Single duplo celebra os 79 anos de Chico Saldanha

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O compositor Chico Saldanha - foto: Ribamar Nascimento/ divulgação
O compositor Chico Saldanha – foto: Ribamar Nascimento/ divulgação

Com quatro álbuns gravados – Chico Saldanha (1988), Celebração (1998), Emaranhado (2007) e Plano B (2017) –, o compositor Chico Saldanha costuma brincar acerca do intervalo entre seus lançamentos. “A imperfeição é mais fácil de tolerar em doses pequenas”, diz, citando a poeta polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012).

Autor de clássicos da música popular brasileira, entre os quais “Itamirim” e “Linha Puída”, o rosariense é considerado entre seus pares como a memória viva da música popular brasileira produzida no Maranhão: foi o responsável por fazer chegar aos ouvidos de Papete o repertório registrado pelo artista em Bandeira de Aço (Discos Marcus Pereira, 1978); integrou a primeira formação do Regional Tira-Teima, tendo tocado violão na gravação do antológico Lances de Agora (Discos Marcus Pereira, 1978), de Chico Maranhão; em 1985, com os parceiros Giordano Mochel e Ubiratan Sousa, produziu o compacto Sotaques, em que canta “Fuzileiro de Novo”, com que comemorava a volta dos Fuzileiros da Fuzarca naquele ano; e entre outros feitos produziu, com os mesmos parceiros, o compacto Velhos Moleques (1986), que reuniu Antonio Vieira (1920-2009), Agostinho Reis (s/d), Cristóvão Alô Brasil (1922-1998) e Lopes Bogéa (1926-2004). Para se ter uma ideia, o primeiro só viria a estrear em disco solo em 2001, com O Samba é Bom, produzido por Zeca Baleiro.

Só estas referências iniciais já garantiriam a Saldanha um lugar no panteão sagrado da MPB. Mas o artista, que completa 79 anos hoje (11), segue produzindo, mantendo a qualidade característica e, sorte a nossa, tem disponibilizado alguns singles, em sua própria voz ou de intérpretes de mútua admiração. São os casos recentes de “Dolores” – uma singela homenagem a Dolores O’Riordan (1971-2018), vocalista dos Cranberries, de que tenho a honra de ser o parceiro letrista –, interpretada por ele em um inspirado dueto com a cantora Regiane Araújo; “Dom Quixote”, parceria com Ivan Sarney, repescada do repertório setentista dos festivais de música de que participou, que finalmente ganhou o mundo na voz de Lucas Sobrinho; e “Arco-Íris”, toada solitária de rara beleza, interpretada por Elizeu Cardoso, cuja honra de cantá-la ele considera um verdadeiro presente.

Marcando seu aniversário de 79 anos, para não fugir do clichê-reclame de loja popular: o artista aniversaria mas quem ganha o presente somos nós, ouvintes ávidos e atentos, sedentos desta rara beleza que só Chico Saldanha pode nos proporcionar: ele lança hoje single duplo com as faixas “Passou, Pintou e Bordou” e uma releitura da citada “Arco-Íris”.

A música é o pote de ouro de Chico Saldanha, longe disto ser uma metáfora financeira: ambas as letras citam arcos-íris. A primeira tem construção sui generis, transitando entre bossa nova, blues e samba e fechando com a sutil citação do bolero “Alguém me Disse” (Jair Amorim [1915-1993] e Evaldo Gouveia [1928-2020]), sucesso de Anísio Silva (1920-1989).

Já a releitura de “Arco-Íris” pelo autor ganha ares de fado, no diálogo entre o bumba meu boi (originalmente trata-se de uma toada) e a influência moura, que levou o produtor Luiz Cláudio a explorar os sofisticados vibratos das vozes de Chico Saldanha e Neném do Vale – com quem canta em dueto –, como o sotaque de orquestra, natural de Rosário, feito o compositor, a dar as mãos ao fado português, encontro este que se reflete no arranjo da música.

“Passou, Pintou e Bordou” acaba sendo também uma homenagem a Zezé Alves (1955-2024), pois é um dos últimos registros do músico em estúdio. Além de sua flauta, a ficha técnica da faixa se completa com Fernando Hell (bateria), Mauro Travincas (baixo), Daniel Nobre (guitarra, violão e arranjo) e Luiz Cláudio (percussão e arranjo).

Já em “Arco-Íris” as vozes de Chico Saldanha e Neném do Vale estão emolduradas por Arlindo Pipiu (violão e baixo elétrico), Emílio Furtado (baixo acústico), Robertinho Chinês (cavaquinho), Jovan Lopes da Silva (trombone), Natan Jefferson Moreira Silva dos Santos (trompete), Luiz Cláudio (percussão e arranjos) e Anna Cláudia (vocalizes).

Pela média destacada no início do texto, um próximo álbum de Chico Saldanha ainda demoraria uns três anos. Ainda é cedo para dizer se estes singles são um aperitivo. Compositor de destinos, como diria um outro colega seu de ofício, senhor da razão, o tempo dirá.

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Ouça “Arco-Íris” e “Passou, Pintou e Bordou”:

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