Gerô é o homenageado de hoje da Rádio das Tulhas

Moizes Nobre e Gerô. Reprodução
Moizes Nobre e Gerô. Reprodução

Ontem (22) completaram-se 17 anos do assassinato de Jeremias Pereira da Silva, o Gerô (1961-2007). Artista popular, cantor, compositor, escritor, cordelista e repentista, ele foi “confundido” – era negro – com um assaltante e torturado até a morte por policiais militares.

O episódio causou indignação na classe artística e na sociedade geral, à época. A então deputada estadual Helena Heluy (PT) propôs e conseguiu aprovar a lei nº. 8.641/2007, que estabelece a data de 22 de março como Dia Estadual de Combate à Tortura.

No carnaval de 2008, o Bloco Tradicional Pau Brasil, do Anjo da Guarda, homenageou Gerô, com o samba “Salve Gerô!“, de Gigi Moreira (1957-2020), Jeovah França, Josias Sobrinho e deste cronista. Em 2009, a Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), através de seu plano fonográfico, lançou o cd póstumo “A Peleja de Gerô”, reunindo gravações do artista. O álbum permite perceber sua versatilidade, verve afiada e bom humor.

Gerô será homenageado hoje (23) na Rádio das Tulhas, a tertúlia semanal capitaneada pelos djs Ayawo Noleto e Victor Hugo, na Feira da Praia Grande, palco de emboladas de Gerô. Com entrada franca, o evento começa ao meio-dia e vai até às 18h. A edição de hoje contará com as presenças de colegas de ofício do homenageado: Paulinho Nó Cego, Pedro Nobre e Moizes Nobre – ao pandeiro, acompanhando o artista, na imagem que abre/ilustra este texto.

Crônica de feira

Retrato: Zema Ribeiro

 

Peço quentinhas de bisteca e pescada, fritas na hora. Como demoraria alguns minutos, resolvo pedir uma cerveja. Minto: havia vários restaurantes no entorno, inclusive a quilo, em que eu me serviria mais rapidamente, mas resolvo adentrar a tradicional Feira da Praia Grande com o intuito de uma transgressora cerveja em plena quinta-feira antes do meio-dia.

Quando me serve a cerveja, Roxinha, apontando para o padrão “véu de noiva”, diz: “essa aqui resolve todos os problemas. Eu quando tomo uma assim vou nos Estados Unidos e volto no Iraque”, certamente referindo-se aos sabores da embriaguez e ressaca. “É de uma dessas que estou precisando”, penso. “A senhora gosta?”, indago e ela ri. “Não quer tomar um copinho?”, ofereço. “Rapaz”, ela diz e se interrompe, sem aceitar, como se a resposta fosse “não bebo durante o expediente”.

As frituras continuam chiando no interior do restaurante e ela liga a tevê. Uma reportagem dá conta de acidentes causados por mangas em Balsas: as frutas caem das mangueiras e esmagadas por pneus transformam-se numa lama viscosa, levando motoqueiros e ciclistas a derrapagens, pelo menos foi o que eu entendi sem prestar muita atenção, um olho no celular, outro no gibi do Tex.

“Com farinha é bom demais”, comenta Maria Ferreira, a Roxinha. “Manga e jaca mole”, complementa. “Eu saí do interior, mas o interior não saiu de mim”, confessa, revelando a saudade de Brejo, sua cidade natal, a 313 km da capital, onde passa até três anos sem ir.

Finalmente ela me serve os bandecos em uma sacola. Agradeço e digo que vou apenas terminar a cerveja. “Fique à vontade”, ela recomenda, sentando-se para terminar de ver o telejornal.

“Posso tirar um retrato seu?”, peço permissão. “Claro!”. Aponto o celular e fotografo Roxinha – com o contrabaixista Nema Antunes (conversando com o também contrabaixista Mauro Sérgio, encoberto por ela) ao fundo. Mostro-lhe o resultado: “ficou bom?”, pergunto. “Ficou, escritinho uma mucura”, ri de si mesma. E completa: “a gente tem que brincar. Depois que cai duro não dá mais”.

#ocupafeira

Patativa e Turma do Vandico farão três horas de samba na Feira da Praia Grande, na programação do Festival BR 135

Há dois anos, em novembro, a compositora Patativa realizava um sonho: pelas mãos do conterrâneo Zeca Baleiro, lançava Ninguém é melhor do que eu, seu disco de estreia, que contou com participações especiais de Simone e Zeca Pagodinho, dois cantores de sua admiração, além do maranhense, idem.

Seu primeiro disco era há muito aguardado por um séquito de fãs e conhecidos que Patativa acumulou ao longo dos anos em que inventou e aprimorou o que ela mesmo chama de “samba de cachaceiro”, sambas de letras propositalmente curtas para evitar o risco do esquecimento numa manhã de ressaca.

Prestes a completar 80 anos, em 2017, quando lançará seu segundo disco, também produzido por Zeca Baleiro, Patativa esbanja, além do galho de arruda na orelha esquerda, uma saúde de ferro, de fazer inveja a muito jovem trabalhado na academia. Consultas e exames, aliás, contradizem a maledicência provinciana que lhe imputa o mal de Alzheimer – o HD privilegiado de Maria do Socorro Silva, nome de batismo da pedreirense, arquiva mais de 200 composições nos mais variados estilos, que o público conhecerá no sucessor de Ninguém é melhor do que eu, que privilegiou o universo do samba, vertente pela qual é mais conhecida.

A exceção, no primeiro disco, era Xiri meu, cacuriá malicioso, batizado pelo apelido maranhense dado à genitália feminina, que acabou por emprestar título a um documentário curta-metragem de Tairo Lisboa, que obteve algum êxito no circuito de festivais de cinema do Brasil. A música que fecha Ninguém é melhor do que eu é, no final das contas, um quase-samba de empoderamento feminino, que, no universo geralmente machista do samba, coloca as mulheres em seu devido lugar: fazendo o que quiserem, quando quiserem, com quem bem entenderem.

O Mercado das Tulhas ou Feira da Praia Grande, espécie de segunda casa de Patativa, que ela visita com frequência, tirando onda com feirantes, habitués e turistas, será o palco em que a madredivina dama estará à vontade, na companhia da Turma do Vandico, um dos mais longevos grupos de samba da Ilha.

A grande roda de samba e sorriso acontecerá no próximo sábado (26), a partir das 15h (a previsão é que siga até 18h), com entrada gratuita – a exemplo de toda a programação do Festival BR 135 e do Conecta Música, evento paralelo de formação e debates.

Patativa passeará pelo repertório de seu disco de estreia e do próximo (já gravado!), além levar ao público inéditas de seu cofo fundo e versátil de composições.

Há alguns anos o BR 135 e o Conecta Música ocupam com arte e discussões sobre seus rumos diversos espaços da Praia Grande, valorizando o patrimônio arquitetônico, cultural e humano. Alê Muniz, seu idealizador e organizador, ao lado de Luciana Simões, com quem forma o duo Criolina (que lança disco novo ainda este ano), reconhece o “formato de feira” do Festival, que este ano tem as ocupações culturais destes tempos temerários, mas não só, entre os temas de debate. Entrar na Feira, literalmente ocupá-la, é mais um acerto, que se soma a vários outros na estrada que o BR 135 já percorreu até aqui. Ainda mais com Pattaiva e a Turma do Vandico de cicerones.

Correndo o chapéu

[release]

Campanha de financiamento coletivo lançada no último dia 1º. pretende garantir parte do orçamento para viabilizar a publicação; a outra parte do recurso está garantida através de edital da Fapema

Os chororrepórteres Ricarte, Rivanio e este que vos perturba, no Bar do Léo, um dos cenários da Chorografia do Maranhão. Foto: Murilo Santos
Os chororrepórteres Ricarte, Rivanio e este que vos perturba, no Bar do Léo, um dos cenários da Chorografia do Maranhão. Foto: Murilo Santos

O sociólogo e radialista Ricarte Almeida Santos, o jornalista Zema Ribeiro e o fotógrafo Rivanio Almeida Santos aprovaram, em edital da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico do Maranhão (Fapema), projeto que pretende publicar em livro as 52 entrevistas da Chorografia do Maranhão, realizadas pelo trio com instrumentistas de choro naturais de/e/ou radicados no Maranhão.

Porém, o recurso aprovado pela Fundação é insuficiente para as pretensões dos “chororrepórteres”, como eles se autodenominaram. “Foram mais de dois anos de trabalho árduo, publicando quinzenalmente as entrevistas em parceria com um jornal de São Luís, e o registro destas entrevistas em livro, além de uma vontade nossa, é também um desejo de pesquisadores, estudantes de música e interessados em música em geral, e em choro em particular, além dos próprios personagens da série”, revela Ricarte.

Para conseguir o que falta dos recursos para realizar seu intento, o grupo lançou uma campanha virtual de financiamento coletivo. “O crowdfunding é uma tendência mundial para a realização de projetos nas mais diversas áreas, hoje. É claro que estamos abertos a patrocinadores, a empresários eventualmente sensíveis à cultura, alguns dos quais têm colaborado para a realização dos projetos realizados por Ricarte nos últimos anos; mas se eles não se aliarem ao projeto, já estamos, literalmente, com o bloco na rua e o chapéu na mão”, comenta Zema.

A campanha, que pretende arrecadar 30 mil reais e tem dois meses de duração, foi lançada no último dia 1º. de fevereiro. “Realizamos um trabalho que buscou primar pela excelência na apuração dos depoimentos, revelando além das próprias histórias pessoais dos chorões, um pouco da própria história do choro e da música em geral produzidos no Maranhão, as dificuldades e avanços vividos pelo gênero no estado, além de a Chorografia ser também um mapeamento afetivo e sentimental de lugares que, de algum modo, têm relação com a música imortalizada por gênios como Pixinguinha e Ernesto Nazareth, entre outros. Pode parecer que estamos querendo dinheiro demais, mas queremos um livro com um padrão de qualidade, como a memória deste pedaço da história e da cultura do Maranhão merece”, defende Rivanio.

Lançamentos além da Ilha – Outra pretensão do trio – e para isso, outro projeto já está em fase de elaboração, para captação de recursos através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura – é lançar o livro em praças de choro pelo país. “O Clube do Choro do Maranhão sempre buscou proporcionar o diálogo entre músicos do cenário local e do cenário nacional, e os projetos que produzimos ultimamente, movimentando a cena chorística da capital maranhense, não fizeram diferente. Nossa ideia é levar este livro à Brasília, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, garantindo a ida de um grupo de choro maranhense até cada uma destas cidades, para as noites de autógrafos”, antecipa Ricarte.

Capricho editorialChorografia do Maranhão, o livro, tem prefácio de Luciana Rabello e produção editorial da Pitomba! Livros e Discos, que tem investido na produção de obras sobre a cena musical do Maranhão. A editora de Bruno Azevêdo já publicou Onde o reggae é a lei, de Karla Freire, Em ritmo de seresta – Música brega e choperias no Maranhão, de seu proprietário, e O reggae no Caribe brasileiro, de Ramusyo Brasil, os dois primeiros em parceria com a Edufma.

Personagens e cenários – Para se ter uma ideia da diversidade dos entrevistados, citamos os personagens da galeria da Chorografia do Maranhão: Os Irmãos Gomes – filhos do capitão Nuna Gomes, compositor e multi-instrumentista rosariense, o violonista Bastico, Zequinha do Sax e Biné do Cavaco –; os bandolinistas César Jansen, Chiquinho França, Raimundo Luiz, Ronaldo Rodrigues, Wendell Cosme e Wendell de La Salles; o banjoísta Biné do Banjo; os cavaquinhistas Ignez Perdigão, Juca do Cavaco, Márcio Guimarães, Paulo Trabulsi, Rafael Guterres, Robertinho Chinês e Zeca do Cavaco; os flautistas Danuzio Lima, João Neto, Lee Fan, Paulinho Oliveira, Serra de Almeida, Zezé Alves; os percussionistas Arlindo Carvalho, Carbrasa, Léo Capiba [in memoriam], Luiz Cláudio, Nonatinho, Vandico, Wanderson e Zé Carlos; o pianista Adelino Valente; o sanfoneiro Rui Mário; os saxofonistas José Luís Santos e Osmarzinho; o trombonista Osmar do Trombone; o tecladista Maestro Nonato; os violonistas Agnaldo Sete Cordas [in memoriam], Celson Mendes, Domingos Santos, Francisco Solano, Giovani Cavalcanti, Gordo Elinaldo, Henrique Cardoso, Hermelino Souza, João Eudes, João Pedro Borges, João Soeiro, Joaquim Santos, Luiz Jr., Marcelo Moreira, Monteiro Jr., Turíbio Santos e Ubiratan Sousa – alguns dos listados assumem mais de um instrumento.

As entrevistas também revelam uma paisagem diversa, afetiva do choro em São Luís. A Chorografia do Maranhão visitou as residências de Adelino Valente, Arlindo Carvalho, César Jansen, dona Zelinda Lima (para entrevistar seu filho Danuzio), Gordo Elinaldo e João Pedro Borges (para entrevistar seu amigo e parceiro Turíbio Santos, que ensaiava lá, para uma apresentação em São Luís), além de Bar do Léo, Barraca Paradise, Barulhinho Bom, Brisamar Hotel, Chico Discos, ECI Museum, Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo, Estúdio de Júlio (Camboa), Feira da Praia Grande, Fonte do Ribeirão, Hotel Pestana, Kumidinha di Buteko, La Pizzeria, Praça da Saudade, Praça de Alimentação do São Luís Shopping, Quitanda de Seu João (esquina das ruas do Ribeirão e do Machado, Centro), Quitanda do Jósimo (esquina das ruas do Alecrim e Pespontão, Centro), Quitanda Rede Mandioca, Restaurante Chico Canhoto, Salomé Bar, Samba Sem Telhado e Sonora Studio.

Participações especiais – A série Chorografia do Maranhão contou ainda com chororrepórteres honorários: num encontro inusitado, em plena Feira da Praia Grande, o jornalista e compositor Cesar Teixeira – fundador do Regional Tira-Teima – ajudou a entrevistar Zeca do Cavaco, atualmente membro do grupamento de choro mais longevo do Maranhão; e Murilo Santos substituiu Rivanio, que não pode comparecer à entrevista com Os Irmãos Gomes no Bar do Léo.

Segunda etapa – Ricarte, Rivanio e Zema priorizam, agora, a publicação do trabalho em livro. Mas revelam uma vontade, para a qual já estão se preparando: revelar os chorões do interior do Maranhão. “Ao longo das entrevistas, diversas cidades maranhenses foram citadas como polos musicais importantes, embora praticamente desconhecidos. A Chorografia do Maranhão, por conta de todas as limitações, sobretudo pelo recurso zero que teve, ou melhor, não teve [risos], acabou se concentrando na capital e, quando entrevistou chorões radicados fora do Maranhão, foi aproveitando visitas suas à capital, por um ou outro motivo. Vamos trabalhar um projeto para garantir as viagens aos municípios do interior, as condições de trabalho, e continuar este mapeamento, do qual este livro encerra uma primeira etapa”, finaliza Ricarte.

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Tairo Lisboa, a cena e o cinema

Tairo Lisboa é um dos nomes que tem ajudado a movimentar a cena criativa de São Luís de ao menos dois anos para cá. Foi através dele que ouvi falar pela primeira vez em Phil Veras e Tiago Máci, por exemplo.

Do primeiro produziu shows no Chico Discos. Do segundo, organizou uma exposição de caricaturas, no mesmo lugar – minha geladeira ostenta um ímã com Cesar Teixeira, que viria a ser personagem de música sua tempos depois, mas esta é outra história. O nome do produtor figura no encarte do recém-lançado Mete o amor, forte, EP do segundo.

Há algum tempo Tairo Lisboa foi selecionado em um concurso para o qual inscreveu um roteiro – ou a ideia – de um documentário sobre Patativa. Tempos depois fui convidado a prestar meu depoimento sobre a madredivina dama.

Xiri meu ficou pronto e foi exibido em sessões superconcorridas no Cine Praia Grande, ocasião em que o público pode conhecer todos os curtas-metragens que resultaram do projeto São Luís nos 4 Cantos, idealizado por Mavi Simão, responsável também por Cinerama e Maranhão na Tela.

Lembro que eu mesmo não consegui assistir ao doc de Tairo, contentando-me, aquela noite, com um cachorro-quente do Souza, a volta para casa e um “fica para a próxima”. O público na porta do cinema era tanto que houve, na mesma noite, uma segunda sessão – mas disso só soube depois, já tinha ido embora.

Discípulo – voluntário ou não – de Murilo Santos, cineasta e fotógrafo que sempre volta aos lugares para “prestar contas” do que andou captando com suas lentes, Tairo Lisboa realizou uma sessão de exibição de Xiri meu na Feira da Praia Grande, um dos habitats naturais da autora de Colher de chá. Por um motivo ou outro acabei perdendo também.

Só fui ver o filme na noite em que Patativa lançava Ninguém é melhor do que eu, seu disco de estreia, em show no Porto da Gabi – bar que ficou famoso pelo reggae semanal realizado às sextas-feiras há três anos, cuja proprietária é personagem de um dos sambas – o Samba dos seis – gravados no disco, outra paisagem frequentada por Maria do Socorro Silva, nome de pia de Patativa.

Mas o filme que vi era diferente – eu não aparecia (isso era o de menos). Tairo andou mexendo em coisa e outra para participar de um ou outro festival – em alguns, mais conservadores, teve que trocar inclusive o título, já que não pegava bem, ter em suas programações, um dos nomes pelo qual é conhecido, no Maranhão, o órgão sexual feminino, como indica uma nota no encarte do disco de estreia de Patativa.

Recentemente Tairo Lisboa disponibilizou a íntegra da versão, digamos, original de Xiri meu no Youtube. A protagonista está em franca divulgação de seu primeiro disco. Vejam o filme e divirtam-se enquanto o diretor nos conta o que está tramando para 2015.

Cinema na feira

Num dos habitats naturais da homenageada, a Feira da Praia Grande, haverá exibição, amanhã (26), às 19h, do doc Xiri meu: eu não dou, de Tairo Lisboa sobre Patativa, compositora cujo disco de estreia deve ser lançado este ano.

Na sequência será exibido Ruas, de Nayra Albuquerque e o cine-feirinha termina com dicotecagem da Maré de Som e Rádio Casarão.

De graça, ótima pedida! Digam aí: tirando suas casas, onde é que vocês podem pegar um cineminha tomando cerveja gelada ou uma temperada com aroeira?

Gente, livro e pedra

O blogueiro, de latinha na mão, com os poetaços Ademir Assunção e Marcelo Montenegro (Foto: Igor de Sousa, o DP)

Como se árvores brotassem por entre os paralelepípedos, a 7ª. Feira do Livro de São Luís rendeu bons frutos. A começar pelo convite, prontamente aceito, de assumir uma página mensal neste Atual, imensa honra. É o Maranhão falando para o Brasil, depois de ter ouvido o mundo falar durante a #7FeliS.

Sérgio Cohn é poeta-autor-editor cujo trabalho acompanho há bastante tempo, proprietário da editora Azougue, responsável por tanta coisa boa no mercado editorial brasileiro nos últimos anos, da coleção Encontros, das entrevistas do Bondinho, de beats e Mautner e tantos outros, ele, um dos convidados da #7FeliS, ocasião em que falou justamente sobre o tal mercado editorial.

Este ano a Feira do Livro expandiu-se: continuou com a função de vender livros, mas foi além, e em 10 dias trouxe à São Luís alguns personagens fundamentais para o fazer literário brasileiro. Tendo como patrono o poeta Nauro Machado, quase oitentão com 40 livros publicados, e como homenageados Aluísio Azevedo, Catullo da Paixão Cearense, Salgado Maranhão e Zelinda Lima, a Feira fez valer ainda a máxima de outro homem das letras, centenário em 2013: Vinicius de Moraes. “A vida é a arte do encontro”, dizia.

A literatura deixou de ser do gueto, algo para iniciados, e encontrou a cidade. Uma na outra, outra na uma, e esbarrões entre sorrisos e abraços. Esquinas, becos, ruas, ladeiras, praças, auditórios, teatros, galerias, sacadas, escadarias e azulejos, tudo havia sido ocupado pela poesia, como num velho poema de Gullar.

Escritores se encontraram com a gente do lugar, a Praia Grande finalmente revivida, como um lugar propício aos fazeres artísticos, com seu acervo arquitetônico entre o que merece ser chamado patrimônio e suas ruínas cinematográficas, o espaço finalmente valorizando, após umas poucas iniciativas, as pessoas, verdadeiro patrimônio maior de qualquer lugar.

Manhãs, tardes, noites e madrugadas tomadas pela programação da Feira e pela “hora extra” que se fazia entre o Mundico – para provar sua deliciosa anchova na brasa –, o Chico Discos e o Bar do Léo, com seus incríveis acervos e o conhecimento artístico, sobretudo musical, dos proprietários. As histórias engraçadas de Josoaldo Rego e a comanda infalível de Marília Oliveira, os autógrafos de Benjamin Moser a Andréa Oliveira e Rita Luna Moraes – que Talita Guimarães pegou em sua Programação, o que não a fez se emocionar menos. Ambientes que também encantaram Sérgio Cohn, Fabiano Calixto, Ademir Assunção, Marcelo Montenegro, Marcelo Watanabe, Xico Sá, Rodrigo Garcia Lopes, Bráulio Tavares, Caco Pontes e outros.

Admirador do trabalho de todos e de alguns outros que não consegui ver ou encontrar, o calçamento da Praia Grande parecia ter se transformado em feito de nuvens, eu perambulando entre o trabalho e o prazer – aqui plenamente conciliáveis – como O sonhador insone: “tudo é nascente/ o sol pleno de setembro (e outubro, permita-me adulterar o poema)/ traz da mão/ do garoto que passa/ um cheiro de fruta (…)// (a vida já é um tempo/ por demais interessante)”.

A busca idílica de Marcelo Montenegro pela Fonte do Bispo – e outras paisagens do Poema Sujo – e a conquista de novos leitores de poesia: “não pude resistir quando ele disse que era um punk do ABC”, revelou Igor de Sousa, assumidamente um desajustado punk no apelido DP, ao adquirir o belo exemplar dA canção do vendedor de pipocas, de Fabiano Calixto.

A visita de Ronaldo Bressane à Fundação da Memória Republicana, nome pomposo do museu, ou antes, da catacumba do Sarney, “único museu de São Luís com ar condicionado”, onde clássicos da literatura produzida no Maranhão ficam em “aquários”. “Vamos quebrar os aquários, vamos quebrar a fundação, vamos quebrar o Sarney!”, convidou encerrando sua fala na mesa mais transgressora da Feira, dividida com Allan Sieber, Bruno Azevêdo e Iramir Araújo. Gente que sabe o que fala.

Fracasso da Raça, o nome da banda com que Ademir Assunção lançará em novembro seu novo disco, Viralatas de Córdoba, virou jargão anticapitalista. Os atendentes de telemarketing das operadoras de telefonia ou internet ou tv a cabo ou cartão de crédito ou loja ou banco não resolvem o seu problema? É o Fracasso da Raça. Você chega a um estabelecimento a fim de resolver um problema e é direcionado a um telefone, “retire do gancho e siga as instruções”, é o Fracasso da Raça.

Os poemanchetes de Caco Pontes, tornando pura poesia o que nosso jornalismo tem de pior. Letra de música é poesia e vice-versa? Ricardo Corona e sua poesia étnica, sons ganhando sentido, em diálogo com Bráulio Tavares, multiartista consciente de seu próprio fazer, sua fala ilustrada por canções, 35 anos desde a primeira gravação de Elba Ramalho para uma delas, Caldeirão dos mitos.

“Embora haja tanto desencontro nessa vida” você perde a palestra de Alice Ruiz, “A poesia muda o mundo?”, e levanta da mesa pouco antes de ela chegar. Não se pode ter tudo. Alguns autógrafos que te acompanharão pra sempre, a emoção cravada num livro de sua modesta coleção, para uns um orgulho bobo, a vida não foi feita para ser entendida, “a vida já é um tempo/ por demais interessante”, um eco.

A Feira também fez sentido por estar localizada ali nos arredores da Feira da Praia Grande, uma das mais famosas e charmosas da cidade. A Feira virou uma verdadeira festa e deixa saudades. Deixou muita gente com a cabeça ainda mais cheia e a pilha-fila de livros por ler aumentada. A Feira ainda será assunto em rodas reais ou virtuais durante muito tempo.

Sua mais perfeita tradução é o sorriso enérgico do poeta Celso Borges, seu curador. O seu nunca cansaço, a sua eterna capacidade de se emocionar com cada dia e acontecimento, feito criança de brinquedo novo. A serpente pode até não ter acordado ainda. Mas seu sono foi certamente incomodado com tanto barulho.

[Textinho que escrevi pro Atual, “o último jornal da Terra”, do grande Sérgio Cohn, da Azougue. Balanço sentimental da 7ª. Feira do Livro de São Luís, cuja equipe de curadoria tive o prazer e a honra de integrar, escrito imediatamente após a hora da xepa, em outubro passado]

Chorografia do Maranhão: Zeca do Cavaco

[O Imparcial, 21 de julho de 2013]

“A vida é a arte do encontro”, já ensinava o centenário Vinicius de Moraes. 11ª. entrevista de Chorografia do Maranhão marcou o encontro casual de Cesar Teixeira com um dos seus maiores intérpretes, Zeca do Cavaco, entrevistado pelos chororrepórteres no quiosque-bar de Dona Lulu, em pleno burburinho da Feira da Praia Grande

 

TEXTO: CESAR TEIXEIRA, RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO
FOTOS: RIVÂNIO ALMEIDA SANTOS

“A resistência Tira-Teima se apresenta toda sexta-feira no Brisamar Hotel, na Ponta d’Areia. Começa às 19h30min e vai até 22h30min”, anuncia Zeca do Cavaco, indagado, a quem interessar possa, quando e onde vê-lo e ouvi-lo.

A 11ª. entrevista da Chorografia do Maranhão foi marcada por uma feliz coincidência: na Barraca do Corinthiano, na Feira da Praia Grande, combinaram os chororrepórteres de se encontrar. Ali encontraram, bebendo uma “temperada”, o jornalista e compositor Cesar Teixeira, que acabou somado ao time.

“Se fosse combinado não daria certo”, afirmou Zeca do Cavaco, cumprimentando o ídolo confesso, de quem é, depois do próprio, o maior intérprete, na opinião modesta da chororreportagem.

A ideia era procurar, naquela quinta-feira abafadiça, um ponto silencioso na Casa das Tulhas, ou ir entrevistar o cavaquinho centro do Regional Tira-Teima noutro ponto da Praia Grande.

Nem tão silenciosa assim, acabaram conversando no quiosque-bar de dona Lulu, feirante simpática que regou a ocasião com cervejas geladas, como era merecido.

José Cândido dos Santos Silva, o Zeca do Cavaco, nasceu em São Luís em 11 de março de 1960. Mais precisamente no Monte Castelo, bairro em que começou a formar-se o chorão que não se considera. É filho dos já falecidos Jaime de Oliveira e Silva, militar, e Carmina Maria dos Santos Silva, doméstica.

Ao longo da entrevista, Zeca do Cavaco ainda tocou Sapo já foi na Lua (Cesar Teixeira), Adeus, batucada (Sinval Silva) e Das cinzas à paixão (Cesar Teixeira). Ao final, Zeca e Cesar, com este ao cavaquinho, cantaram juntos Folhas secas (Nelson Cavaquinho).

Além de músico, você tem outra profissão? Sou engenheiro eletricista de formação, é com o que sustento a família, é minha profissão. A música é minha paixão.

Quando começou essa paixão? Eu fui aluno da antiga Escola Técnica, depois Cefet, hoje Ifma. Lá, em 1976, eu tinha um irmão, já falecido, ele ouvia muito choro, Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola. Aquilo ali já acendeu em mim o gosto por aquele tipo de música, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim… Foi ali que eu tive contato com o disco Vibrações, do Jacob, aquela maravilha de disco, e por aí vai. Ele tinha alguns amigos que já mexiam com música e a gente sempre estava perto. Mas, na verdade, comecei ouvindo. Depois é que comecei a conhecer as pessoas. Na [rua] Raimundo Correia, eu tinha um amigo, Zé Carlos, hoje pandeirista do Tira-Teima, ele fazia parte de um grupo em que ele tocava com [o violonista] Mascote. Eles tinham uma roda de samba na Vila Passos e o Mascote descia da Vila pro Monte Castelo, ali pra Raimundo Correia e iam tocar. E ali eu ia vê-los tocando e me admirava daquilo. Só ouvia e me arriscava uma coisa ou outra ao violão.

E quando foi que você começou a pegar em instrumento e a cantar? Ali já com 17 anos, em 77, eu comecei a pegar o violão e fazer ali os primeiros acordes, aquela coisa de principiante… A casa do sol nascente [The house of the rising sun, cuja versão em português teve intérpretes como os Agnaldos Rayol e Timóteo].

Você teve algum professor? Nenhum.

Sempre autodidata? Sempre autodidata. Mais tarde, com o conhecimento do choro, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, ouvindo muito, é que eu me apaixonei pelo cavaquinho. Aí eu comecei a dar as primeiras palhetadas, e não parei mais. Daí pra frente fui só conhecendo as pessoas e olhando. A primeira oportunidade que me deram de participar de um grupo, não de choro, de samba, em que se tocava Geraldo Pereira, Ataulfo Alves, Noel Rosa, foi Mascote. Finado Mascote. Quem conhece a Vila Passos conhece Mascote, tocava violão de seis cordas, vocalizava, era uma figura! E ali tinha um cavaquinhista conhecido nosso, o Raul, que por um motivo ou outro se afastou do grupo. Aí Mascote me chamou. Eu ali ainda com três acordes, quatro acordes, fui pra casa dele, e ele começou a me passar coisas, acompanhamentos. Ali foi o começo.

Em teu universo familiar, além do teu irmão, teus pais te incentivaram à música? Nenhum incentivo. Só comigo mesmo.

Mas também nenhum desincentivo… Não, não. Nenhum. Eu aprendi olhando, arriscando, ouvindo. Às vezes a gente começa a pegar as informações e, de repente, cria uma própria personalidade instrumental, vamos dizer assim. Ninguém toca igual a ninguém.

A que se deveu a escolha pelo cavaquinho? A escolha pelo cavaquinho se deveu, e se deve, não é?, ao meu contato com o chorinho, o conhecimento que eu tive. Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, esses discos, e outros discos de cantores que se acompanhavam de regionais, como Nelson Gonçalves, Paulinho da Viola e outros.

Você já tinha conhecimento do Regional Tira-Teima? Não. Eu tive conhecimento do Tira-Teima através de um disco do Chico Maranhão chamado Lances de Agora. Aquele disco pra mim também foi um grande professor. Eu escutava muito e olhava naquele encarte Adelino Valente, Ubiratan Sousa [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 12 de maio de 2013], Paulo Trabulsi, Chico Maranhão, Vanilson, um flautista que foi embora daqui. Então ali eu lia Tira-Teima, mas só muito tempo depois é que eu fui ter contato com Paulo Trabulsi, a primeira pessoa do Tira-Teima com que eu travei amizade, conhecimento, por conta da música.

O Tira-Teima parece uma referência para o choro no Maranhão. Você concorda? O Tira-Teima é uma referência e mais importante: é uma bandeira. É uma baita de uma bandeira. Os grupos se formam, se reformam, várias formações, e o Tira-Teima está lá. Nós, enquanto Tira-Teima, eu vou falar por mim e pelos outros, a gente tem essa responsabilidade e sabe que tem. Daí o grupo não se desfaz, se renova, e está aí.

Nós já entrevistamos Ubiratan, que é de uma das primeiras formações do grupo, e já entrevistamos Solano [o violonista sete cordas Francisco Solano, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 26 de maio de 2013], da formação atual. Ambos falaram do processo de gravação do primeiro disco do Tira-Teima, até que enfim. Vocês vão deixar essa bandeira hasteada ou vão deixar a bandeira arriar? Não, a bandeira está hasteada. Já se tentou hastear várias vezes, já se chegou a meio mastro, aí bate o vento. O mastro tá fincado e a bandeira tá amarrada, é só uma questão de deflagrar o processo. Não tem mais volta: o Tira-Teima tem que fazer um registro!

Quem é o instrumentista que mais te influencia? Eu, particularmente, sou assim apaixonado por um sambista, que é o Paulinho da Viola, eu escutei muito, tem em mim muito da influência dele.

Ele é sambista e chorão. Sambista e chorão, uma grande figura da música brasileira.

Zeca, você já falou de sua porção instrumentista, primeiro o violão, depois o cavaquinho, que te deu sobrenome artístico. E o canto, quando foi que você começou a cantar? A história do intérprete já vem depois. Eu só vou completar um pouco mais para não cometer o pecado de não esquecer alguém ou alguma informação. Naqueles encontros da Vila Passos foi que eu conheci Solano, ele também começando no violão de sete cordas. A gente se identificou, ele gostava muito do Cartola e eu já cantava um monte de coisas do Cartola, eu tinha dois discos e cantava os dois de cabo a rabo, e por isso a gente travou uma amizade. Vamos voltar para a Raimundo Correia. Lá, no bairro do Monte Castelo, eu conheci ainda uma figura ímpar: seu Zé Hemetério. Eu conheci o Gordo Elinaldo, sete cordas, e por conta de Gordo eu conheci Zé Hemetério, que era professor dele. Pra lá desciam Biné Gomes, filho de seu Nuna Gomes, Bastico, e se criou ali uma forte célula de choro. Começaram a aparecer o bandolinista Carequinha, que tocava com o violonista Luiz Sampaio, depois apareceu Paulo Trabulsi. Ali foi um negócio forte de choro, e de samba. Mas nós estamos nos atendo mais ao choro.

Era o quê? Era uma quitanda? Era um bar, chamado Ângelo. O quê que era o Ângelo? Era um carioca, que tinha um restaurante de luxo lá no Calhau. Ele talvez tenha sido pioneiro nessa história de você entrar no restaurante, tem aquele moço de terno, tinha um piano-bar. Mas, por um motivo ou outro, ele faliu. O nome do restaurante era D’Angels, salvo engano. Ele saiu da elite e veio para a Raimundo Correia, alugou um negócio ali e botou um boteco fino, a que não estávamos acostumados. Ali se reuniam as pessoas. Mais tarde o professor Zé Luiz [saxofonista] começou a frequentar também, já trazia [o violonista] Luiz Jr., garoto, acompanhava [a cantora] Virna Lisi, irmã dele. Aos sábados se reunia aquela roda: Gordo, Biné, Solano, Chiquinho, um violonista sete cordas que já se foi… às vezes Agnaldo [Sete Cordas, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 17 de março de 2013]. Então, virou aquela coisa.

A gente falou do primeiro disco do Tira-Teima e sabemos que algumas faixas serão cantadas. É por que no Tira-Teima a gente sempre trabalhou assim, a nossa cara é essa: a gente toca o choro, executa o choro e canta o choro, por que tem os choros cantados. A gente é isso. Eu vou cantar duas, Léo Capiba vai cantar duas, e o resto choros autorais, de Paulo, Solano, seu Serra [de Almeida, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 3 de março de 2013] da flauta.

O disco do Tira-Teima é importante, mas não vai suprir tua porção cantor. E teu disco? Eu quero gravar só inéditas. As pessoas regravam, tudo bem, é importante. Mas quero fazer com 10 músicas, gravando só inéditas. Já pedi música pra Cesar, estávamos até conversando sobre isso. Vai haver. Vamos fazer o registro.

Você já viveu de música? Já. Uma época da minha vida os dividendos da música eram muito bem vindos. Mas já passou e tá tudo certo.

De que grupos você já participou? Do regional de Mascote, um grupo que foi formado por mim, Biné Gomes, Gordo Elinaldo e Zé Carlos, que o Biné colocou, naquela impetuosidade dele, “Conversa de Gente Grande”. Ele botou esse nome, a responsabilidade é dele [risos]. Depois a gente formou outro grupo, eu, Gordo Elinaldo, Zé Hemetério, que ora tocava o bandolim, ora tocava o violino, e pela percussão ora passava o Marciano, ora Zé Carlos. Não nomeamos esse grupo, mas tocamos muito.

Existem sambistas que te influenciaram a cultura musical daqui do Maranhão? Cristóvão Colombo da Silva, Antonio Vieira, eu estou do lado de outro, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Chico Saldanha. Essa turma já deu muito de si pra gente, e ainda tem muito que dar. Tá todo mundo trabalhando a música.

Este parece ser um momento interessante para o resgate de alguns nomes esquecidos de nossa música, além de Cristóvão, como Luís de França, Veríssimo, Sapinho, entre outros, por meio do seu trabalho. O que você acha? Eu lamento não conhecer, até por que eu não sei nem se existe esse material ou se está só na memória de algumas pessoas. Eu realmente não sei onde beber dessa fonte, eu não sei onde está essa fonte. Mas se soubesse seria uma coisa sensacional.

Vamos trabalhar em cima disso? Vamos! Conheço todos de nome, mas não sei onde buscar.

E para disco, shows e o repertório cotidiano, tocar em casa, nas casas dos amigos, qual é a fonte em que você bebe? Como eu ouço muito, já há muito tempo, eu geralmente bebo lá atrás. Ano passado, na época do mês de aniversário de Noel Rosa, eu fiz um projeto chamado Dezembro de Noel, e eu gosto muito de Noel, então, eu achava que sabia alguma coisa de Noel Rosa. Quando eu fui pesquisar, é muito… É uma coisa assim, entendeu? Conseguimos mostrar. Quem sabe nesse dezembro agora a gente não repita? O show está ensaiado, todo bonitinho, todo escrito. A fonte que eu bebo é essa, são os grandes sambistas, os artistas de música popular brasileira. Eu não ouço só samba, eu ouço tudo, choro, todos os ingredientes.

Há gente da nova geração que te chame a atenção? Tem. Não sei se a gente pode chamar de nova geração. Por exemplo, eu não falo mais em nível local, não se fala mais em MPM, a gente até aboliu isso, né? Cesar Teixeira, Josias Sobrinho… A gente tem certo, eu não diria nível de exigência, mas um gosto, que a gente acha que é bom gosto. Mas a gente é um pouco seletivo. Está se fazendo muita coisa por aí, adoidado, com aquela sede de chegar ao sucesso. Há quem me chame a atenção como intérprete, como compositor, não. Ou estou ouvindo pouco o novo.

E quem te chama a atenção como intérprete? De samba, de cantor de samba… de cantora, por que o Brasil é um país de cantoras. Se você vir, estão surgindo várias cantoras. Roberta Sá é um bom gosto, Mariene de Castro, Mariana Aydar.

De que discos você participou? Eu participei de um disco, lá atrás, do Serrinha & Cia. [Na palma da mão], eu gravei a música de Cesar, Das cinzas à paixão. Eu acho que a música se tornou conhecida ali, eu fui muito feliz, as pessoas gostaram, começaram a cantar. Eu participei de um disco, Antoniologia Vieira [vários intérpretes cantando músicas de Antonio Vieira], produzido pelo Adelino Valente, cantando uma música chamada Vou pro mar. Isaac [Barros] me chamou pra cantar um samba num disco dele, o Samba pra Rosana.

Existe uma aura positiva, um espaço para o samba do Maranhão? Existe um coração mais coletivo ou as pessoas continuam trabalhando o samba individualmente? Eu acho que hoje a gente está carente desse espaço, o Tira-Teima que o diga. Antigamente a gente saía, procurava um bar, sentava ali, e tocava o samba. Tá aqui, o exemplo está acontecendo aqui [aponta na direção de onde vem a música brega que, tocada em alto volume, ocupa as barracas próximas]. Então hoje, a gente se sente bem na casa da gente, na casa de um amigo, onde a gente sabe que as pessoas vão acolher a nossa música, o nosso jeito de tocar, o nosso repertório. Fora isso…

Pra você, o que é o choro e qual a importância desse gênero para a música brasileira? Eu costumo dizer que o choro nunca foi sucesso. A origem do choro, se a gente for buscar uma origem histórica que vocês conhecem, começa com a invasão portuguesa. Historicamente é isso, todo mundo conhece. Nunca foi sucesso, nem no tempo em que se vendiam partituras na feira, Antonio Calado, Chiquinha Gonzaga… Olha de onde viemos e onde chegamos! Nunca foi sucesso, por que naquela época era discriminado e rechaçado, nunca vai ser sucesso, mas sempre vai ser eterno. Pode até ser chamado de gênero marginalizado, no sentido de que está sempre ali à margem, passa ali aquele monte de coisas que vão, criam mais um ritmo, mais um sucesso, e vão embora. E o choro tá ali. Quero lembrar uma época, faço um filme, uma novela, uma série de época, aí vão buscar os chorinhos, tudinho.

Nunca vai ser sucesso e sempre foi à margem. Então qual a tua pretensão ao fazer choro? Nenhuma. Só perpetuar a música, só continuar trabalhando essa coisa, para ela continuar ali. É eterno, vai embora. E o que tá aqui pelo meio, o turbilhão de sucessos, vão e vêm, vão e vêm, e acabou.

Como é que você percebe o choro hoje no Brasil? Mudou um pouco. Evoluiu. O choro tinha aquela formação tradicional, cinco, seis músicos, às vezes dois violões. Começaram a se formar os músicos virtuoses e o choro foi evoluindo com isso. Antigamente a gente tocava Doce de coco [de Jacob do Bandolim] com um regional de seis pessoas. Hoje os músicos, graças a Deus, evoluíram tanto, que hoje se juntam dois e tocam tudo. Evoluiu nesse sentido.

Você se considera um chorão? Não, eu sou uma pessoa que gosto de choro.

Você é um cavaquinhista centro. Qual é o cavaquinhista que mais te influenciou? A gente toca, a gente é uma mistura, uma reunião de um monte de coisas. Tive a influência de Paulinho da Viola, Jonas [do Conjunto Época de Ouro]. Escutei muito aqueles discos de Jacob do Bandolim, Época de Ouro, muitos sambas de Paulinho da Viola. Hoje eu gosto muito do centro de Luciana Rabello, muito bonito, também. Essas pessoas todas me influenciaram.

Algum jovem da nova geração do choro que te chama a atenção? Vários. Hamilton de Holanda, Danilo Brito. Violonista a gente tem vários, o próprio Yamandu Costa, Alessandro Penezi, que a gente teve a oportunidade, enquanto Tira-Teima, de abrir o show que ele fez no Barulhinho Bom, Marcelo Gonçalves, e por aí vai. Mas a gente tem aqui também nossa resistência, nossos virtuoses, Solano Sete Cordas, Gordo Elinaldo, Paulo Trabulsi, [João] Neto da flauta, João Eudes, Luiz Jr., Robertinho [Chinês, Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 28 de abril de 2013], Wendell, Tiaguinho.

Existe choro maranhense? Um repertório de choro maranhense? Ou é tudo muito ocasional? Acho que a gente ainda não pode dizer isso, ainda não podemos dizer isso, mas vai ter. Tem choros de ocasião, alguém faz ali, outro faz aqui, mas acho que daqui pra frente a gente vai ter. Já se começou a trabalhar nesse sentido. O Zezé Alves [Chorografia do Maranhão, O Imparcial, 9 de junho de 2013] produziu um livro de partituras, com um disco. É uma iniciativa brilhante e considero aquilo um começo, outras virão. Começou o caminho. Daí a ideia do Tira-Teima de fazer um disco todo autoral.

Quando você chegou, cumprimentou Cesar Teixeira como um ídolo, que também é nosso. Em que ocasião você o conheceu? Na verdade eu comecei a conhecer Cesar através de suas músicas, conheci sua arte. Muito depois a gente começou a travar, a conviver etilicamente, se encontrar, conversar, tocar. Uma vez eu fiz no antigo projeto Clube do Choro Recebe um show cujo repertório era de Cesar e Noel, uma de cada. Cesar é importante, tudo o que ele faz é maravilhoso.

Amizade

Achei a foto acima ao aproveitar parte de meu feriadão para revirar jornais, revistas e papéis velhos em geral, lá em casa. A imagem tem uns três anos, Celso Borges ainda morava em São Paulo, e nos capta em uma saudável cervejinha na Feira da Praia Grande quando de uma das visitas que o poeta me fazia sempre que baixava em São Luís.

CB é um amigo-irmão, daqueles que te deixam pra cima com um simples telefonema, um papinho com ele e toda sua tristeza (quando/se existe) vai embora. Não à toa é chamado por alguns amigos, inclusive este que vos bafeja, de homem-poesia.

No próximo dia 22 (quinta-feira), ele apresenta, ao lado de Beto Ehongue, o show A palavra voando, abrindo mais um espetáculo da série Outros 400, capitaneada por Joãozinho Ribeiro, que na ocasião, além da dupla, terá como convidados Chico Saldanha e Lenita Pinheiro. A partir das 21h, no Novo Armazém (Rua da Estrela, Praia Grande). Ingressos: R$ 10,00.