O poder da música

O grupo SaGrama se apresentou sábado (27) em São Luís. Foto: Zema Ribeiro

Originalmente formado para um trabalho de uma disciplina no Conservatório de Música de Pernambuco, o SaGrama está há 28 anos em atividade e passou pela primeira vez por São Luís do Maranhão no último fim de semana.

Sérgio Campelo (flautas, arranjos e direção artística), Ingrid Guerra (flautas), Crisóstomo Santos (clarinete e clarone), Cláudio Moura (viola nordestina, violão, arranjos e codireção), Aristide Rosa (violão), João Pimenta (contrabaixo acústico), Antônio Barreto (marimba, vibrafone e percussão), Tarcísio Resende (percussão), Dannielly Yohanna (percussão) e Isaac Souza (percussão) fizeram duas apresentações impecáveis sábado passado (27) no Teatro Sesc Napoleão Ewerton.

A circulação que trouxe o SaGrama até a ilha, patrocinada pelo Instituto Cultural Vale, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, estava programada para 2020, mas foi adiada pela pandemia de covid-19. O grupo tornou-se nacionalmente conhecido ao assinar a trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, filme/série de Guel Arraes baseado na obra de Ariano Suassuna (1927-2014).

Equilibrando-se na linha tênue entre música clássica e música popular, o grupo passeou por diversas fases de sua trajetória – sua discografia já inclui 10 álbuns, em apresentações marcadas pelo passeio por sua obra autoral, em que destacam-se as criações de Sérgio Campelo e Cláudio Moura, e de nomes como Dimas Sedícias (1930-2001) e Luiz Gonzaga (1912-1989).

A música do SaGrama tem uma carga dramatúrgica, com as notas musicais (que explicam a origem do nome do grupo) desenhando paisagens e evocando imagens e memórias. Quem ou/viu ao vivo a execução das peças da trilha sonora de “O Auto da Compadecida”, por exemplo, lembrou de cenas e personagens deste clássico do cinema nacional.

Mas a capacidade que o grupo tem de despertar a imaginação de seu público tem um quê de magia. Dois momentos da apresentação são ótimos exemplos disso. A suíte “Aspectos de Uma Feira” (Dimas Sedícias), que em três movimentos (“Alba”, “Ceguinha Jesuína” e “Maria, Maria, Mariá”) evoca o amanhecer em que uma feira vai se configurando no interior nordestino, com o barulho típico dos vendedores chamando a atenção para seus produtos (momento em que todos os integrantes do SaGrama cantam seus pregões), uma cega que canta pedindo esmolas (brilhantemente interpretada pela flautista Ingrid Guerra, com Cláudio Moura e Dannielly Yohanna depositando-lhe a caridade em sua cuia) e o ambiente dos repentistas e artistas de rua. E o “Boi Babá” (Dimas Sedícias), que além de demonstrar que o bumba meu boi está presente em outros lugares além do Maranhão, acompanha seu ciclo de nascimento, morte e ressurreição, no canto/aboio do percussionista Tarcísio Resende.

Antes da execução de “Boi Babá”, Campelo elogiou a beleza do bumba meu boi maranhense, falou da alegria de ter assistido à manifestação durante a passagem pela cidade e anunciou que o grupo cometeria a ousadia de tocar um boi em pleno Maranhão – o repertório do grupo passeou por cirandas, guerreiros, cocos, maracatus, baiões e frevos. Ao final da música, perguntou, modesto, para gargalhadas e aplausos da plateia: “presta?”.

Do repertório, é possível destacar ainda temas como “Eh! Luanda” (Capiba [1904-1997]) – um raro maracatu, de 1952, do compositor, mais conhecido por seus frevos – e “Palhaço Embriagado” (Sérgio Campelo), ambas do primeiro disco do grupo, lançado em 1998, além de “Mundo do Lua”, um pot-pourri que costura sucessos de Luiz Gonzaga, e “Vassourinhas” (Matias da Rocha/ Joana Batista Ramos), já no bis, encerrando a apresentação em alto astral, clima de carnaval e deixando um gosto de quero mais no público presente.

Na maior parte do espetáculo, manter-se sentado era um exercício difícil: aqui e acolá o espectador era transportado aos ciclos carnavalesco e junino pernambucanos, numa demonstração inequívoca do poder da música do SaGrama. Em setembro a circulação chega a Belém do Pará.

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