Gerô é o homenageado de hoje da Rádio das Tulhas

Moizes Nobre e Gerô. Reprodução
Moizes Nobre e Gerô. Reprodução

Ontem (22) completaram-se 17 anos do assassinato de Jeremias Pereira da Silva, o Gerô (1961-2007). Artista popular, cantor, compositor, escritor, cordelista e repentista, ele foi “confundido” – era negro – com um assaltante e torturado até a morte por policiais militares.

O episódio causou indignação na classe artística e na sociedade geral, à época. A então deputada estadual Helena Heluy (PT) propôs e conseguiu aprovar a lei nº. 8.641/2007, que estabelece a data de 22 de março como Dia Estadual de Combate à Tortura.

No carnaval de 2008, o Bloco Tradicional Pau Brasil, do Anjo da Guarda, homenageou Gerô, com o samba “Salve Gerô!“, de Gigi Moreira (1957-2020), Jeovah França, Josias Sobrinho e deste cronista. Em 2009, a Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma), através de seu plano fonográfico, lançou o cd póstumo “A Peleja de Gerô”, reunindo gravações do artista. O álbum permite perceber sua versatilidade, verve afiada e bom humor.

Gerô será homenageado hoje (23) na Rádio das Tulhas, a tertúlia semanal capitaneada pelos djs Ayawo Noleto e Victor Hugo, na Feira da Praia Grande, palco de emboladas de Gerô. Com entrada franca, o evento começa ao meio-dia e vai até às 18h. A edição de hoje contará com as presenças de colegas de ofício do homenageado: Paulinho Nó Cego, Pedro Nobre e Moizes Nobre – ao pandeiro, acompanhando o artista, na imagem que abre/ilustra este texto.

O testamento de Judas – 2014

A "santa" ceia de Nuna Neto. O Imparcial, 18/4/2014
A “santa” ceia de Nuna Neto. O Imparcial, 18/4/2014

CESAR TEIXEIRA

Estou de volta do Exílio
pra onde fui despachado,
na sucursal do Inferno
até doido é torturado.
Roseana, a Sinhazinha,
me botou lá em Pedrinhas.
Saí de lá degolado.

Um crânio vazio eu deixo
para a Justiça falida,
depois que for exumado
e abrir novas feridas.
Mas como ser enforcado,
se o pescoço foi cortado
a cabeça não tem vida?

Não posso colar no corpo
esta memória com grude,
mas o sangue derramado
deixo ao Plano de Saúde
que roubou o meu dinheiro.
UNIMED é o Coveiro
que aprontou meu ataúde.

Na fila do SUS deixei
uma vela de despacho
para Ricardo Murad
que jurou erguer, por baixo,
setenta e dois hospitais,
não era menos nem mais
– procuro um e não acho.

Deixarei também a ele
o número sorteado,
que não é da Maracap
mas do Cofre do Estado
Na Saúde é um alvoroço,
e já está roendo o osso
da Segurança, o danado.

Ó cidade miserável,
de tanta dor e tormento.
Só de anos de mentira
já tem mais de quatrocentos.
Neste conto do Vigário,
o Palácio é um Calvário,
e a Zona é um Convento.

Por causa da Oligarquia,
que vive fora da lei,
jornalista já não dorme.
No Testamento eu botei
o jornal Vias de Fato
feito um grande carrapato
no cangote de Sarney.

A governadora disse
que o Maranhão é rico.
Tem manga, petróleo e gás,
rombo fiscal e penico.
Essa crise carcerária
é doença hereditária,
e o povo é quem paga o Mico.

Deixarei um funil velho
para a Refinaria
representar seu papel
no Reino da Fantasia.
Coitada de Bacabeira,
vai refinar a sujeira
e a merda da Oligarquia.

No carro da Petrobrás
tá faltando óleo de freio,
com tanta superfatura
o negócio ficou feio.
Divisas nem se discute,
se fraude é Cláusula Put,
tem putaria no meio.

Vou deixar um Lava-Jato
pra ver quem ganha a aposta.
Será Nélson Cerveró,
ou Paulo Roberto Costa?
Na quitanda, a Globo filma,
com todo o aval da Dilma,
qual dos dois lava mais bosta.

Um Jatinho da PF
no Congresso vou deixar
pro golpista André Vargas
com Youssef voar.
Lavagem com Mensalão,
Labogen, corrupção:
que remédio isso vai dar?

Antes que acabe a tinta
deixo armas e brasões
para o Edinho Trinta
(candidato dos vilões)
e o forno da Titia,
pra inaugurar padaria
no Palácio dos Leões.

Também deixo pro Lobinho
os túneis da madrugada
que cavei lá em Pedrinhas.
Vai fugir em disparada
num cavalo puro sangue,
depois de cruzar o mangue,
rumo à Serra Pelada.

Entrego pro Flávio Dino,
que é amigo do peito,
uma estrela sem destino
para quando for eleito.
O PC do B tem grife,
filiou até xerife
para garantir o Pleito.

A Foundation São Luís
em inglês não é à toa,
é pra carregar turista
pro Arraial de canoa.
O Bureau do Eleotério
para o pobre é um cemitério,
para o rico é uma Lagoa.

E para os bobos da Corte
que alugam sua voz
eu vou deixar puxa-puxas,
quebra-queixos, derressóis.
Nessa corrida de saco,
coça menos quem é fraco,
puxa mais quem é Veloz.

Já repassei ao Prefeito
um invento de fariseu
chamado VLT,
que Castelo prometeu,
mas nasceu morto, sem laudo,
e entregou pro Edivaldo:
– Toma, que o filho é teu!

Espero que não se zanguem
com as heranças sovinas,
que botei no Testamento
retirado da latrina.
Mas, se não for do agrado,
Deus é quem é o culpado,
pois sou invenção Divina.

Pra escapar da sua língua
no Beco do Gavião,
deixo um bar para Rosana
e um quilo de camarão.
Capiroto, que é bandido,
já botou o apelido:
Bar do Afeganistão.

Patativa anda sorrindo,
já botou água de cheiro
no sovaco e na chorina
dizendo pro mundo inteiro
que vai tirar o atraso,
pois agora virou caso
do cantor Zeca Baleiro.

Corinthiano é o culpado
por tudo o que aconteceu,
inventou essa cachaça
que Patativa bebeu.
Depois da tal “Fogozada”
ela não muda a toada,
e só canta Xiri Meu.

Se a múmia do Executivo,
não fosse tão paralítica,
mereceria uma Faixa
de Gaza na Zona Crítica.
Se fosse como Faustina
haveria disciplina,
sem corrupção política.

Um caminhão de lagosta,
camarão e caviar
ainda não decidi
para quem eu vou deixar.
Eu peço então à plateia
que me dê uma ideia:
que nome devo botar?

Para Wellington Reis
a receita vou deixar
pra fazer outro CD
na Arte de Cozinhar.
É uma língua alugada
ao molho de marmelada,
eu não sei se vai gostar.

Para tomar mais cuidado
na calçada em que trafega,
vou deixar Desinfetante
e uma vassoura brega
para a Secretária Olga,
que, quanto mais se empolga,
mais na Cultura escorrega.

Judas também é cultura,
mesmo subfaturada.
Por isso peço aos herdeiros:
não gastem toda a mesada
da minha miséria cômica,
que está na Caixa Econômica
com a fome embalsamada.

Para a História do Brasil
ficam marcas de tortura,
corpos desaparecidos
nos quintais da Ditadura.
Desde o Golpe Militar
já cansei de procurar
minha própria sepultura.

De almas sem Anistia
cinquenta anos se vão.
Para Herzog, Marighella,
Lamarca e Ruy Frazão
deixo as lágrimas do rosto
e o coração exposto,
por falta de vinho e pão.

(Lavrado ontem, 19, Sábado de Aleluia, na Praça da Faustina, Praia Grande)

Um cordel de Wilson Marques

O escritor Wilson Marques é uma espécie de pop star das letras locais: suas palestras em escolas sobre sua obra são sempre concorridas pelos pequenos leitores. Que, dependendo de estímulos como esse, poderão vir a ser os grandes leitores. É um caso raro por estas bandas, embora ele não viva da literatura que se produz. Mas ele é reconhecido nas ruas como o “pai” de Touché, seu personagem mais famoso, que estrelou vários de seus livros.

O que fez o jornalista barbudo (é a publicidade quem paga suas contas) foi adaptar ao universo infantil diversas lendas já bastante ouvidas por nós, maranhenses já saídos da infância. Com ilustrações de Dedê Paiva, que já havia desenhado em seu O Tambor do Mestre Zizinho (e estará no lançamento), ele lança amanhã (24), A Lenda do Rei Sebastião e o Touro Encantado, em versos de literatura de cordel, sua mais nova aventura (mais na imagem abaixo, clica para ampliar).