] Henrique Cazes, peguei aula de prática de conjunto, [o violonista] Marco Pereira, harmonia profissional, tem uma cabeça muito moderna, excelente improvisador.

A renovação de que você fala que acontece no Brasil, você também tem percebido no Maranhão? Sim, sim. Quando eu saí daqui, tinha o Tira-Teima fazendo, era só o Tira-Teima. Apresentei João Neto pra Solano, ele passou a ir com frequência e era só isso. Agora, depois de uns anos, quando eu voltei, já tinha uns três bandolins. Eu fiquei impressionado a última vez que eu estive aqui, toquei com o Tira-Teima no Barulhinho Bom e o João Neto trouxe o Robertinho [Chinês, cavaquinhista e bandolinista, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], impressionante. Ele tem uma facilidade, uma técnica apuradíssima. Fiquei feliz de ver.

Gente, livro e pedra

O blogueiro, de latinha na mão, com os poetaços Ademir Assunção e Marcelo Montenegro (Foto: Igor de Sousa, o DP)

Como se árvores brotassem por entre os paralelepípedos, a 7ª. Feira do Livro de São Luís rendeu bons frutos. A começar pelo convite, prontamente aceito, de assumir uma página mensal neste Atual, imensa honra. É o Maranhão falando para o Brasil, depois de ter ouvido o mundo falar durante a #7FeliS.

Sérgio Cohn é poeta-autor-editor cujo trabalho acompanho há bastante tempo, proprietário da editora Azougue, responsável por tanta coisa boa no mercado editorial brasileiro nos últimos anos, da coleção Encontros, das entrevistas do Bondinho, de beats e Mautner e tantos outros, ele, um dos convidados da #7FeliS, ocasião em que falou justamente sobre o tal mercado editorial.

Este ano a Feira do Livro expandiu-se: continuou com a função de vender livros, mas foi além, e em 10 dias trouxe à São Luís alguns personagens fundamentais para o fazer literário brasileiro. Tendo como patrono o poeta Nauro Machado, quase oitentão com 40 livros publicados, e como homenageados Aluísio Azevedo, Catullo da Paixão Cearense, Salgado Maranhão e Zelinda Lima, a Feira fez valer ainda a máxima de outro homem das letras, centenário em 2013: Vinicius de Moraes. “A vida é a arte do encontro”, dizia.

A literatura deixou de ser do gueto, algo para iniciados, e encontrou a cidade. Uma na outra, outra na uma, e esbarrões entre sorrisos e abraços. Esquinas, becos, ruas, ladeiras, praças, auditórios, teatros, galerias, sacadas, escadarias e azulejos, tudo havia sido ocupado pela poesia, como num velho poema de Gullar.

Escritores se encontraram com a gente do lugar, a Praia Grande finalmente revivida, como um lugar propício aos fazeres artísticos, com seu acervo arquitetônico entre o que merece ser chamado patrimônio e suas ruínas cinematográficas, o espaço finalmente valorizando, após umas poucas iniciativas, as pessoas, verdadeiro patrimônio maior de qualquer lugar.

Manhãs, tardes, noites e madrugadas tomadas pela programação da Feira e pela “hora extra” que se fazia entre o Mundico – para provar sua deliciosa anchova na brasa –, o Chico Discos e o Bar do Léo, com seus incríveis acervos e o conhecimento artístico, sobretudo musical, dos proprietários. As histórias engraçadas de Josoaldo Rego e a comanda infalível de Marília Oliveira, os autógrafos de Benjamin Moser a Andréa Oliveira e Rita Luna Moraes – que Talita Guimarães pegou em sua Programação, o que não a fez se emocionar menos. Ambientes que também encantaram Sérgio Cohn, Fabiano Calixto, Ademir Assunção, Marcelo Montenegro, Marcelo Watanabe, Xico Sá, Rodrigo Garcia Lopes, Bráulio Tavares, Caco Pontes e outros.

Admirador do trabalho de todos e de alguns outros que não consegui ver ou encontrar, o calçamento da Praia Grande parecia ter se transformado em feito de nuvens, eu perambulando entre o trabalho e o prazer – aqui plenamente conciliáveis – como O sonhador insone: “tudo é nascente/ o sol pleno de setembro (e outubro, permita-me adulterar o poema)/ traz da mão/ do garoto que passa/ um cheiro de fruta (…)// (a vida já é um tempo/ por demais interessante)”.

A busca idílica de Marcelo Montenegro pela Fonte do Bispo – e outras paisagens do Poema Sujo – e a conquista de novos leitores de poesia: “não pude resistir quando ele disse que era um punk do ABC”, revelou Igor de Sousa, assumidamente um desajustado punk no apelido DP, ao adquirir o belo exemplar dA canção do vendedor de pipocas, de Fabiano Calixto.

A visita de Ronaldo Bressane à Fundação da Memória Republicana, nome pomposo do museu, ou antes, da catacumba do Sarney, “único museu de São Luís com ar condicionado”, onde clássicos da literatura produzida no Maranhão ficam em “aquários”. “Vamos quebrar os aquários, vamos quebrar a fundação, vamos quebrar o Sarney!”, convidou encerrando sua fala na mesa mais transgressora da Feira, dividida com Allan Sieber, Bruno Azevêdo e Iramir Araújo. Gente que sabe o que fala.

Fracasso da Raça, o nome da banda com que Ademir Assunção lançará em novembro seu novo disco, Viralatas de Córdoba, virou jargão anticapitalista. Os atendentes de telemarketing das operadoras de telefonia ou internet ou tv a cabo ou cartão de crédito ou loja ou banco não resolvem o seu problema? É o Fracasso da Raça. Você chega a um estabelecimento a fim de resolver um problema e é direcionado a um telefone, “retire do gancho e siga as instruções”, é o Fracasso da Raça.

Os poemanchetes de Caco Pontes, tornando pura poesia o que nosso jornalismo tem de pior. Letra de música é poesia e vice-versa? Ricardo Corona e sua poesia étnica, sons ganhando sentido, em diálogo com Bráulio Tavares, multiartista consciente de seu próprio fazer, sua fala ilustrada por canções, 35 anos desde a primeira gravação de Elba Ramalho para uma delas, Caldeirão dos mitos.

“Embora haja tanto desencontro nessa vida” você perde a palestra de Alice Ruiz, “A poesia muda o mundo?”, e levanta da mesa pouco antes de ela chegar. Não se pode ter tudo. Alguns autógrafos que te acompanharão pra sempre, a emoção cravada num livro de sua modesta coleção, para uns um orgulho bobo, a vida não foi feita para ser entendida, “a vida já é um tempo/ por demais interessante”, um eco.

A Feira também fez sentido por estar localizada ali nos arredores da Feira da Praia Grande, uma das mais famosas e charmosas da cidade. A Feira virou uma verdadeira festa e deixa saudades. Deixou muita gente com a cabeça ainda mais cheia e a pilha-fila de livros por ler aumentada. A Feira ainda será assunto em rodas reais ou virtuais durante muito tempo.

Sua mais perfeita tradução é o sorriso enérgico do poeta Celso Borges, seu curador. O seu nunca cansaço, a sua eterna capacidade de se emocionar com cada dia e acontecimento, feito criança de brinquedo novo. A serpente pode até não ter acordado ainda. Mas seu sono foi certamente incomodado com tanto barulho.

[Textinho que escrevi pro Atual, “o último jornal da Terra”, do grande Sérgio Cohn, da Azougue. Balanço sentimental da 7ª. Feira do Livro de São Luís, cuja equipe de curadoria tive o prazer e a honra de integrar, escrito imediatamente após a hora da xepa, em outubro passado]

Vinicius de Moraes e a influência do jazz

Livro reúne textos do poeta sobre jazz, escritos quando de sua passagem como diplomata por Los Angeles. Entre artigos e inéditos e publicados em revistas da época, poeta foi pioneiro em apresentar gênero aos brasileiros

POR ZEMA RIBEIRO
ESPECIAL PARA O ESTADO DO MARANHÃO

Vinicius de Moraes completaria 100 anos em outubro próximo. Foi um homem de muitas paixões e é daqueles artistas cuja vida não se dissocia da obra. Sobre o amor, ele mesmo disse, no Soneto de fidelidade, um de seus poemas mais conhecidos: “que não seja imortal posto que é chama/ mas que seja infinito enquanto dure”.

Uma das paixões de um dos inventores da bossa nova é esquadrinhada em Jazz & Co [Companhia das Letras, 2013, 152 p.], livro que reúne textos seus sobre o gênero musical americano, de que o poetinha tomou conhecimento durante sua estada em Los Angeles como vice-cônsul, seu primeiro posto diplomático, em meados da década de 1940 – pré-bossa, portanto.

Tomar conhecimento é mesmo isto que o leitor deve estar imaginando: ver com os próprios olhos, ouvir com os próprios ouvidos, em discos também, mas principalmente ao vivo, em boates, teatros, jams. O jazz surgira um pouco antes, mas estava em pleno desenvolvimento e é isso que deliciosamente nos relata Vinicius no volume organizado por Eucanaã Ferraz, que também assina seu prefácio.

Inéditos – Há artigos inéditos, textos publicados em revistas nacionais – Diretrizes, Flan, Sombra e Vanguarda –, em que um pioneiro Vinicius tentava traduzir ao leitor brasileiro o que é(ra) o jazz, relatos de jam sessions que presenciara, poemas, e o prefácio de Jazz Panorama, de Jorge Guinle, livro inaugural sobre o gênero no Brasil. Em Olhe aqui, Mr. Buster, pergunta ao personagem do título, justificando sua volta ao Brasil, mesmo o cargo lhe prevendo ainda mais um ano, mesmo amargando o prejuízo financeiro que lhe daria a volta ao Brasil: “O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?”

O formato do volume imita um compacto e é dividido em três partes: Jazz Jazz, onde soa mais, digamos, didático, e onde estão os textos mais compridos, sobre as origens do jazz e do spiritual; Jazz & Cinema e Jazz e a América, onde estão os poemas. Vinicius remonta aos tempos coloniais, escravidão e racismo para explicar como o jazz se consolidaria como a autêntica música americana e conta como o blues foi fundamental para a aparição do jazz.

Vinicius de Moraes cria uma intimidade com o leitor, como se não o lêssemos, mas tomássemos uns uísques com ele, que nos relata suas aventuras jazzísticas. O livro cobre um curto período: logo o poeta-diplomata voltaria ao Brasil e ajudaria a inventar a bossa nova – o que, fica mais claro agora, teve muito a ver com sua estadia americana e o jazz sorvido in loco.

O livro, no entanto, não deve ser alvo da curiosidade apenas de cats, como são chamados os aficionados pelo gênero. O relato que faz da jam, presenciada por ele, graças ao convite do músico amigo Zé Carioca – sim, o personagem de Walt Disney foi inspirado nele –, é de uma leveza e graça certamente perseguida por muito crítico de música por aí. Como, aliás, o livro inteiro.

[O Estado do Maranhão, Alternativo, 29 de agosto de 2013]

Rádio Batuta homenageia Vinicius de Moraes por seu centenário

Eu mesmo já me peguei chamando-o assim, mas um dos apelidos mais injustos de nossa música popular reside em chamar Vinicius de Moraes de Poetinha. Não digo isso para polemizar: se por um lado a alcunha é carinhosa, por outro diminui a dimensão de sua obra e talento. Poetaço, isso sim, era Vinicius de Moraes.

Autor de um sem número de clássicos do cancioneiro brasileiro (você certamente já assobiou algo dele, muitas vezes sem sequer saber que isto ou aquilo é de sua autoria), poeta (naquele sentido: o de quem lança livros de poesia), boêmio (também dono e protagonista de muitas histórias com “o cachorro engarrafado”) e amante (casou-se nove vezes e bem podia figurar no livro dos recordes por isso), Vinicius de Moraes faria 100 anos 19 de outubro que vem.

A Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, começou hoje (18) a reprisar os 32 episódios de Vinicius – Poesia, Música e Paixão, mais profundo documento sonoro conhecido sobre a vida e obra do artista. O documentário foi ao ar pela primeira vez em 1993, pela rádio Cultura AM.

Um dos maiores especialistas em música brasileira e biógrafo de Noel Rosa, João Máximo concebeu, realizou e narrou Vinicius – Poesia, Música e Paixão, que conta com entrevistas, feitas exclusivamente para o mesmo, de nomes como  Baden Powell, Carlos Lyra, Chico Buarque, Edu Lobo, Francis Hime, Tom Jobim e Toquinho, todos parceiros do homenageado, todos nomes importantes da chamada MPB.

Premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), o documentário  terá seus episódios veiculados na webrádio do IMS sempre às segundas-feiras, às 10h; aos domingos, no mesmo horário, a transmissão acontecerá na Rádio Cultura. Se você, como este blogue, perdeu o de estreia, ele está disponível no site da Rádio Batuta para audição; a cada segunda-feira um novo episódio será disponibilizado, até outubro, mês do centenário de Vinicius de Moraes.

IpanAmy

Mais um achado a que cheguei graças à leitura de resenha do Tárik de Sousa na CartaCapital, ele um dos heróis deste blogue que, feito quem parou no tempo, ainda acredita em (alguns) críticos de música (outros achados “tarikianos” foram o novo da Céu e Língua Brasileira, de André Parisi). Não, não se trata simplesmente de mais uma versão, de mais uma gravação da desde sempre tão regravada Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes: trata-se da gravação de Amy Winehouse para The Girl From Ipanema, a versão de Norman Gimbel para o clássico bossanovista.

Confesso que antes de ler o Tárik pensei que Lioness: Hidden Treasures (2011) era mais um destes caça-níqueis da “necrofilia da arte” (Pato Fu), a indústria sempre querendo faturar mesmo antes de o defunto esfriar. Isso aí é coisa fina!

Musa Rara

Há tempos o poeta Edson Cruz me falou dum projeto que estava desenvolvendo e convidou-me a colaborar, do Maranhão. Topei. Há  tempos o Musa Rara foi ao ar e eu ali, sem saber o que escrever no meio de tanta gente e tanta coisa boa. Pra não mais esperar, joguei, na estreia, o mesmo texto que havia escrito pro Vias de Fato de fevereiro, que, motivos de força maior, só foi às bancas agora no comecinho de março.

Estreio pois no Musa Rara com um texto que escrevi sobre Ho-ba-la-lá, livro em que me viciei após a recomendação certeira do professoramigo Flávio Reis. Impossível escapar ileso, imune, impune à leitura. Eu, que sempre tive “problemas” com a Bossa Nova, passei ao menos a ouvir seu papa, João Gilberto, com outros ouvidos. Continue Lendo “Musa Rara”