POPULARIZANDO A MILONGA

Em disco inspirado Vitor Ramil torna milongas versos de Jorge Luis Borges e João da Cunha Vargas.


[délibáb. Capa. Reprodução]

POR ZEMA RIBEIRO

À beira da Praia Vermelha, em Pelotas, Vitor Ramil aparece lendo um trecho de Nosso Universo Maravilhoso, enciclopédia dirigida por Ernesto Sábato. Uma das epígrafes do disco – a outra é trecho de sua novela Satolep [CosacNaify, 2008] –, eis a cena inicial de délibáb documental, dvd que acompanha o processo de feitura de délibáb [Satolep/ Núcleo Contemporâneo, 2010, R$ 35,00 em média], nele encartado.

O título do disco é palavra húngara que significa miragem. Etimologicamente vem da soma de sul e ilusão. Para o álbum, o cantor, compositor e escritor gaúcho musicou poemas do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), de seu livro Para las seis cuerdas, e do gaúcho João da Cunha Vargas (1900-1980), de Deixando o pago – título de uma das faixas (Vargas/ Ramil).

É um disco de milongas, gênero musical comum ao Rio Grande do Sul natal de Ramil e países vizinhos, sobretudo a Argentina – délibáb foi gravado e mixado no estúdio Circo Beat, em Buenos Aires. “Guardadas as imensas diferenças entre as vidas e as obras dos dois autores, suas imagens se projetam nitidamente no horizonte de um sul mítico, tocando-se em determinados pontos”, afirma Vitor Ramil a certa altura do doc, longe de narcisista, pedante ou algo que o valha.

O dvd também não funciona – nem é sua intenção – como um “manual de instruções” para que o ouvinte “entenda” o disco – tanto é que este funciona sem o “encarte”. É, a meu ver, um belo road-vídeo, charmoso making-of.

Em junho do ano passado, Vitor Ramil esteve imerso no idioma, clima e geografia borgeanas, durante a gravação de délibáb, disco sem efeitos, todo registrado com dois violões: o nylon do argentino Carlos Moscardini – “excelente violonista”, nas palavras do próprio Ramil, e o aço deste. Caetano Veloso participa da Milonga de los morenos (Borges/ Ramil). Vitor Ramil, noutro ponto do doc: “Os versos de Borges são pródigos em facas, peleias, sangue e morte. Ao lado dos de Vargas, fazem com que nestes se sobressaiam a doçura, a amorosidade e a melancolia, ainda que apresentem também cenas de valentia e violência”.

O gaúcho, grande leitor de Borges, com quem dialoga em Satolep, o livro, entende do assunto. E não é neófito nem mesmo em musicar-lhe versos: Vitor Ramil tinha apenas 19 anos quando musicou a Milonga de Manuel Flores (Borges/ Ramil).

Não é necessário, no entanto, ser um profundo conhecedor da obra de quaisquer dos que em délibáb emprestam versos a Vitor Ramil para gostar do disco, que mantém a qualidade estética percebida em outros trabalhos do gaúcho, também já permeados, aqui e acolá, por milongas, música do sul que tem ajudado a tornar realmente popular.

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[Divulgação]

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SHOW – Vitor Ramil está em turnê pelo Brasil e por outros países com o show délibáb. Neste meio tempo, toca hoje em São Luís (Teatro Arthur Azevedo, 20h), acompanhado do percussionista carioca Marcos Suzano, com quem divide o show – e o disco (2007) que o originou – Satolep Sambatown, soma de duas cidades imaginárias: a Pelotas natal ao contrário, de Ramil, que batiza-lhe novela que publicou pela CosacNaify, e a “cidade do samba”, tradução possível para o título do disco que Suzano lançou em 1996.

No show de hoje, que terá abertura de Alberto Trabulsi, a dupla relembrará músicas de Satolep Sambatown, além de clássicos do repertório de Ramil: Não é céu, A ilusão da casa e Estrela, estrela, entre outros. Os ingressos custam R$ 30,00 (metade para estudantes com carteira) e estão à venda na bilheteria do TAA. Produção: Ópera Night. Maiores informações: (98) 8137-7452 e 8888-3722.

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