A poesia cortante de Celso Borges

Fazia tempos eu não experimentava a sempre deliciosa porção de paçoca e creme de macaxeira preparada por dona Antonia, ela uma das vendedoras de comida daquelas barracas ali por perto do Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, na Praia Grande. A terceira opção, para quem prefere, é o arroz de maria isabel. Meu pratinho foi acompanhado por um copo “considerado” de suco de abricó. Uma delícia!

Apesar do coquetel servido – e disputado – ao final, foi a fome quem me fez deixar o recinto apressado, na noite da última terça-feira (10), ocasião em que, no citado centro, o poeta Celso Borges apresentou seu Sarau Cerol, acompanhado por Beto Ehongue (trilhas e efeitos eletrônicos no laptop), Alê Muniz (guitarra) e Luiz Cláudio (percussão) – anunciados como participações especiais, os dois últimos tocaram o show inteiro. Se na barraca de dona Antonia eu saciava minha fome de comida, antes eu já havia me embriagado de poesia da melhor qualidade.

Da esquerda para a direita, Alê Muniz, Celso Borges, Luiz Cláudio e Beto Ehongue

A apresentação aconteceu numa Galeria Valdelino Cécio absolutamente lotada. Celso Borges leva ao palco sua experiência de misturar poesia e música, sobretudo a comprovada em seus livros-discos XXI (2000), Música (2006) e Belle Époque (2010), onde a palavra de papel vira a palavra de ruído e este/esta é música. Qual Cacaso, Chacal e Leminski, para citar apenas três poetas que admira, ele, também letrista de música popular, parceiro de gente que sai pelo ladrão, incluindo os integrantes de seu power-trio aquela noite.

Uma São Luís surreal, de propósito ou por acaso, sabe-se lá, lhe servia de fundo de palco, perfeito contraste para um poeta que tira sarro do cânone, da oficialidade em torno dos controversos 400 anos de sua cidade natal e até mesmo dos “turistas de pacote” com seus “boizinhos de butique”.

“O futuro tem o coração antigo”: Celso Borges, quase 53, talvez por isso não tenha saudades do passado. Copia a frase do escritor italiano Carlo Levi – que já usara de epígrafe em XXI – para colar no título de seu próximo livro, a ser publicado ainda em 2012. “Antigamente era antigamente e era muito pior”, reza noutro poema, A saudade tem seus dias contados, de Belle Époque.

De uma forma ou outra, ninguém sai intacto, imune, impune de uma apresentação de Celso Borges – e aí caberiam palavras como show, espetáculo e quetais: quem já gosta(va) de poesia sai gostando ainda mais, quem não gosta(va), passa a gostar, nem que seja um tiquinho, todos contentes com as possibilidades que a poesia pode oferecer, para além de saraus modorrentos, monótonos, mofados, enfadonhos.

Sarau, a palavra em si, geralmente assustadora, lembrando professoras de literatura velhas, chatas e de óculos fundo de garrafa, recitando de cor e por força nos querendo obrigar a decorar sonetos do século retrasado.

“Serol foi feito pra cortar”, já havia escrito, com s, em Pedra de cantarei, poema de Persona non grata (1990) que virou música, um tambor de mina em parceria com Zeca Baleiro (em XXI). Para cortar de vez clichês e sustos, o poeta unta com cerol a linha do sarau.

Por que poesia pode e deve pulsar e fazer pulsar. Como ele diria em A serpente (Outra lenda), outra parceria com Zeca Baleiro, além do saudoso Ramiro Musotto: “eu quero ver a serpente acordar/ pra nunca mais a cidade dormir”.

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