Rodeado de amizades, Elizeu Cardoso celebra hoje 30 anos de ilha

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Elizeu Cardoso é engraçado. Quem acompanha suas postagens nas redes sociais tem uma pequena amostra de sua capacidade de rir, às vezes de si mesmo, e de fazer rir. É contagiante. Mas lê-lo nas telas não chega nem perto de privar de sua amizade e ouvir seus causos diretamente dele.

Posso dizer que tenho o privilégio de sua amizade e mais – não é à toa que ele chama a minha mãe também de mãe, testemunha de tantas rodas de prosa, violão e conversa fiada regada pelas delícias que ela prepara e cerveja gelada.

Cantor, compositor, escritor, professor, webradialista e sei lá quantas outras credenciais lhe assentam feito carapuça, Elizeu Cardoso completa, neste 2024, 30 anos de ilha, desde que chegou, menino vindo de Pinheiro, o violão debaixo do braço, a passagem por alguns festivais onde começou a bordar sua história, o estudo de Geografia na Universidade Federal do Maranhão, orgulho de pai, mãe e incontáveis irmãos.

Como é de seu feitio, a Festança (certamente mistura de festa e sustança) com que celebra a efeméride acontece hoje (24), a partir das 19h30, no Miolo Café Bar (Av. Litorânea, 100, Calhau), reunindo uma constelação de craques da música popular brasileira produzida no Maranhão, pequena parte de um círculo de amizades que Elizeu Cardoso vem amealhando com seu talento, simpatia e reciprocidade.

Elizeu Cardoso (voz e violão) estará acompanhado por João Simas (violão e guitarra) e Dark Brandão (bateria e percussão). A divulgação do show anuncia as participações especiais de Aziz Jr., Chico Nô, Chico Saldanha (autor da toada “Arco-Íris”, single mais recente do pinheirense), Daffé, Helyne, Josias Sobrinho, Klícia, Santacruz, Tiago Máci e Tutuca Viana, mas sua alma (negra) agregadora certamente fará chegar gente que não está no convite.

Citei várias credenciais de Elizeu Cardoso e afirmo: esbanja talento em tudo o que faz por não fazer nada de qualquer jeito. A Festança de hoje poderia ser só um encontro de amigos em um bar para tocar, beber e trocar abraços – e em certa medida é. Mas acompanho os bastidores há pelo menos um mês, sua preocupação com cada detalhe, confirma quem vai, chama fotógrafo, isso, aquilo e aquilo outro. Ele é puro capricho e zelo.

Eu poderia passar um bom tempo enaltecendo as qualidades de Elizeu Cardoso – e são muitas. Já escrevi aqui e acolá sobre sua literatura. Mas quero ater-me à música, esta faceta que ele escolheu para celebrar suas três décadas de ilha – “do Boqueirão pra lá tudo é diferente”, costuma repetir.

Quem primeiro me chamou a atenção para a qualidade de suas composições foi o amigo e parceiro comum Gildomar Marinho. Antes de conhecer a figura, conheci a obra e fui tomado por sua beleza, por uma construção que alinha as ancestralidades africanas impregnadas em nossa formação sociocultural – exacerbada em Elizeu –, indo de temas românticos, homenagem à cidade natal até questões sociais e geopolíticas.

Um artista raro, de talento nato, que tem muito a nos oferecer, em uma época em que carecemos tanto de beleza e delicadeza. Para quem porventura ainda não conhece, a Festança de hoje é um bom começo.

Lourival Tavares apresenta “Canto Encanto – A noite dos menestréis” no Bar do Léo

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Marcos Lussaray e Lourival Tavares em show no Teatro da Cidade (2014). Foto: Zema Ribeiro/ Divulgação
Marcos Lussaray e Lourival Tavares em show no Teatro da Cidade (2014). Foto: Zema Ribeiro/ Divulgação

Artista será homenageado pela Festa da Música do Maranhão; no show, Lourival Tavares será acompanhado por Marcos Lussaray (violão e guitarra) e terá as participações especiais de Erasmo Dibell, Gildomar Marinho, Joãozinho Ribeiro, Josias Sobrinho, Sérgio Habibe, Tutuca Viana e Wilson Zara

O cantor e compositor Lourival Tavares, maranhense de Pio XII, hoje radicado em São Paulo, apresenta no próximo dia 18 de novembro (sábado), às 20h, no Bar do Léo, o show “Canto Encanto – A noite dos menestréis”.

Com entrada franca, na apresentação Lourival Tavares estará acompanhado por Marcos Lussaray (violão e guitarra) e contará com as participações especiais de Erasmo Dibell, Gildomar Marinho, Joãozinho Ribeiro, Josias Sobrinho, Sérgio Habibe, Tutuca Viana e Wilson Zara.

Lourival Tavares começou a cantar em programas de calouros no início da década de 1970. Sua música é fruto da influência de ritmos da cultura popular de seu estado natal, das canções que se ouviam no rádio à época – um vasto cardápio que inclui de Luiz Gonzaga a João do Vale, passando por Silvio Caldas, Jackson do Pandeiro, Gilberto Gil, Caetano Veloso e João Bosco, além dos poetas Catulo da Paixão Cearense e Patativa do Assaré.

“Canto Encanto – A noite dos menestréis”, o show, aproveita a passagem de Lourival Tavares pelo Maranhão: no próximo dia 16, antevéspera da apresentação, ele receberá o Prêmio Papete, durante a Festa da Música do Maranhão, que reconhece o talento e a importância de diversas personalidades para a música produzida por maranhenses. O evento chega este ano à sua sexta edição.

Lourival Tavares tem diversos álbuns gravados, entre os quais se destaca “No batuque do coração” (CPC-Umes, 2004), cujo repertório inclui músicas de sua lavra, como “Enluarado”, “Procissão das formigas”, “Solidão das lamparinas” e “Canto razão”, além de “Velha calça de xadrez” (parceria com Josias Sobrinho e Éden Bentes), “Matadouro” (com Celso Borges), e releituras para “Ana e a lua” (Betto Pereira) e “Pequeno concerto que virou canção” (Geraldo Vandré).

O reencontro de Lourival Tavares com seus convidados e com o público ludovicense promete ser uma noite de festa, com um passeio pelas diversas fases e álbuns de sua carreira, bem como pelas trajetórias de Erasmo Dibell, Gildomar Marinho, Joãozinho Ribeiro, Sérgio Habibe, Tutuca Viana e Wilson Zara, participações especiais que abrilhantarão o espetáculo.

Serviço

O quê: show “Canto Encanto – A noite dos menestréis”
Quem: o cantor e compositor Lourival Tavares, acompanhado por Marcos Lussaray (violão e guitarra) e as participações especiais de Erasmo Dibell, Gildomar Marinho, Joãozinho Ribeiro, Sérgio Habibe, Tutuca Viana e Wilson Zara.
Quando: dia 18 de novembro (sábado), às 20h
Onde: Bar do Léo (Hortomercado do Vinhais)
Quanto: grátis

A força de dois cometas musicais

Sérgio Habibe, ladeado por Edinho Bastos e Zezé Alves. Foto: Guta Amabile
Sérgio Habibe, ladeado por Edinho Bastos e Zezé Alves. Foto: Guta Amabile

Vi semana passada dois shows que chamam a atenção por diversos aspectos, que me perdoe a meia dúzia de fiéis leitores a demora no comentário.

Primeiro, Sérgio Habibe, na quarta-feira (6), véspera do feriadão, no Miolo Café Bar, no projeto Sonoridades, produção de Tutuca Viana. Aos 74 anos recém-completados – no último dia 31 de agosto –, o cantor e compositor demonstra estar em plena forma e por que é considerado um dos maiores da música popular brasileira.

Acompanhado de Edinho Bastos (violão) e Zezé Alves (flauta), bastava o rosário que desfiou, cada canção uma conta: “Solidão”, “Cavalo cansado” (gravada por Doroty Marques), “Eulália”, “Ponteira”, “Dia de será” (parceria com Cláudio Nucci e Juca Filho), “Panaquatira” e outras, em pouco mais de uma hora de apresentação.

Aberta por Léo Vianna (compromissos me impediram de chegar a tempo de ver), a noite transformou-se em verdadeira jam session, com canjas inspiradas de Alberto Trabulsi, César Roberto, Gerude, Tutuca, Célia Leite e Fátima Passarinho (que cantou “Vestido Bordeaux”, de Habibe com Raíque Macau, à capela).

Rita Benneditto. Foto: Márcio Vasconcelos
Rita Benneditto. Foto: Márcio Vasconcelos

Depois, Rita Benneditto, no último sábado (9), na Noite da Encantaria, na programação das celebrações do aniversário de 411 anos de São Luís, realização da Prefeitura Municipal de São Luís.

Para além da exuberância de figurino, repertório, arranjos e arregimentação, a apresentação da cantora e compositora era necessária – talvez uns já soubessem, mas quem ainda não, e foi à praça, comprovou.

Rita Benneditto celebra em 2023 os 20 anos em cartaz de “Tecnomacumba”, projeto que já rendeu álbuns de estúdio e ao vivo, dvd e o irretocável show com que continua na estrada, longe de soar repetitivo ou única carta na manga da artista – que mantém outros projetos, com outras formações e repertórios, em paralelo.

Acompanhada da banda Cavaleiros de Aruanda – Fred Ferreira (guitarras e vocais), Wagner Bala (contrabaixo e vocais), Ronaldo Silva (bateria, programações eletrônicas e vocais) e Júnior Crispim (percussão e vocais) – Rita Benneditto equilibra os tambores dos terreiros das religiões de matriz africana, e consequentemente de nossa ancestralidade, costurando um repertório entre clássicos da música popular brasileira e pontos entoados em terreiros, não raro alguns números se encaixando em ambas as prateleiras. Em entrevista concedida a este repórter e veiculada no Balaio Cultural do dia do show, comigo e Gisa Franco, na Rádio Timbira, ela comentou certo incômodo e cansaço com a eterna tentativa de setores da mídia de rotulá-la.

Além da banda, Rita Benneditto contou com intervenções da bailarina Kiusam de Oliveira e do diretor, ator e bailarino Ciro Barcelos, celebrando os orixás Oxum e Oxóssi, e ao fim formou-se uma bela roda de tambor de crioula, com integrantes dos grupos da Floresta (Apolônio) e Liberdade (Leonardo).

O prefeito de São Luís Eduardo Braide afirmou, fazendo às vezes de mestre de cerimônias, ao anunciar a apresentação de Rita Benneditto, após a de diversos artistas locais: “vocês não são invisíveis. Desde ano passado, e todos os anos, na celebração do aniversário da cidade, haverá uma noite na programação dedicada à encantaria, aos povos de terreiro”. A plateia aprovou a iniciativa, com aplausos.

Ao repertório não faltaram clássicos como “Jurema” (domínio público adaptado por Rita Benneditto) – que antes de “Tecnomacumba” (2003), inaugurou a incursão da artista por este universo, gravada em seu álbum de estreia, ainda “Rita Ribeiro” (1997) –, “Domingo 23” (Jorge Benjor), “Oração ao Tempo” (Caetano Veloso), “A Deusa dos Orixás” (Toninho/ Romildo), “Tambor de Crioula” (Oberdan Oliveira/ Cleto Jr.) e “7Marias” (Felipe Pinaud/ Rita Benneditto), entre outras.

Também chamou a atenção e mostrou-se mais necessário que nunca, a performance do artista plástico Fernando Mendonça, que ao longo do show retratou Iemanjá em uma tela. Era uma espécie de desagravo, como demarcou Rita Benneditto, lembrando de mais um episódio de violência, racismo e intolerância religiosos ocorrido recentemente em São Luís: a depredação da estátua do orixá na praia do Olho d’Água. “Você pode quebrar quantas estátuas quiser, mas nunca vai quebrar nosso axé”, disse a cantora. Recado dado!

Morre João Donato, aos 88 anos

Com o buquê recebido na mão, João Donato saúda o público que lhe cantou os parabéns, após show em São Luís. Fotosca: Zema Ribeiro (17/8/2018)

Quando o alemão Marc Fischer (1970-2011) esteve no Brasil, “à procura de João Gilberto”, subtítulo de seu “Ho-ba-la-lá” (Companhia das Letras, 2013), entrevistou uma pá de gente ligada a um dos papas da bossa nova, entre eles o acriano João Donato (17/8/1934-17/7/2023).

Foi recebido pelo pianista e compositor em seu apartamento, trajando uma vistosa camisa florida e um cigarro entre os dedos. Fischer percebera que o consumo de tabaco havia diminuído bastante no Brasil e não deixou de observar: “nossa, você deve ser o último brasileiro que ainda fuma”, disse. Ao que Donato respondeu: “e provavelmente o último ainda vivo”.

Após o encontro, que cito de memória, João Donato entregou-lhe um baseado, onde escreveu o nome de João Gilberto (1931-2019), desejando-lhe sorte em seu intento.

A descontração era uma das marcas de um dos arquitetos que ajudou a revolucionar a música popular brasileira. Desde que chegou ao Rio de Janeiro e passou pelo obrigatório, à época, Beco das Garrafas, trocou o acordeom pelo piano, ajudou a inventar e consolidar a bossa nova, ganhou o mundo e o resto é história.

Aos 88 anos esbanjava uma jovialidade que só a música é capaz de proporcionar e explicar. João e o piano pareciam uma coisa só. Tocava e cantava sorrindo. Parecia estar pura e simplesmente se divertindo, embora saibamos que para atingir seu nível são necessários anos de estudo e dedicação.

Estreou em disco com “Chá Dançante” (Odeon, 1956) e em 1970 lançou “A Bad Donato”, que representava uma guinada em sua trajetória, apontando seu caminho a partir dali: fazer música sem rótulos nem preconceitos. Embora seja reconhecido como bossa-novista, sua extensa obra abarca uma série de gêneros, ao longo de discos e parcerias com nomes como Bud Shank (1926-2009), Carlos Lyra, Emílio Santiago (1946-2013), Eumir Deodato, Gilberto Gil, Joyce Moreno, Marcos Valle, Paula Morelenbaum, Paulo Moura (1932-2010), Roberto Menescal, Rosinha de Valença (1941-2004), Wanda Sá e seu filho Donatinho.

Seus trabalhos mais recentes são “Síntese do Lance” (Rocinante, 2012), com Jards Macalé, e “Serotonina”, lançado ano passado, cujo título é a possível tradução do que a música significa/va para João Donato e seu grande fã-clube: serotonina é um neurotransmissor relacionado aos sentimentos de satisfação e bem-estar.

Tive a oportunidade de entrevistá-lo duas ou três vezes, a mais recente com Gisa Franco em setembro passado, no Balaio Cultural, na Rádio Timbira, justamente por ocasião do lançamento de “Serotonina” (relembre a seguir).

Em 2018 estive em seu aniversário de 84 anos. Visitei-o no camarim antes do show que ele fez na edição daquele ano do Lençóis Jazz & Blues Festival, única ocasião em que assessorei o evento (com Vanessa Serra) produzido por Tutuca Viana. Sua apresentação, dia 17 de agosto, terminou com todo o ótimo público presente à Concha Acústica Reinaldo Faray (Lagoa da Jansen) cantando-lhe o “Parabéns a você”.

João Donato faleceu hoje (17) em decorrência de uma série de problemas de saúde. Recentemente ele teve uma infecção nos pulmões e foi internado na Casa de Saúde São José, onde estava intubado desde semana retrasada. O velório acontecerá nesta terça (18), no Theatro Municipal, em horário a confirmar. O corpo será cremado na sequência, no Memorial do Carmo.

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Ouça “Síntese do Lance”:

Ouça “Serotonina”:

Palco Mundo e a alegria do reencontro com a boa música

O Gabriel Grossi Quarteto. Foto: Zema Ribeiro

O baixista Nema Antunes dedicou seu show a seus pares de instrumento Arthur Maia (1962-2018) e Mauro Sérgio, falecido ano passado, vítima de covid-19. Com ele, no palco, um sexteto formado no Maranhão, para a apresentação, incluindo dois integrantes do Quarteto Buriti – de que o contrabaixista Mauro Sérgio, ex-professor da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo, fez parte: Ronald Nascimento (bateria) e Daniel Cavalcanti (trompete e flugelhorn), este também professor da Emem. Ao piano, Marcelo Carvalho, autor de um dos números instrumentais do roteiro, gravado por Nema em “Plúmbeo”, seu disco mais novo. O grupo se completava com Israel Dantas (guitarra), Ricardo Mendes (saxofone) e Renato Serra (teclado) e demonstrou, ao longo da apresentação, que a prática leva à perfeição, tal a qualidade da performance.

Era o show de abertura do Palco Mundo 2022, projeto que integra o circuito Lençóis Jazz e Blues Festival, normalmente realizado em paralelo ao evento, no segundo semestre, com apresentações em Barreirinhas e São Luís. Nenhuma das seis atrações do line up dos dois dias do evento é novidade na produção de Tutuca Viana: todos já se apresentaram em edições anteriores do LJBF. Mas valeu a pena o reencontro de artistas com a plateia, sentimento recíproco traduzido em palavras ouvidas tanto no palco como entre o público.

Os artistas celebravam esse reencontro, após dois anos de lives e esporádicas apresentações presenciais. Não sei se isso potencializou a ranzinzice do repórter, cada vez menos tolerante com aqueles que vão a teatros para ver o show através da tela do smartphone ou que aproveitam qualquer intervalo para ver ou ouvir, obviamente sem fones de ouvido, para azar da vizinhança, o último vídeo do tik tok ou a última mensagem de áudio enviada no grupo da família. Depois não me venham reclamar de Zé da Chave, que obviamente chegou na metade da primeira apresentação, instalou-se na frisa mais próxima à direita do palco e atacou com seu molho.

A apresentação seguinte era do gaitista brasiliense Gabriel Grossi, acompanhado por Eduardo Farias (piano e teclados), Michael Pipoquinha (baixo) e Sérgio Machado (bateria), outro super grupo.

O show foi pautado no repertório de seu disco mais recente, “Re disc cover”, um trocadilho esperto que joga com o fato de ser um disco de releituras de clássicos do pop rock das décadas de 1960 a 90 e sua redescoberta, seja por um público mais jovem, seja por amantes da música instrumental brasileira com pouca relação com bandas como Oasis, Nirvana, Queen e Jackson 5, entre outras – em maio do ano passado ele conversou com Gisa Franco e este repórter, no Balaio Cultural, da Rádio Timbira AM, sobre o álbum.

Grossi se entrega completamente no palco, entre despir o repertório das letras que estamos acostumados a cantar e vesti-lo com sua gaita, quase à beira do esgotamento físico: seu rosto se avermelha, os joelhos dobram, e entre um solo e outro dos músicos que lhe acompanham, muitos goles d’água, para dar conta do recado. De “Isn’t she lovely”, de Stevie Wonder, passando por “Smells like teen spirit”, do Nirvana, “Wonderwall”, do Oasis, “Ben”, do Jackson 5, “Message in a bottle”, do Police, e “Another one bites the dust”, do Queen. Ao reafirmar o prazer de estar em São Luís e falar da força da cultura do Maranhão, lembrou-se que a ilha do amor é também a Jamaica brasileira, antes de atacar de “Redemption song”, de Bob Marley.

Foi o grande show da noite, numa noite de três grandes shows. A quinta-feira seria encerrada com a apresentação do majestoso Filó Machado, setentão paulista mais conhecido e respeitado fora do Brasil, como tantos de nossos gênios. Cantor, compositor, arranjador e multi-instrumentista, apresentou um show autoral, em que prestou homenagens a “Vadeco” (o título da música remete a seu professor de violão), e lembrou a importância do aprendizado oferecido pela experiência de tocar na noite, em bares e boates.

“Se eu não tivesse tido essa experiência, agora eu estaria nervoso, me perguntando o que fazer”, disse, senhor da situação e arrancando risos e aplausos da plateia. Quando um roadie assomou ao palco para corrigir uma sobra de frequência no violão de Felipe Machado (seu neto, que cantou dois bonitos sambas autorais), ele tornou a divertir o público: “eu sou curioso. Eu fiquei vendo aqui e até esqueci de vocês”, disse, para mais gargalhadas. E continuou, num jogo de melismas e onomatopeias repetido pelo público, elogiado pelo artista. Nessa brincadeira, cantou sem o microfone, sempre acompanhado pelo público, e assim, desceu do palco e deu uma volta ao redor da plateia até retornar para junto do grupo que o acompanhava, que se completava com o mesmo baterista de Gabriel Grossi, Sérgio Machado (seu filho), Fábio Leandro (piano e teclados), Carlinhos Noronha (baixo) e Jota P (saxofones).

A programação do Palco Mundo continua hoje (25), a partir das 19h, com apresentações de Gabriela Marques, Bebê Kramer e Arismar do Espírito Santo. A entrada é gratuita e as pulseiras de acesso ao teatro podem ser retiradas na bilheteria, desde as 14h de hoje, sugerindo-se a troca por um quilo de alimento não perecível. A arrecadação será doada à ONG ludovicense Pouso Obras Sociais.

Do bar ao vinil

[release]

Ao longo de um ano de “Vinil & Poesia”, a dj Vanessa Serra reuniu a nata da música e poesia produzidas no Maranhão; o resultado pode ser conferido no elepê que leva o nome do projeto

Vinil & Poesia. Capa. Reprodução

Em dezembro do ano passado, em casa de nome mais que apropriado, o Cazumbá Lounge, na Lagoa, a dj Vanessa Serra estreou seu projeto “Vinil & Poesia”, aliando duas paixões.

Já era uma dj consagrada, apesar do pouco tempo de estrada. Jornalista de formação e produtora de profissão, só começou a levar a discotecagem a sério em 2016. Sem firulas, como escrevi em seu release oficial, que tive a honra de escrever a pedido.

Não me peçam impessoalidade: fui o primeiro a subir àquele palco, recitando Paulo Leminski e Marcelo Montenegro, dois poetas de minha predileção, e é impossível não lembrar disso com emoção.

Além dos vinis de seu ofício, Vanessa Serra havia levado uns livros, priorizando autores e autoras maranhenses, instigando o público a participar. O que no início tinha jeito de brincadeira, tomou ares sérios, mas não ficou algo careta. Às quartas-feiras, a tertúlia semanal começou a receber poetas e músicos como convidados, para canjas ao vivo, durante o set da dj.

Aí veio a pandemia. O isolamento social. O lockdown. As inúmeras lives que foram/fomos inventando e reinventando para suportar a saudade da vida social, de ir ao bar, de jogar conversa fora, de ouvir boa música nas companhias de amores e amigos. Entre elas o “Vinil & Poesia”, que Vanessa Serra nunca deixou de fazer, mesmo quando foi obrigada ao formato online.

Somente recentemente, com a liberação de eventos de pequeno porte, observadas as normas de segurança sanitária vigentes, ela voltou a realizar o evento ao vivo, a partir do Cazumbá Lounge.

O projeto já era vitorioso ao estimular o diálogo entre música de qualidade e tirar a poesia do lugar solene da página do livro e levá-la ao bar, para ser dita e ouvida por gente atenta, curiosa e esperta. Gente antenada, enfim. Mas uma vitória de um a zero é menos gostosa que uma goleada e Vanessa Serra marca mais um golaço: 14 participações de artistas nas noites do “Vinil & Poesia” estão registradas em um disco de vinil. É luxo só, como diria o poeta.

“Vinil & Poesia” é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Gravado no estúdio Zabumba Records, reúne uma constelação de primeira grandeza da música e poesia produzidas em terras maranhenses.

Na ordem de aparição, Lúcia Santos diz seu poema “No umbigo da noite insana”; Célia Leite zabumba em “Pedras de cantaria” (parceria dela com Jorge Passinho, que faz participação especial na faixa); Mano Borges evoca os ares oitentistas da intensa produção musical maranhense daquela década em “Duas ruas desertas”, de sua autoria; “De São Marcos a São José” nos conduz, pelo sotaque, ao Vale do Pindaré, na parceria de Eloy Melônio e Josias Sobrinho, cantada por este; “Esse tu” é mais uma delicada amostra da parceria profícua de Celso Borges e Nosly, que a interpreta; “Tanto fogo” (Jorge Passinho/ Inaldo Lisboa/ Maninho Quadros), interpretada por Dicy, com participação especial de Santacruz, mete o dedo em ferida atualíssima da tragédia brasileira; César Nascimento cantando o xote “João do Vale, minha homenagem”, de sua autoria, fecha o lado A do disco.

O lado B abre com a voz de Celso Borges em seu poema/toada hi-tech “Tambor de crioula”; “Chovia no canavial”, com que Zeca Baleiro presenteou o projeto, ganha interpretação especial do grupo As Brasileirinhas; o multifacetado Jorge Thadeu comparece com “Guajajara”, de sua autoria; “Ventre livre”, de Luís Du Rosário, é a bela estreia em disco de um artista que não encarou a música como profissão, apesar do imenso talento; Gerude relê o clássico “Jamaica São Luís”, parceria sua com Cyba Carvalho; Betto Pereira comparece ao disco para além da embalagem: canta o reggae “Nação vibration”, parceria sua com o jornalista Gilberto Mineiro; e Tutuca Viana fecha o álbum com a balada “Luz de neon”, que escreveu em parceria com João Marques.

A riqueza deste álbum está no atrito entre poesia e música, para além da leitura de poemas com fundo musical e da pergunta mofada “letra de música é poesia?”, num diálogo estimulante entre gêneros, gerações e a diversidade da cultura popular do Maranhão, ao mesmo tempo plural (pela variedade) e singular (certas coisas só existem por aqui).

“Aqui conseguimos reunir um belo roteiro de canções… Acordes e versos, palavras e tons, memórias profundas, alimento para a alma da gente… “Vinil & Poesia”, de fato, é uma imensidão de sentimentos… É coletividade, pertencimento, entrega e amor”, sintetiza a jornalista, dj e produtora Vanessa Serra em texto na contracapa do elepê.

Ela assina a concepção do projeto e direção geral, que tem direção técnica de Maurício Capella (companheiro de arte e vida), direção artística de Luiz Cláudio, direção musical de João Simas, produção executiva de Suzana Fernandes e produção técnica de Joaquim Zion (seu padrinho no ofício da discotecagem). As artes de capa, contracapa e encarte são de Betto Pereira e o projeto gráfico é de Eric Félix. O álbum é dedicado “à memória, vida e obra de Raimundo Nonato Rodrigues de Araújo (Maestro Nonato), Nonato Buzar, Papete e Gérson da Conceição”.

Muita gente procura o bar para espairecer e vai ao lugar certo. Outros afogam mágoas e também não estão no lugar errado. Alguns, no dia seguinte, querem esquecer o que fizeram. Vanessa Serra eterniza um momento bonito e importante, de um projeto frequentado por “gente fina, elegante e sincera”. Agora, mesmo quem não sai à noite, não frequenta bares ou não curte um drinque, pode levar “Vinil & Poesia” para casa. A inscrição “volume 1”, que lemos na capa do disco, já nos leva a responder, como naquele velho rock: mais uma dose? É claro que eu tô a fim.

Serviço – A live de lançamento de “Vinil & Poesia”, com a presença dos artistas que participam do álbum, será realizada dia 16 de dezembro (quarta-feira), às 20h, com transmissão simultânea pelos perfis da dj Vanessa Serra no instagram e youtube. O projeto é uma realização de VS Comunicação e Cultura, com patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.

Em nome dos mineiros

Foto: Zema Ribeiro
Foto: Zema Ribeiro

 

O mineiro Toninho Horta subiu ao palco do Teatro Arthur Azevedo com um papel na mão, que colocou sobre a mesa onde já repousava um copo d’água, com as bordas cobertas por um guardanapo.

Sentou-se, empunhou o violão e agradeceu por estar ali, “em nome dos mineiros, Lô Borges, Beto Guedes, Bituca, é muito bom estar aqui, abrindo a 11ª. edição do Lençóis Jazz e Blues Festival, num tempo em que é grande a representatividade da música instrumental brasileira lá fora”, apontou.

Revezando-se entre temas cantados e instrumentais, começou o show com Durango Kid (parceria dele com Fernando Brant), gravada por Milton Nascimento na década de 1970. Em Aqui ó (da mesma dupla) citou o tambor de crioula, elogiando a grandeza da cultura popular do Maranhão.

Seguiram-se Igreja do Pilar, dedicada a Ouro Preto, e Meu amor infindo,  homenagem a mãe, falecida em 2013. “Ela foi a primeira a reconhecer meu talento, tocava bandolim na banda ​​de meu avô”, lembrou.

Ainda sozinho ao violão tocou Ville kids friends, que compôs durante um curso que ele ministrou na Escandinávia. Em seguida convidou Marcelo Carvalho para assumir um dos dois teclados dispostos no palco. Com ele tocou Waiting for Angela.

Na sequência, somam-se ao duo Israel Costa (violão), anunciado como guitarrista, e Renato Serra (teclado). O quarteto toca Diana (outra parceria com Fernando Brant), sucesso do Boca Livre. “Se tiver alguma Diana na plateia, peço desculpa, mas essa música foi feita para uma cachorrinha. Já que Manuel era um jipe”, lembrou, fazendo a plateia rir, antecipando outro hit que não faltaria ao set list.

Leonel Almeida (contrabaixo) e Ronald Nascimento (bateria) acabaram de completar o grupo enquanto Toninho Horta troca o violão pela guitarra. Atacam de Voo dos urubus, com Horta a princípio tocando de costas para a plateia, a reger o grupo. Depois é a vez de Summertime (Ira e George Gershwin), “já que a gente está num festival de jazz e blues”.

A banda sai e Horta torna ao violão. Presta uma homenagem a João Gilberto. Lembra que influenciado pelo baiano fez uma música aos 13 anos, O barquinho vem, “embora mineiro não tenha mar”, brincou. Canta Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça), acompanhado pelo coral da plateia.

Ao elogiar novamente o Teatro Arthur Azevedo, lembra-se do dia em que foi ao Carnegie hall ver a Filarmônica de Viena regida por Leonard Bernstein. “Eu fiquei no sétimo ou oitavo andar, vendo os músicos lá embaixo. Esse Teatro Arthur Azevedo não brinca em serviço”, afirmou, antes de tocar um tema de Henry Mancini.

A banda volta e Toninho Horta troca o violão pela guitarra no meio da música, enquanto cita Josias Sobrinho, Nosly e Papete. Lembrou-se de Leandro Gomes, “meu primeiro produtor em São Luís na década de 1980, há quase 40 anos. Essa eu dedico aos grandes talentos do Maranhão”, oferece antes de tocar Beijo partido.

Já em clima de bis, mandou Manuel, o audaz (mais uma parceria com Fernando Brant), para delírio da plateia. E agradeceu: “Quero saudar o Tutuca”, o produtor já havia tentado trazê-lo em outras edições do festival. “Minas agradece vocês pelo bom gosto. Esse estado é um país”, finalizou.

Serviço

O 11º. Lençóis Jazz e Blues Festival acontece dias 16 e 17 de agosto (Circuito São Luís, Concha Acústica Reinaldo Faray, Lago da Jansen); e dias 23, 24 e 25 de agosto (Circuito Barreirinhas, Av. Beira-Rio). Entre os destaques da programação – acesse completa – estão Paula Santoro, Trio Corrente, Bebê Kramer, Zé Paulo Becker (com participação especial de Roberta Sá), Blues Etílicos, Afrôs, Mahmundi, Gildomar Marinho, Elizeu Cardoso, Quarteto Buriti (com participações especiais de Gabriela Marques, Célia Maria e Milena Mendonça), Dani Black, Rita Benneditto e Wilson Zara (que encerra a programação com seu tradicional Tributo a Raul Seixas).

Intimidade, bom humor, beleza e afeto

Foto: Zema Ribeiro

 

Zé Renato esteve em São Luís como convidado do show de lançamento de Avessa manhã, novo disco que Tutuca Viana lançou quinta-feira passada, do qual o capixaba tornado carioca participa.

Aproveitou a passagem pela ilha para uma hora extra e fez um show intimista e bem humorado, de repertório afetivo, para um seleto público, no Clube do Chico, ontem (3).

Subiu ao palco após apresentações de Gabi, Luiz Jr. e Marconi Rezende – com quem dividiu o primeiro número, quando o anfitrião confessou só ter descoberto recentemente que Feito mistério (Lourenço Baeta e Cacaso), que tanto ouviu com o Boca Livre, havia sido também gravada pelo grupo – de que Zé Renato é integrante – com a participação especial de Chico Buarque. Zé Renato agradeceu a participação especial elogiando-o: “Marconi Rezende Buarque de Holanda. Eu estava ouvindo o Marconi cantando, não só Chico Buarque, eu tenho certeza que qualquer autor gostaria de ser cantado por ele”, declarou.

Em Anima (Zé Renato e Milton Nascimento) – que Zé Renato já havia cantado em sua participação especial no show de Tutuca – contou a história: “eu morava num apartamento na Gávea, dividia com o Vinicius Cantuária e um dia o Chico Buarque apareceu. Pediu para mostrar o que estávamos fazendo, eu mostrei essa melodia, ele levou e disse que ia musicar. Daí eu fui fazer um show em Minas com o Boca Livre e mostrei pra Milton e disse que Chico ia musicar. Aí ele disse: diga para o Chico que essa quem vai musicar sou eu. Aí eu liguei para o Chico desconvidando, eu tenho isso no meu currículo”, riu junto com a plateia.

“Por falar em Milton, a primeira vez que eu o ouvi”, afirmou antes de cantar Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant). “Quando eu vi o show de Milagre dos peixes [1973], em que Milton era acompanhado pelo Som Imaginário, foi que eu decidi que música era o que eu queria para minha vida”, confessou.

Zé Renato passeou pelos repertórios de sua carreira solo e do Boca Livre, mas demonstrou também sua ascendência musical, enumerando nomes importantes para a sua formação. Antes de cantar Diana (Fernando Brant e Toninho Horta), anunciou: “essa é do Fernando Brant com um dos maiores guitarristas do Brasil”, ocasião em que lembrou que 2018 marca os 40 anos do Boca Livre. Em seguida cantou Mistérios (Joyce e Maurício Maestro), também do repertório do grupo.

Depois foi a vez de reverenciar outro nome da MPB. “Outro cara importante, o Boca Livre tem a honra de ter gravado Geraldinho Azevedo em dois discos”, lembrou, antes de emendar Barcarola do São Francisco (Geraldo Azevedo e Carlos Fernando) e Caravana (Geraldo Azevedo e Alceu Valença).

Em roteiro tão coeso, difícil apontar destaques, mas Acontecência (Cláudio Nucci e Juca Filho) botou parte do público para cantar junto. A hora e a vez (Ronaldo Bastos, Zé Renato e Cláudio Nucci) antecedeu Estácio, holly Estácio (Luiz Melodia), cujo compositor Zé Renato afirmou figurar em seu repertório afetivo.

“Agora uma compositora, a grande Sueli Costa”, anunciou antes de cantar Dentro de mim mora um anjo (Sueli Costa e Cacaso). Após cantar Diz que fui por aí (Zé Keti e Hortensio Rocha) lembrou de quando conheceu Zé Keti. “Meu querido José Flores de Jesus, Zé Keti. Eu já conhecia o Zé Keti compositor, sabia seus sambas, mas só depois de gravar o disco dedicado a seu repertório [Natural do Rio de Janeiro, de 1995] é que fui conhecê-lo pessoalmente. E o Zé Keti dava em cima de todo mundo. Inclusive de nossas mulheres, com nosso consentimento [risos]. Uma vez chamaram a gente para gravar um programa de tevê, ele lembraria a Lapa de seu tempo, eu falaria da Lapa de agora, na época. Tudo combinado, botaram o microfone lapela nele, ele vinha caminhando e de repente passa uma mulher e ele: que bela bunda! E o pessoal: corta!”, tornou a rir com a plateia.

Quando Zé Renato veio participar do 3º. São José de Ribamar Jazz e Blues Festival, no final de 2016, com o projeto Dobrando a Carioca, em que divide o palco com Guinga, Jards Macalé e Moacyr Luz, eles estavam lançando o cd e dvd ao vivo, de modo que o município da ilha recebeu o primeiro show após aquele trabalho ficar pronto. Desta vez ele trazia na bagagem Bebedouro [2017], seu novo disco, que ainda não teve show de lançamento. De lá, cantou Vamos curtir o amor, parceria com Moraes Moreira.

A bem humorada Como tem Zé na Paraíba (Manezinho Araújo e Catulo de Paula), do repertório de Jackson do Pandeiro, gravada por ele em Cabô [1999], lhe cai à perfeição: “mas o diabo é que eu me chamo Zé”, brinca a letra.

Outra do repertório do Boca Livre, Desenredo (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro) precedeu o bloco dedicado a Chico Buarque – a que dedicou, ao lado de Noel Rosa, o disco Filosofia [2001]; o poeta da Vila, no entanto, não foi lembrado ontem.

Seguiram-se Morena dos olhos d’água (Chico Buarque), Samba do grande amor (Chico Buarque), Samba e amor (Chico Buarque) e Tua cantiga (Chico Buarque e Cristóvão Bastos), de Caravanas, disco mais novo de Chico Buarque. “Estou fazendo um show com Cristóvão Bastos, parceiro do Chico nessa música e pedi a ele umas dicas; se eu errar, vocês me perdoam, mas eu acho que vocês vão cantar juntos, vocês sabem tudo”, provocou, antes de cantar lendo a letra. O bloco de Chico foi fechado com Eu te amo (Tom Jobim e Chico Buarque), gancho para O amor em paz (Tom Jobim e Vinicius de Moraes), que levou o cantor a se lembrar da honra do convite para gravar a trilha sonora de O tempo e o vento, de que a música faz parte.

Zé Renato devolveu a gentileza e convidou Tutuca Viana ao palco. Emprestou-lhe o violão e juntos cantaram Que prazer (Tutuca Viana), faixa que abre Avessa manhã, com a participação especial de Zé Renato. Do palco, Tutuca pediu a Zé Renato que mostrasse uma parceria inédita com Zeca Baleiro: “é a estreia mundial”, brincou Zé Renato. Depois cantaram juntos Boi danado (Sérgio Habibe), outra música gravada pelo Boca Livre.

Em Boca Livre, aliás, terminaria a noite. Ou melhor: o show de Zé Renato. Ele cantou Toada (Na direção do dia) (Zé Renato, Cláudio Nucci e Juca Filho), outra que já havia figurado em sua participação no Teatro Arthur Azevedo, dois dias antes. Atendendo aos pedidos de “mais um” emendou Quem tem a viola (Zé Renato, Cláudio Nucci, Juca Filho e Xico Chaves).

A noite continuou com a volta de Marconi Rezende ao palco, em gratidão que era sua mas que traduzia a de todo público presente, satisfeito com o espetáculo de rara beleza que presenciou.

Noite de prazer

Foto: Fernanda Torres

 

Tutuca Viana referiu-se acertadamente ao Teatro Arthur Azevedo como palco sagrado. Festejou seu reencontro com a casa enquanto cantor e compositor, ele que, costumeiramente, nos últimos anos, tem estado mais entre a plateia e os bastidores, assistindo ou produzindo shows.

O artista estava em casa, entre amigos. A começar pela banda: Marcelo Carvalho (teclado), Nema Antunes (contrabaixo), George Gomes (bateria), Darklilson (percussão) e Israel Dantas (violão, guitarra, arranjos e direção musical).

Fez um show divertido, tão à vontade se sentiu. Abriu com Broto (João Marques). Lembrou-se de seus tempos de esquina de Alecrim com Sete de Setembro, no Centro da cidade, quando começou a compor. Confessou influências e partilhou histórias com a plateia. Contou com a participação especial de Rui Mário (sanfona) em dois números.

Não se envergonhou ao admitir ter esquecido a letra de Tão dia, parceria com o piauiense Cruz Neto. O público aplaudiu mesmo o erro e ele começou novamente, sentado, ao violão, acompanhado apenas por Israel Dantas.

Ao longo do show, passeou por todo o repertório de Avessa manhã e, ainda sentado, ao violão, acompanhado pelo irmão Marcelo Carvalho, lembrou sucessos antigos: Beijo de luz (Tutuca Viana, Reinaldo Barros e César Nascimento), Canoa quebrada (Tutuca Viana e Gigi Castro) e Morada de trem (Tutuca Viana e Reinaldo Barros). A plateia fez coro.

Chamou a primeira convidada da noite. Acompanhada por Tutuca ao violão, e Darklilson ao tamborim, Tássia Campos cantou Nada como o tempo (Tutuca Viana e Veiga Neto), bonito samba inédito. Em seguida, ela ficou só no palco, gracejou com a solidão e a escuridão, desculpou-se por não ser uma exímia violonista, e lembrou-se de um prêmio recebido na Rádio Universidade FM por sua gravação de Logradouro (Kléber Albuquerque), que cantou.

Tutuca botou o público para estalar os dedos no jazz Meu grande amor (Tutuca Viana) e em seguida chamou Zé Renato ao palco, com quem dividiu os vocais em Que prazer (Tutuca Viana), faixa que abre Avessa manhã, que está tocando bem nas rádios locais. Ambos trocaram gentilezas e fizeram trocadilhos com o título da música e o prazer mútuo de estarem ali. O anfitrião revelou ter mostrado a música a Jards Macalé e este ter dito que “é a cara do Zé Renato”, imitando a voz do autor de Vapor barato. “Que bom que você gostou e topou participar”, tornou a agradecer.

Capixaba adotado pelo Rio de Janeiro, Zé Renato ficou sozinho ao palco e lembrou três sucessos, sentado, ao violão: Anima (Zé Renato e Milton Nascimento), Papo de passarim (Zé Renato e Xico Chaves), que intitulou o disco que dividiu com Renato Braz em 2011, e Toada (Na direção do dia) (Zé Renato, Cláudio Nucci e Juca Filho), talvez o maior sucesso do Boca Livre – certamente um aperitivo do show que ele não anunciou ontem, mas fará amanhã (3), às 20h, no Clube do Chico (Rua Uirapuru, 17, Calhau – entrada do Grand Park, pela Av. dos Holandeses, primeira à esquerda; ingressos: R$ 45,00; reservas limitadas pelo telefone (98) 99988-9186).

Tutuca lembrou-se ainda de “um cara que eu sempre admirei e acabei me tornando amigo, que infelizmente nos deixou”, antes de tocar “uma que não estava no script”, Na hora do almoço (Belchior). Com a banda de volta ao palco, teceu elogios a Zezé Alves, autor de Índio guri (parceria com Ricardo Valente), que defendeu “em um festival no [ginásio] Costa Rodrigues. Foi acompanhado por um coro de cinco crianças.

Encerrou o show com a pegada rock de O caos de cada dia (Tutuca Viana) e Segredo (Tutuca Viana e Sérgio Habibe). Com o público aplaudindo de pé, perguntou: “vocês querem que a gente saia, dê um tempinho e volte para o bis, ou a gente faz logo?”. Fizeram logo: Zé Renato voltou ao palco e novamente cantaram juntos Que prazer.

Revirando o passado do avesso

Avessa manhã. Capa. Reprodução

 

Avessa manhã [2017], o novo disco de Tutuca Viana, é uma espécie de bootleg. A maior parte do conjunto de nove canções remonta aos anos 1980 e foi encontrada em uma velha fita k7. O cantor e compositor acercou-se de talentosos instrumentistas para trabalhar.

Comparecem Israel Dantas (violões, guitarras, direção musical e arranjos), Marcelo Carvalho (piano), Ricardo Cordeiro (contrabaixo) e Wallace Cardozo (bateria), além das participações especiais de Zé Renato (voz em Que prazer), Nicolas Krassik (violino em Meu grande amor e Índio guri), Zé Américo (acordeom na faixa-título) e Gabriel Grossi (gaita em Que prazer).

Atualmente mais conhecido como o bem sucedido produtor dos festivais de jazz e blues dos Lençóis e de São José de Ribamar, Avessa manhã marca também o reencontro de Tutuca Viana com estúdios e palcos.

O disco tem ecos do Clube da Esquina e da música popular que se produzia no Maranhão entre as décadas de 1980 e 90, no rastro do sucesso do LP Bandeira de Aço, lançado por Papete em 1978. Para termos ideia do peso do passado, é um disco “com gosto de guaraná e bolo”, para citarmos um verso de Broto (João Marques), gíria em desuso, que há décadas designava mulheres jovens e bonitas.

“Eu mostrei a música para [o compositor Jards] Macalé e ele me disse que era a cara do Zé Renato. Mostrei para Zé Renato, ele adorou, e topou participar”, revela Tutuca, sobre a participação de um dos convidados especiais do disco – que estará no palco no show de lançamento, amanhã (1º/3), às 21h, no Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro). Os ingressos, à venda na bilheteria do Teatro, custam R$ 30,00 (com direito ao cd). A outra convidada do artista para o show é a cantora Tássia Campos.

Sozinho ou em parceria, Tutuca assina sete das nove faixas do disco. A faixa-título é uma parceria sua com Reinaldo Barros (in memorian), a quem Avessa manhã é dedicado. Reflexo de sua atuação como produtor – certamente Tutuca Viana será descoberto como cantor e compositor agora para a geração mais nova –, o disco traz elementos de rock, jazz, blues e balada.

Merecem destaque ainda Segredo, parceria com Sérgio Habibe, artista de uma geração anterior à de Tutuca Viana, e Índio guri (Zezé Alves e Ricardo Valente), que fecha o disco.

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Veja o clipe de Que prazer (Tutuca Viana), com participações especiais de Zé Renato e Gabriel Grossi:

Dupla homenagem a Papete

Divulgação
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O lp Bandeira de aço, lançado pela gravadora Discos Marcus Pereira em 1978, catalisava experiências sonoras iniciadas anos antes pela turma que fundou em 1972 o Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte), em torno do qual orbitavam os “compositores do Maranhão” (inscrição que vinha abaixo do nome do intérprete na capa do disco) gravados por Papete.

As tais experiências contribuíram para a aceitação, pelas elites, de uma estética da cultura popular do Maranhão, que transitavam entre o sacro (a religiosidade, sobretudo do período junino) e o profano (as festas regadas a álcool), como de resto as festividades juninas – várias toadas registradas por Papete são clássicos cantados até hoje a plenos pulmões, por multidões, que muitas vezes sequer sabem os nomes de seus compositores.

A partir de Bandeira de aço Papete tornou-se uma espécie de embaixador da cultura popular do Maranhão mundo afora. O (ex-)publicitário Marcus Pereira, responsável por um mapeamento musicultural do Brasil de suma importância, creditou-lhe a tarefa de interpretar o conjunto de composições de Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Ronaldo Mota e Sérgio Habibe, que acabou configurando-se um divisor de águas na música produzida no Maranhão.

Bandeira de aço firmou-se como um marco desta estética que estava sendo perseguida desde o início da década. A voz fraca de Papete ficou ótima, com um acento lamentoso. Ninguém cantou melhor Boi da lua e Catirina, por exemplo, para ficar nestas. Um disco histórico”, atestou Flávio Reis, professor do departamento de sociologia e antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), no artigo Antes da MPM (Vias de Fato, setembro/2011).

Maranhense de Bacabal, cantor e multi-instrumentista, Papete foi reconhecido internacionalmente como um dos maiores percussionistas de todos os tempos. Deixou seu nome em fichas técnicas de discos de artistas como Almir Sater, Chico Buarque, Clementina de Jesus, Dominguinhos, Eduardo Gudin, Erasmo Dibell, João Bá, Josias Sobrinho, Marília Gabriela (sim, a entrevistadora!), Osvaldinho da Cuíca, Passoca, Paulinho da Viola, Paulinho Nogueira, Renato Teixeira, Rita Lee, Toquinho e Verônica Ferriani, entre muitos outros.

Às vésperas do período junino, Papete nos deixou há um ano. Hoje, em São Luís, receberá duas homenagens – entre o sacro e o profano, digamos: hoje (26), às 19h, na Igreja Bom Pastor (Praça da Igreja do Renascença), será celebrada a missa de um ano pelo falecimento de José de Ribamar Viana (seu nome de batismo). E a partir das 20h, na Casa de Iaiá (Rua São Conrado, 71, Olho d’Água), diversos artistas e amigos se reúnem para celebrar sua obra e memória, em Um show para Papete, que reúne Alberto Trabulsi, Marconi Rezende, Milla Camões, Tássia Campos e Tutuca Viana, além da DJ Vanessa Serra. Os ingressos custam R$ 20,00.

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