Morre o último beat

O poeta Lawrence Ferlinghetti era um beat que não se considerava como tal, embora sua livraria/editora, a City Lights, tenha sido imprescindível para a difusão das ideias do movimento que reuniu nomes como Jack Kerouac, Gregory Corso, William Burroughs e, entre outros, Allen Ginsberg – Ferlinghetti chegou a ser preso em 1956 após sua editora publicar “Uivo”, do último, sendo posteriormente absolvido pela corte norte-americana, após provar que o poema não é obsceno.

Não sei se Ferlinghetti, homem de esquerda, chegou a tomar conhecimento de Jair Bolsonaro e do desastre que o genocida representa não apenas para o Brasil e penso nisso ao reler uma entrevista do poeta ao colega de ofício brasileiro Rodrigo Garcia Lopes. Na conversa, publicada no volume “Vozes e visões: panorama da arte e cultura norte-americanas hoje” (Iluminuras, 1996), ele não usa eufemismos ao se referir aos presidentes americanos Ronald Reagan (“um zero em matéria de ecologia”), Richard Nixon (“o que Nixon fez ultrapassou a mais paranóica das imaginações”) e George Bush (“de uma completa ignorância e estupidez. É um idiota”).

Na mesma entrevista, Ferlinghetti diz achar “que neste século a biografia, assim como a entrevista, acabou virando uma nova forma de arte”, e, referindo-se à própria biografia, escrita por Barry Silesky: “essa biografia é pura ficção. Biografia virou ficção”.

Pacifista convicto, Ferlinghetti serviu à marinha americana na segunda guerra mundial, tendo estado na invasão da Normandia e visitado Nagasaki uma semana após a explosão da bomba atômica. “Era como um par de quilômetros quadrados cobertos de nada, mas com cabelo humano e ossos saindo, algo horrível de se ver”, afirmou em depoimento ao Public Broadcasting Service (PBS), em 2002.

Em 2012, coerente com suas convicções, o poeta recusou um prêmio húngaro de mais de 64 mil dólares, o Prêmio Internacional de Poesia Janus Pannonius; à época, ele disse que “se o prêmio é em parte financiado pelo governo húngaro, e as políticas de direita deste regime tendem ao autoritarismo e o consequente cercear das liberdades de expressão e civis, penso ser impossível, para mim, aceitá-lo”, conforme matéria de Carolyn Kellogg, dos Los Angeles Times Books, traduzida por este repórter na ocasião.

Seu “Poesia como arte insurgente” (2007) – uma de suas obras mais recentes, no prelo pela Editora 34, em tradução de Fabiano Calixto – foi escrito e reescrito por mais de 60 anos e é uma coleção de aforismos ferinos, pílulas de dicas para poetas e escritores, mas não só. “Se você quer ser um poeta, crie obras capazes de responder aos desafios dos tempos apocalípticos, mesmo se isso soar apocalíptico”, recomenda (aqui em tradução de Léo Gonçalves), no livro.

Na mesma obra é também certeiro: “A guerra contra a imaginação não é a única guerra. Usando o desastre das torres gêmeas do onze de setembro como desculpa, os Estados Unidos iniciaram a terceira guerra mundial, que é a guerra contra o terceiro mundo” (idem). E finalmente: “Resista mais, obedeça menos” (ibidem).

Reuben da Cunha Rocha, que também traduziu alguns destes poemas curtíssimos, classificou o livro de Ferlinghetti como um “exercício desbragado de contradição, como toda definição do que seja poesia”.

Ainda no livro e na tradução de Reuben, algumas definições de poesia, por Ferlinghetti: “a ficção suprema”; “graffiti eterno no coração de cada um”; “gíria de anjos e diabos”; “a anarquia dos sentidos fazendo sentido”; “o perfume da resistência” e “o poeta um batedor de carteiras da realidade”; em suma, “poesia não vale nada e por isso não tem preço”.

No Brasil, Ferlinghetti foi traduzido também por nomes como Paulo Leminski, Nelson Ascher, Eduardo Bueno e o recém-oitentão Leonardo Fróes.

Sua crítica ao capitalismo, incompatível com a democracia, segundo ele, comparece a poemas como, por exemplo, “Autobiografia” (de “Um parque de diversões na cabeça”, originalmente publicado em 1958): “li as Seleções de Reader’s Digest/ de cabo a rabo/ e notei a perfeita identificação/ entre os Estados Unidos e a terra prometida/ já que em todas as moedas está impresso/ confiamos em Deus/ mas nas notas de dólar não há inscrição alguma/ porque são deuses elas próprias” (tradução de Eduardo Bueno, L&PM, 2007).

“Lawrence Ferlinghetti nasceu em Nova York a 24 de março de 1919. Filho de um imigrante italiano, foi criado por uma tia francesa. Passou seus primeiros cinco anos de vida em Strasburg, França; outro bilíngue na beat. Antes de servir no exército, foi jornalista esportivo e pescador; já publicava contos”, anota Claudio Willer em “San Francisco” (in: “Geração Beat”, L&PM, 2009).

Continua o “beat”ólogo: “com uma bolsa para veteranos de guerra, graduou-se e fez mestrado em Columbia e doutorou-se em literatura na Sorbonne, antes de estabelecer-se em San Francisco em 1953, atuou como ponte entre a literatura americana e a francesa, surrealismo inclusive. Tanto é que entre os primeiros títulos da City Lights estavam coletâneas de textos de Antonin Artaud e Jacques Prévert. É autor de “A coney island of the mind (Um parque de diversões na cabeça)”, outro livro de poesia que já vendeu milhões de exemplares; a reunião de poesias “Endless life (Vida sem fim)”; “The secret meaning of things (O significado secreto das coisas)”; a prosa poética de “Her (Dela)”, textos políticos como “Tirannus Nix?” e tantos outros. Também é pintor. Sempre esteve presente no front político, incluindo suas viagens a Cuba em 1960, à Nicarágua sandinista nos anos 1980 e, mais recentemente, em apoio aos zapatistas mexicanos”.

Lawrence Ferlinghetti, o último poeta beat, faleceu hoje, aos 101 anos. Seu filho Lorenzo confirmou a informação ao Washington Post, atribuindo a uma doença pulmonar a causa da morte.

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Leia também a entrevista de Lawrence Ferlinghetti a Jotabê Medeiros, reproduzida pelo Farofafá.

A segunda obra-prima de Ricardo Piglia

POR JORGE CARRIÓN
TRADUÇÃO: ZEMA RIBEIRO

Ricardo Piglia quando recebeu o Prêmio Internacional de Novela “Rómulo Gallegos” 2011, em Caracas. Foto: Leo Ramirez/ Agência France-Press. Getty Images

Em 28 de janeiro de 1969, Rodolfo Walsh escreveu em seu diário: “Fantasio que a novela é o último avatar de minha personalidade burguesa, ao mesmo tempo que o próprio gênero é a última forma de relato burguês, em transição para outra etapa em que o documental recupera sua primazia. Mas nem estou seguro disso, que pode ser uma desculpa para meu momentâneo fracasso”.

O autor de Operação massacre – que pode ser considerada a primeira grande novela de não-ficção do século XX – não era capaz de assumir que a novela podia prescindir de ficção. Um dos grandes cronistas do século XX identificava a grande literatura com a ficção e não com a crônica, quer dizer, com aquilo que desejava escrever e não com aquilo que realmente escrevia. Sabemos por seu diário, outra forma supostamente menor de literatura. Outra forma também de não-ficção.

Quando Ricardo Piglia publica Uma proposta para o próximo milênio em 2011, um texto que depois reescreverá e que, por sua importância, integrará sua Antologia pessoal (2014), decide partir de Walsh e suas convicções documentais, para responder à pergunta: “como narrar o horror?”.

Detecta no prólogo à terceira edição de Operação massacre um movimento crucial. Walsh representa a si mesmo num bar de La Plata, “em que sempre vai falar de literatura e jogar xadrez e numa noite de 1956 se ouve um tiroteio”. Walsh sai e se refugia em casa mas escreve: “mas nem esqueço que, cego para os cegos, ouvi morrer um conscrito na rua e esse homem não disse “viva a pátria!” mas disse: não me deixem só, filhos da puta”.

Quer dizer, muda o foco da câmera, cede à palavra. Poe o outro no lugar de enunciação que um havia tido um momento antes. Então Piglia diz algo memorável: “a verdade tem a estrutura de uma ficção onde outro fala. É preciso fazer na linguagem um lugar para que o outro possa falar”.

A chave da ficção futura, portanto, se encontra numa novela de ficção. É estranho, porque Piglia não escrevia literatura documental. Não escrevia livros de história, embora fosse um potencial historiador. Não escrevia crônica. Ou escrevia?

Recordemos como começa sua primeira obra maior, Respiração artificial. O narrador, Emilio Renzi, havia publicado sua obra-prima, uma novela intitulada precisamente A prolixidade do real, construída a partir de várias versões de histórias familiares (uma novela que afortunadamente nunca leremos: parece que seu estilo lembra a Faulkner traduzido por Borges, “a uma versão mais ou menos paródica de Onetti”; imediatamente esgotada nas livrarias de Corrientes) e, de repente, recebe uma carta de um de seus protagonistas, seu tio Marcelo Maggi.

Escrevem-se. Vive separado, num povoado distante. “Ensino história argentina no Colégio Nacional e à noite vou jogar xadrez no Clube Social. Há um polaco que é um ás; costumava jogar com o príncipe Alekhine e com James Joyce em Zurique”, essa versão livre de Gombrowicz, chamado Tardewski, tem um sonho benjaminiano (“escrever um livro inteiramente feito de citações”), escreve artigos sobre xadrez num diário local e escreve um “caderno onde registra suas ideias”. Tudo isso se conta na carta inicial. A forma inicial. A resposta. Começa a novela.

A novela começa, portanto, com um deslocamento de gênero. Da ficção familiar à literatura epistolar. Mas, imediatamente, diz Renzi: “não tem sentido que reproduza todas essas cartas”. Há, portanto, um processo de edição. A novela é uma arquitetura de vozes deslocadas (Maggi, Tardewski, Enrique Ossorio, Hitler, Kafka, Arocena), a partir de um deslocamento inicial e prévio: de Ricardo Piglia a Emilio Renzi (já presente em seu primeiro livro de contos, A invasão).

Até 2015, consciente de que dois de seus grandes mestres são Godard e Duchamp, artistas do desvio, teríamos dito, no entanto, que o grande deslocamento pigliano se dá entre dois outros gêneros: a novela e o ensaio. A novela é, em seu caso, sem dúvida e começando por Respiração artificial, uma grande máquina de ensaiar. É a operação que faz Duchamp com a arte contemporânea: torna-se autoconsciente, crítica de arte, teoria artística; ou Godard com o cinema, primeiro [filmes] narrativos, cada vez mais ensaios filmados.

Mas nos anos 1950, 60 e 70, a novela – se me permitem a tola generalização –, condicionada pela política, havia dirigido o uso do ensaio para a defesa de uma tese. Quando se publica Respiração artificial em 1980, em plena ditadura argentina, se podia ler na contracapa: “tempos sombrios em que os homens parecem necessitar um ar artificial para poder sobreviver”. A alusão era clara mas indireta. A novela poderia ser lida em chave política. Mas também em chave estritamente literária.

Com esse desvio ou giro, com esse deslocamento, da novela familiar (burguesa) inexistente ou a novela política (da geração anterior) a uma novela que primeiro se detém especialmente na epistolaridade e depois na conversação poderia se dizer que Piglia prefigura (pré-formata) uma estratégia que será muito comum na literatura da virada do século XX para o XXI.

Com efeito, em Os emigrados (1992), de W. G. Sebald, em Os detetives selvagens (1998), de Roberto Bolaño, em A novela luminosa (2005), de Mario Levrero, em A morte me dá (2007), de Cristina Rivera Garza, ou em Verão (2009), de J. M. Coetzee, os autores recorrem à manipulação de materiais de extração não-literária, muitas vezes privada, como o diário ou a carta, quando não de natureza acadêmica (a tese) ou jornalística (a entrevista), para articular e dar forma às partes mais decisivas das estruturas de seus textos.

Se trata de materiais “ignóbeis” que dificilmente encontraríamos nos autores da geração anterior ou, ao menos em suas novelas canônicas (à exceção, talvez, de O jogo da amarelinha).

Até 2015, repito, acreditávamos que os grandes deslocamentos piglianos eram o seminal (de Ricardo Piglia a Emilio Renzi) e o de gênero (da novela ao ensaio, crítica e ficção); mesmo que soubéssemos que existiam os diários e inclusive que os tivéssemos lido (como em Formas breves) algum fragmento deles. Mas então foi publicado o primeiro volume de Os diários de Emilio Renzi: “Anos de formação” [será publicado agora no Brasil pela editora Todavia, conforme informou em sua conta no twitter o escritor e tradutor Joca Reiners Terron]; e em 2016 o segundo tomo, “Os anos felizes”; e agora “Um dia na vida”; e graças a essa obra-prima em três partes entendemos que abaixo de todas as suas novelas e todos os seus ensaios estava, decisiva, uma grande forma, um grande gênero, de não-ficção cotidiana.

Capa da edição em espanhol do terceiro volume dos diários de Emilio Renzi. Reprodução

Que Os diários de Emilio Renzi podem ser lidos como uma grande novela, como um grande ensaio e como um extraordinário diário nos permitiria afirmar que Piglia realiza neste grande livro uma autêntica triangulação literária. Mas dos 327 cadernos de Piglia só lemos uma parte.

No segundo tomo, por exemplo, faltam as viagens a Cuba e a China; e no terceiro são eliminadas, entre tantas viagens, as que fez a Venezuela (por ocasião, por exemplo, do prêmio Rómulo Gallegos) ou a Barcelona (surpreendentemente não se mencionam nem a Jorge Herralde nem a editora Anagrama).

Como as cartas de Respiração artificial, os diários estão editados. Com que critério? Com o de centrar-se naqueles espaços e tempos que já conhecíamos através da ficção. La Plata, Buenos Aires, os cenários e as histórias dos “contos morais” ou de Respiração artificial, A cidade ausente ou Dinheiro queimado. A publicação dos diários intervém nessa série de textos: gera um grande sentido a 50 anos de obra publicada. Um sentido que se pode estabelecer a partir da famosa teoria de Tese sobre o conto: com efeito, toda a obra de Piglia contava, simultaneamente, duas histórias. Na superfície, a novela e o ensaio desenvolviam um discurso sobre os modos de ler e escrever literatura; no subsolo, o diário consignava os modos de ler e escrever a vida.

Piglia disse em sua mais famosa forma breve que sempre há um momento de interseção ou de cruzamento entre a história 1 e a história 2. São os livros e os autores que aparecem tanto na superfície como no subsolo. E que todo conto conduz a alguma forma de epifania, de “iluminação profana”. Eu senti isso no momento em que entendi,             depois de ler seus diários, que tudo aquilo que durante 50 anos nos havia parecido material lido, metaliteratura e metaficção havia sido, na realidade, sofrido, palpado, vivido.

Os diários desenham, de fato, a um sujeito que sofre a depressão e a tentação do suicídio, que abusa das drogas e pratica a poligamia, que odeia a figura do intelectual, esse traje ou essa máscara que não obstante é impossível não lhe por: finalmente, o diário, em que pese sua fidelidade aos fatos, é uma construção hipersubjetiva, bastante ficcional.

O que me admira – e ao mesmo tempo me assusta – é que é muito provável que tudo isto que digo já foi pensado (e mais: planejado) por Piglia. Ele era consciente do efeito que provocaria a edição de seus diários. Ele preparou todo este grande momento. Em muitos de seus textos poderia encontrar evidências de que minha leitura é, sobretudo, sua. Por exemplo, em O escritor como leitor fala dos diários de Gombrowicz e os define como seu “grande laboratório”: “o diário é isso, uma sorte de experimentação contínua com a experiência, com a forma, com a escrita”. Piglia vai mais longe e diz que talvez seja “sua obra maior”.

De algum modo, ler e interpretar Piglia – como ler Borges – é plagiar Piglia como leitor. Desde que li, assombrado, Formas breves e Respiração artificial há exatamente 15 anos, são inúmeras as vezes em que citei-o consciente e inconscientemente, revelando a fonte e roubando suas ideias e assumindo-as como minhas.

Por sorte, isto também ele pensou e formulou: “na literatura os roubos são como as lembranças”, escreveu em A ex-tradição: “nunca inteiramente deliberados, nunca demasiado inocentes. As relações de propriedade estão excluídas da linguagem: poder usar todas as palavras como se fossem nossas”.

A sessão de Antologia pessoal em que se encontram Uma proposta para o próximo milênio, O escritor como leitor e A ex-tradição se intitula, não podia ser diferente, O laboratório do escritor.

[publicado originalmente na versão em espanhol do New York Times]

Mortes silenciadas

A uma da madrugada, ligo para o hospital de Bonsucesso e um funcionário me informa de que chegaram três feridos e dois mortos procedentes da região onde terminou a marcha. Me dá os nomes, idades (todos menores de 20 anos, porra) e as circunstâncias de cada caso. Ainda insiste em me mandar as fotos dos cadáveres por Whatsapp. Como estou sem Whatsapp estes dias, elas são enviadas a meu companheiro Edgar Costa, que me acompanhou mais uma vez para fazer o vídeo da marcha e fez como sempre um trabalho espetacular. Custou-lhe o sono ver as imagens, que obviamente não carecem ser reproduzidas.

*

Em tradução livre do blogueiro, trecho de Muertes silenciadas, bom artigo do jornalista Germán Aranda, correspondente do El Mundo no Rio de Janeiro, em seu blogue. O trecho final, que destaco, deveria ensinar um bocado às nossas blogosfera e imprensa, sempre ávidas por exp(l)or(ar) a dor alheia, em nome de uns cliques ou exemplares vendidos a mais.

Texto completo (em espanhol) aqui.

Ernesto Cardenal apelida de “monstruosidade” a canonização de João Paulo II

DO PÚBLICO/ EFE
TRADUÇÃO: ZEMA RIBEIRO

O poeta de 89 acusou o papa polonês de “proteger” Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo e acusado de pederastia

Ernesto Cardenal lê um discurso após receber o Prêmio Internacional de Pedro Henríquez Ureña, concedido pelo Governo da República Dominicana (EFE)

O poeta nicaraguense Ernesto Cardenal considerou a canonização de João Paulo II “uma monstruosidade”, mas valorizou a de João XXIII, a quem qualificou de “tremendo papa” que “veio a revitalizar a igreja”.

Cardenal deu estas opiniões numa entrevista publicada hoje [ontem, 29] no periódico Micultura feriero, editado pelo Ministério da Cultura dominicano por ocasião da Feira Internacional de Literatura local.

O poeta de 89 anos acusou João Paulo II de “proteger” a “um monstro”, como qualifica a Marcial Maciel (1920-2008), fundador dos Legionários de Cristo e afastado do sacerdócio por Bento XVI por acusações de pederastia. Sobre João XXIII, disse, no entanto, que foi “um tremendo papa, que veio a revitalizar a igreja”.

Cardenal acusou João Paulo II e Bento XVI de dedicarem-se “a desmantelar toda a renovação da igreja de João XXIII, até que agora, felizmente, veio um papa nosso (Francisco), de nossa América, do fim do mundo, como ele disse, que tem demonstrado ser um novo João XXIII, um novo milagre, como foi aquele”.

Para o poeta nicaraguense, que em 1983 foi admoestado publicamente por João Paulo II por ser ministro sandinista e simpatizar com a Teologia da Libertação, o atual papa “está fazendo, mais que com palavras, com feitos. É uma revolução o que está fazendo no Vaticano, o que significará, em parte, uma revolução no mundo”.

Sua atividade literária – Perguntado sobre se deseja receber o Prêmio Nobel de Literatura, para o qual foi indicado em 2005, Cardenal disse que gostaria “para poder presentear o que recebe”.

Sobre a atividade literária, disse que “o desafio é que os poetas escrevam uma poesia que se entenda, que signifique algo para os demais, por que muitos escrevem algo que é enigmático, hermético, sem sentido, com uma linguagem absurda ou irracional, que em alguns casos o autor não entende nem ele mesmo”.

“A minha é uma reação contra isso, o que também tem sido próprio de outros escritores da América Latina que escrevem esta poesia, como a minha. Tratamos de fazer poesia comunicável”, acrescentou.

Cardenal, Prêmio Rainha Sofia 2012 de Poesia Iberoamericana, disse que segue ensinando poesia “ocasionalmente” em seu país, onde tem uma oficina para crianças com câncer.

Isto, afirmou, por que, segundo lhe explicaram os médicos, “o câncer e a leucemia produzem nas crianças um especial talento expressivo, próprio da poesia”, e lhe pediram que fizesse um “experimento com elas, que tem dado por resultado uma poesia em geral, muito boa”.

Exercício de raiva e traição*

CELSO BORGES**

Por que escrever apenas dos 16 aos 20 anos? Virar pelo avesso a poesia ocidental e depois abandonar a literatura e rumar para a Abissínia em busca de algumas moedas de ouro? Assim fez o poeta Jean Nicolas Arthur Rimbaud, que ao lado de Charles Baudelaire forma a dupla mais importante da poesia moderna, nascida na França na segunda metade do século 19. “Não penso mais nisso”, diria mais tarde Rimbaud ao amigo Delahaye quando questionado sobre literatura.

O enigma da renúncia do bardo francês atravessa gerações e permanece sem resposta. No caso de Rimbaud, essa deserção tem um caráter mais agudo, pelo curto espaço de tempo que escreveu e pela importância de sua obra para a poesia de seu tempo e além. Para poetas como eu, que carregam a palavra por todo o corpo e nunca pensaram em abandoná-la, a atitude de Rimbaud traz desconforto e alguma angústia. Um lado meu procura compreendê-lo. O outro, chora a perda de um cúmplice e sente o golpe. Como uma traição.

Rimbaudemônio é um grito e um exercício de imaginação contra os fugitivos da literatura, além de uma afirmação da poesia. É um texto de raiva e revolta contra Rimbaud, ainda que dê a ele chances de se defender. Narra um encontro imaginário entre o poeta e o demônio. Depois de beber inspiração no cálice satânico para escrever alguns dos versos mais belos de sua época, Rimbaud abandona a poesia. Antes, porém, sente-se no dever de comunicar isso ao seu grande mestre e para isso vai visitar o diabo no inferno, que se revolta contra ele. 

O inferno, aqui eleito como fonte de desregramento, delírio e rebeldia, é resultado de uma idealização romântica, ou mesmo de uma falsa idealização. Na educação cristã que recebi na infância, a presença de um Deus punitivo e de um juízo final implacável sempre foram mais presentes do que a figura do diabo e do fogo do inferno. Mais tarde, revoltei-me contra essa simbologia do medo. Rimbaudemônio é também, por isso, uma reação, mas sobretudo uma provocação contra esse universo. Para isso, investi num conceito de transgressão que tivesse origem na figura do demônio e no cenário de fogo regido por ele. É dentro dessa concepção que nascem a beleza e a rebeldia de Rimbaud.

Cinco tradutores do poeta francês alimentaram a construção deste texto: Augusto de Campos [Rimbaud Livre], Ivo Barroso [Arthur Rimbaud – Poesia Completa], Lêdo Ivo [Uma Temporada no Inferno & Iluminações], Maurício Arruda Mendonça e Rodrigo Garcia Lopes [Iluminuras – Gravuras Coloridas], além dos ensaios Rimbaud e Jim Morrison – Os Poetas Rebeldes [Wallace Fowlie]; A Hora dos Assassinos [Henry Miller]; O Castelo de Axel [Edmund Wilson]; Diabo – Uma Biografia [Peter Stanford]; e inspirações libertárias do Gênesis, de Roberto Piva, dos Pequenos Poemas em Prosa e da obra completa de Charles Baudelaire, e do clássico Simpathy for the Devil (Jagger/Richards), do Rolling Stones, relido pela lente do cineasta Jean Luc Godard.

Sem Lêdo Ivo, o primeiro tradutor de Rimbaud no Brasil, não haveria Rimbaudemônio. Devo muito deste trabalho à sua tradução de Uma Temporada no Inferno & Iluminações, que me trouxe de volta a rebeldia do poeta. Li esse livro há mais de 20 anos e confesso que somente na releitura, no início de 2008, percebi com mais lucidez o impacto de seus versos sobre a poesia moderna.

Lêdo Ivo está fora de minha lista de poetas/tradutores preferidos, talvez por ser um ícone da Geração 45, com a qual não me identifico em razão de sua excessiva e equivocada rejeição ao modernismo de 22 e aos seus desdobramentos. Mas devo reconhecer que bebi do seu entusiasmo no pequeno ensaio que assina no prefácio do livro. Durante a leitura dos versos de Uma Temporada no inferno & Iluminações, esse entusiasmo cutucou minha inspiração e estimulou alguma raiva contra a renúncia do poeta francês. Daí nasceu a ideia de construir um diálogo entre Rimbaud e o demônio.

Outra tradução mais recente, Iluminuras – Gravuras Coloridas, de Rodrigo Garcia Lopes e Mauricio Arruda Mendonça, foi essencial como diálogo com a tradução de Lêdo Ivo. Sobretudo pelos ensaios curtos e luminosos do posfácio, que me ajudaram a compreender um pouco mais o alcance da obra de Rimbaud e mudaram meu olhar, de certa forma ainda ordinário, sobre os truques e trovões rítmicos do poeta de Ardennes.

É importante destacar, no entanto, que Rimbaudemônio está longe dos primeiros experimentos com a técnica cut-up do norte-americano William Burroughs, quando usou trechos das Iluminações (ou Iluminuras, como preferem os tradutores Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça). Aproxima-se muito mais do método detournement (desvio, descaminho, roubo ou rapto, em francês) criado por Lautreamont, cujo objetivo é modificar frases existentes pela troca de algumas palavras ou pela adição de outras cuidadosamente escolhidas. “O plágio é necessário. O progresso exige” (Lautreamont).

A partir de hoje a peça será encenada todas as sextas-feiras, até dezembro, sempre às 21h

*Este texto foi originalmente distribuído aos meios de comunicação junto do release da peça. ** Celso Borges é poeta e jornalista.

Vísceras sociais vomitadas a uma caixa preta

Com capítulos e páginas numerados de trás pra frente, Sobrevivente [Leya, 2012, 353 p., tradução de Tatiana Leão], segundo romance de Chuck Palahniuk, conta a história de Tender Branson, fanático religioso que sequestra um avião – para irmos direto ao ponto. A contagem regressiva é o tempo de os motores pifarem e a aeronave cair, o tempo em que ele aproveita para registrar sua própria história de vida, que narra à caixa preta.

Branson é o único sobrevivente – daí o título – de uma seita religiosa fanática e o autor se utiliza disso para construir uma obra satírica, criticando costumes e valores da sociedade ocidental. O protagonista, por exemplo, alimenta seu peixinho de estimação com valium, usa ele mesmo um sem número de drogas para manter as aparências, afinal de contas, é um líder religioso que precisa conquistar e convencer, principalmente pelo que expõe em cadeia nacional de tevê.

É também ele um incentivador de potenciais suicidas a consumarem o ato, por telefone. É mais um elemento irônico do texto: qualquer um pode ser promovido a qualquer coisa, tudo depende da intensidade da cobertura da mídia, para citarmos uma passagem em que ele questiona mesmo o martírio de Jesus Cristo. Como convém, a obra é recheada de passagens bíblicas.

Também recheiam as páginas de Sobrevivente dicas domésticas, os afazeres do lar outra das funções do personagem principal, antes de sua vida virar. Com uma narrativa frenética, o livro, que também diverte, talvez seu objetivo primeiro, acaba revelando bastidores de um circo em cuja plateia só se veem palhaços: eu, você, seus leitores e todos aqueles de quem bancos, governos, igrejas e instituições em geral riem da cara a cada quebra de recorde nos lucros.

New York em São Luís

O poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes é mais um autor confirmado para a 7ª. Feira do Livro de São Luís. Ele participará de um recital, ocasião em que lançará seu novo disco, Canções do Estúdio Realidade, e do Café Literário, quando debaterá com o escritor Reuben da Cunha Rocha o tema Tradução é traição?

Lopes já lançou o disco Polivox (poemas com trilhas, 2001) e os livros de poesia Nômada (2004), Visibilia (1996, 2004) e Solarium (1994), entre outros, além de Vozes e visões – Panoramas da arte e cultura norte-americanas hoje, que reúne entrevistas dele com Allen Ginsberg, Chick Corea, John Cage e William Burroughs, para citar apenas alguns. É dele também uma elogiada tradução de Folhas de relva (2004), de Walt Whitman. Lopes traduziu ainda Ariel (2007), de Sylvia Plath (com Cristina Macedo), e Iluminuras (1996), de Rimbaud.

Confiram o clipe de New York, de Canções do Estúdio Realidade.

Este blogue voltará a trazer novidades da 7ª. Feira do Livro de São Luís, com periodicidade de-vez-em-quandal. Acompanhem!

Lawrence Ferlinghetti recusa prêmio húngaro sobre Direitos Humanos

POR CAROLYN KELLOGG
DO LOS ANGELES TIMES BOOKS

TRADUÇÃO: ZEMA RIBEIRO

O poeta em frente à sua livraria em 2003

O poeta e editor Lawrence Ferlinghetti, proprietário da City Lights Bookstore em San Francisco, declinou de um prêmio húngaro de mais de 64 mil dólares, alegando preocupações sobre direitos civis e liberdade de expressão.

Não é pequena a ironia de que o prêmio recusado por Ferlinghetti, o Prêmio Internacional de Poesia Janus Pannonius (Janus Pannonius International Poetry Prize) seja oriundo de uma divisão húngara do PEN (caneta em inglês, a sigla), organização internacional que apoia a liberdade de escrever e frequentemente realiza campanhas para ajudar escritores que foram presos ou silenciados.

Ao saber que o prêmio foi parcialmente financiado pelo governo húngaro, Ferlinghetti escreveu uma carta expressando suas preocupações. “Se o prêmio é em parte financiado pelo governo húngaro, e as políticas de direita deste regime tendem ao autoritarismo e o consequente cercear das liberdades de expressão e civis, penso ser impossível, para mim, aceitá-lo nos Estados Unidos. Assim, devo recusar o prêmio em seus termos atuais”, diz um trecho.

Ferlinghetti (93) serviu a Marinha na Segunda Guerra Mundial. Estava na invasão da Normandia e visitou Nagasaki uma semana depois da bomba atômica.  Ela “era como um par de quilômetros quadrados cobertos de nada, mas com cabelo humano e ossos saindo, algo horrível de se ver”, declarou ao PBS (Public Broadcasting Service) há 10 anos. A experiência relatada foi o início das convicções políticas do pacifista.

Mas Ferlinghetti é também um lutador. Em 1956 ele colocou sua jovem livraria e editora no centro dos debates sobre a liberdade de expressão ao publicar Uivo, de Allen Ginsberg. O editor chegou a ser preso, mas foi absolvido pela corte, após provar que o poema não era obsceno.

Ao rejeitar o prêmio, Ferlinghetti tentou doar o dinheiro a um fundo de apoio a casos de liberdade de expressão na Hungria, mas não ficou satisfeito com os esforços da PEN húngara em atender seu requerimento.

* O tradutor agradece a leituratenta e as dicas preciosas de Igor de Sousa e Reuben da Cunha Rocha.

Estilo

estilo é a resposta para tudo –
um novo jeito de encarar algo estúpido ou
perigoso.
é preferível fazer algo estúpido com estilo
do que fazer algo perigoso
sem estilo.

Joana d’Arc tinha estilo
João Batista
Cristo
Sócrates
César,
García Lorca.

estilo é o que faz a diferença,
um jeito de realizar,
um jeito de estar realizado.

6 garças paradas numa lagoa
ou você saindo nua do banheiro
sem me
ver.

&

Poema de Charles Bukowski traduzido por Fernando Koproski. De Amor é tudo que nós dissemos que não era [7Letras, 2012, 260 p.], que será lançado no próximo dia 18, junto da segunda edição de Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém, com poemas idem do velho safado traduzidem por Koproski.

Sexto Piso publica O livro uruguaio dos mortos, de Mario Bellatin

RANA GUSTAVO
TRADUÇÃO: ZEMA RIBEIRO

O livro uruguaio dos mortos [Sexto Piso, 280 p., 2012] talvez seja a obra mais importante já escrita por Mario Bellatin. Sua sobrecarregada imaginação perturba a fronteira entre realidade e ficção, tendo como resultado uma originalidade sem limites, girando em torno de certas perguntas sem resposta, como a que em algum momento inesperado faz o narrador do relato: “Tua imagem no espelho te reflete?”

Mario Bellatin escreve para um alguém misterioso que só viu uma vez, com quem desde então dialoga sobre os mistérios da ressurreição da carne. Conta em detalhes eventos que habitam seu mundo particular, onde o tempo nem avança nem retrocede, como o espaço também não está em um lugar específico. O livro uruguaio dos mortos é uma espécie de espiral que ao mesmo tempo dá voltas sobre certos eixos recorrentes dispara em todas as direções alcançadas pela prodigiosa capacidade de observação do autor.

Sobre o autor | Mario Bellatin nasceu no México, estudou Teologia e Cinema e pratica sufismo. Tem mais de 40 livros publicados [a Cosacnaify lançou, no Brasil, Flores e Cães heróis] e já foi traduzido para 15 idiomas. Venceu os prêmios Xavier Villaurrutia, Mazatlán, Barbara Gittings Literature Award e o Premio de Narrativa Antonin Artaud por Disecado [Sexto Piso]. Atualmente é curador honorário do Documenta 12. Entre seus projetos mais importantes, fora a literatura, está a Escola Dinâmica de Escritores e Os Cem Mil Livros de Bellatin.

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Arrisquei-me a traduzir o pequeno texto acima para compartilhar mais um lançamento deste escritor que tanto me fascinou desde que o descobri em Flores e Cães heróis, cuja leitura recomendo. Bom saber que já publicou mais de 40 livros, ficando, de já, na torcida para que mais obras suas cheguem ao português, ao Brasil. Colombo, parceiro de devoção bellatinesca, este post é pra ti, com o perdão de qualquer deslize en la traducción. Ao Joca Reiners Terron, que escreveu o posfácio de Flores, agradecimentos pelo link e paciência no tuiter.

22 de setembro

DIA SEM CARRO

Os ecologistas e outros irresponsáveis propõem que por um dia, o dia de hoje, os automóveis desapareçam do mundo.

Um dia sem carros? E se esse exemplo se contagia e passa a ser todos os dias?

Deus não queira e o Diabo tampouco.

Os hospitais e cemitérios perderiam sua mais numerosa clientela.

As ruas se encheriam de ridículos ciclistas e patéticos pedestres.

Os pulmões já não poderiam respirar o mais saboroso dos venenos.

As pernas, que se esqueceram de caminhar, tropeçariam em qualquer pedrinha.

O silêncio aturdiria os ouvidos.

As rodovias seriam deprimentes desertos.

As rádios, as televisões, as revistas e os jornais perderiam os seus mais generosos anunciantes.

Os países petroleiros ficariam condenados à miséria.

O milho, a cana de açúcar, agora convertidos em comida de carros, regressariam ao humilde prato humano.

Tradução de Rogério Tomaz Jr. para um dos 366 textos de Os filhos dos dias (Los hijos de los dias), novo livro de Eduardo Galeano, que chega ao Brasil em breve, traduzido por Eric Nepomuceno (nestes links, outros textos traduzidos pelo queridamigo Rojão e pelo apresentador de Sangue Latino). Grande notícia!

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Sonhei que voltava às estradas, mas desta vez não tinha 15 anos e sim mais de 40. Só tinha um livro, que levava em minha pequena mochila. De repente, enquanto ia caminhando, o livro começa a arder. Amanhecia e quase não passavam carros. Enquanto jogava a mochila chamuscada em um canal, senti que minhas costas coçavam como se tivesse asas.

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Um sonho-poema-em-prosa de Roberto Bolaño (foto) traduzido por Ronaldo Bressane no Pernambuco deste mês. O suplemento traz ainda uma entrevista com Lourenço Mutarelli, entre outras coisas bacanas.

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por que haverá de em cada de um parque

ânus se erguer alguma aspas estátua aspas para
provar que um herói é igual a qualquer basbaque
que teve medo de ousar responder “não”?

aspas cidadãos aspas poderiam em vez dis
so esquecer(errar é humano;perdoar,
divino)que se aspas o estado aspas diz
“mate” matar é um ato de amor cristão.

“Nada”, em 1944 D C

“pode se contrapor ao argumento da ne
cessidade militar” (generalíssimoe)
e o eco responde “não há defesa

contra a razão” (freud)–a gente paga a despesa
mas não abre a boca. A liberdade não é uma beleza?

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um político é um ânus no
qual tudo se sentou exceto o humano

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Dois poemas de e. e. cummings, traduzidos por Augusto de Campos, em poem(a)s (2011), recém-lançado pela Editora Unicamp, que ano passado também botou na roda uma edição também linda do Ensaios e Anseios Crípticos, de Paulo Leminski.

John Cage

/Além do mais, somos criminosos. Ali, fora da lei, dizemos a verdade.// Não estamos pondo as coisas em ordem (isso é função das empresas): estamos apenas facilitando processos para que qualquer coisa possa acontecer.// Fazendo o que não sabemos fazer. Sem técnica.// Inútil cantar canções de ninar para quem não consegue dormir.// Fazemos o que fazemos por pura contradição.// Se não há esperança, não há com o que se preocupar.// O que temos não seria pior se chamado por outro nome. Veblen o chamou de sistema do preço, Mills o chamou de elite do poder. Provavelmente não passam de umas noventa e nove pessoas envolvidas com o mercado financeiro. Curiosa forma de jogatina.// Nós insistimos no uso contínuo das faculdades estéticas.// Não aprendemos nada com o que já sabemos.// O que já fizemos conspira contra o que ainda é preciso fazer.// Plataforma presidencial: prometo, sendo eleito ou não, continuar meu trabalho sem me preocupar com você; acabar com as leis; oferecer crédito ilimitado à sociedade inteira independentemente de nacionalidade.// Observando as diferenças, lado a lado com os derrotados, aprendendo com o oprimido a viver fora da lei sem cometer crimes. Escravizar-se a todas as coisas. (Não há por que se tornar Rei)// Às vezes nós borramos a distinção entre arte e vida; às vezes tentamos esclarecê-la. Não nos apoiamos numa perna só. Apoiamo-nos em ambas.// Estamos dando os primeiros passos. Em breve conseguiremos andar.// Não temos ídolos: nós acreditamos no que fazemos./

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O trecho acima é do famoso diário de John Cage (do qual, confesso: nunca tinha ouvido falar, do famoso diário, antes de lê-lo, este trecho, aqui). Traduzido e montado por meu amigo-irmão Reuben da Cunha Rocha, o petardo ocupa a contracapa do terceiro número da revista Pitomba!, editada por ele, Bruno Azevêdo e Celso Borges (clique aqui para baixar as duas primeiras edições).

Clica pra baixar!

E na imagem acima para baixar a terceira.

Ainda tá em tempo?: feliz 2012!

Olha a Pitomba! Leia a Pitomba!!!

Os bróders Bruno Azevêdo, Celso Borges e Reuben da Cunha Rocha editam a revista Pitomba, cujo segundo número será lançado hoje, às 19h, no Bar do Porto (Praia Grande), com entrada franca (a revista será vendida por R$ 5,00).

Aos editores (os dois primeiros estarão no lançamento, Reuben está em SP), que assinam quadrinhos, poemas, traduções e manifestos, juntam-se bons nomes como Marilia de la Roche (fotos), Rafael Rosa (quadrinhos), Flávio Reis (artigo), Luís Inácio, Micheliny Verunschk, Carlos Loria, Tazio Zambi e Dyl Pires (poemas), entre outros.

Este blogue fica bastante contente com a chegada do segundo número da Pitomba às paradas e lhe deseja vida longa!

Há tempos com a revista em mãos, eu já devia ter escrito algo sobre. Voltaremos a ela, que motivos não faltam. Por enquanto, deixo vocês com o material de divulgação que recebi por e-mail. Roam!:

Mais no Overmundo.